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Artigo

O potencial básico para a vida, artigo de Maurício Gomide Martins

[EcoDebate] Com referência ao expressivo trecho de carta da sino-americana, Anne Fumi Johns Stewart, residente em Sendai no Japão e dirigida aos seus familiares – “eu amo este ‘jogar fora’ de coisas não essenciais, vivendo apenas no nível básico do instinto da sobrevivência” –, procuramos aprofundar seu pensamento, analisando e caldeando o assunto sob a óptica do seu verdadeiro sentido e amplidão.

O mundo está dividido em 203 ditos países “soberanos” e isso dificulta enormemente os entendimentos para aceitação unânime de ações necessárias à preservação do maior bem que o planeta tem e que nos outorgou para usufruto: o potencial básico para a Vida.

A divisão, separação, autonomia e os governos nacionais existentes em todos os países trabalham em benefício de seus próprios interesses, de uma forma compartimentada, mas em prejuízo do todo a que pertencem. Essa diversidade ter raízes, mas superficiais. Está na língua falada, na cor da pele, nas crenças, na cultura, nos recursos, na geografia e mais os instrumentos que reforçam cada singularidade, como a bandeira, o hino e os estímulos ao patriotismo.

Aparentemente, nada os une aos demais; apenas são cavadas maiores divergências, provocadas em geral pelos interesses comerciais e ações bélicas de países mais gananciosos. E ainda são alimentadas e estimuladas tais animosidades com ações ditas esportivas. Nada contra o esporte em si, mas cabe crítica ao exaspero nacionalista com que competem, chegando mesmo à guerra, como ocorreu entre Honduras e El Salvador em 1969.

Mas há um potencial que os une num só mundo. Todos têm suas necessidades humanas básicas iguais. Um chinês, um africano ou um japonês nascem da mesma forma; o bebê emite a primeira palavra, num balbuciar de som sempre igual – mã…mã… –; as mães amam seus filhos; todos respiram o mesmo ar; bebem da mesma água distribuída pela chuva; alimentam-se de recursos dados pela mesma Terra; almejam pela segurança e paz; todos dormem e têm o mesmo sol para lhes clarear o caminho.

Essas são as necessidades essenciais e universais sem as quais nenhum ser humano sobrevive. Por isso, devem ser atendidas em primeiro lugar e diariamente, porque as outras são adventícias, secundárias, supérfluas, renunciáveis e só passam a existir por desrespeito aos limites dos recursos terrestres ou por interesses materialistas não oriundos da Natureza, como está friamente demonstrado no cenário nipônico.

A questão ambiental diz respeito justamente a tais elementos, comuns para toda a biodiversidade. Esses bens essenciais para a vida estão, nos anos vigentes, sendo envenenados num crescendo ilógico pela atividade moderna. Quando uma fábrica de papel funciona na Suécia, envenena o ar que o mundo todo respira. Quando o agricultor brasileiro lança sobre a terra o produto químico, que o beneficia de forma aparente e temporária, envenena a terra e os mares.

Ante o número sumamente elevado da população mundial, os desejos supérfluos devem ser contidos com urgência. Mesmo os reclamos espirituais não essenciais devem ser colocados numa ordem prioritária, visando à sobrevivência da Vida. A inteligência humana deve se rebelar contra os chocalhos atraentes, sonoros e coloridos da modernidade, instrumentos enganosos que nos trazem a ilusão do conforto, mas desviam nossa atenção para objetivos estranhos à vida natural.

Concentra-se nosso sentido na questão já generalizada de que devemos melhorar a qualidade de vida da humanidade. Por quê? Já temos vida boa em demasia (com exceção da dos miseráveis), considerada a anemia que produzimos no planeta, desfalcado em sua capacidade de regeneração em mais de 30%. Entendemos que temos benefícios demais, escravos mecânicos em excesso, ócio individual em demasia, exagero de bens e completa inabilidade mental pelo seu não uso.

Os discursos das autoridades gravitam sempre em função da melhoria humana, mostrando que a exclusividade antropocêntrica habita permanentemente o cérebro deles. Indivíduos hábeis, a serviço dos interesses tecnológicos, têm dirigido suas pesquisas para tornar o mundo humano materialmente melhor e mais lucrativo. Em geral, a melhoria para os humanos traz fatalmente a pioria para os demais viventes, principalmente pela tomada de seus espaços no planeta. Diversas espécies e biomas já foram extintos, exceto os que proporcionam ou possam objetivar o danado do lucro.

Esse processo de exclusivismo humano trará, como conseqüência, o enfraquecimento progressivo da dinâmica da Natureza. Já é situação real a misteriosa e considerável diminuição de abelhas – esse tão importante agente polinizador – tanto nos EE.UU. como no Brasil.

Cada vez mais os indivíduos estão deixando de usar os recursos próprios e adequados do corpo – os músculos – e se deixando levar pelas delícias do conforto e ócio, aprendendo apenas a apertar botões tecnológicos escravizantes. Em contrapartida, estão adquirindo e cultivando o desequilíbrio orgânico que traz a preguiça física e mental. Esse posicionamento provoca a indolência da mente e a obesidade física, com os conseqüentes distúrbios para a saúde em geral.

Alguns dirão que os conceitos aqui expostos levariam a um retorno à vida primitiva, na qual o homem se ocuparia apenas de plantar e colher, o que seria uma utopia. Concluem pela utopia, no seu aspecto negativo, porque o pensamento está imerso e condicionado ao plasma cultural em que vivemos. Na sua essência positiva, entretanto, outra civilização é possível. Se já tivemos em épocas diversas as anteriores, por que não uma fundamentada na razão e expressão da necessidade de sobrevivência? Não esqueçamos que toda revolução começa pela simples idealização de uma utopia.

Sem renúncia às conquistas não poluentes do saber, adquirido na modernidade, poderíamos construir uma sociedade honesta, justa e harmônica com a ecologia. Teríamos tempo para o cultivo das maravilhas espirituais, ocupação adequada à completitude do ser. Teríamos ocasião para acompanhar o sagrado ritual do plantio das sementes, do amor em seus diversos matizes, das virtudes, das belezas naturais e de nosso conjunto vivencial. Isso seria uma utopia positiva, transformável em nova civilização pela força da inteligência, atributo impar do ser humano.

Qual a revolução que não passou pela fase inicial de ideação de uma utopia? Precisamos das utopias para servir de suporte às reflexões que nos levam a transformações. Podemos e devemos idealizar diversos tipos de utopia. Não há necessidade de existir uma única, desde que em harmonia com a Natureza. Sua ideação é função da mente ante um desastre que se aproxima.

Estamos mergulhados numa cultura egoística e antropocêntrica, extremamente prejudicial à ecologia terrestre, o que nos deturpa a consciência. Precisamos perceber a dura realidade – exposta a olhos vistos –, produto dessa esdrúxula situação que sustenta a cultura materialista, individualista e injusta.

Maurício Gomide Martins, 82 anos, ambientalista e articulista do EcoDebate, residente em Belo Horizonte(MG), depois de aposentado como auditor do Banco do Brasil, já escreveu três livros. Um de crônicas chamado “Crônicas Ezkizitaz”, onde perfila questões diversas sob uma óptica filosófica. O outro, intitulado “Nas Pegadas da Vida”, é um ensaio que constrói uma conjectura sobre a identidade da Vida. E o último, chamado “Agora ou Nunca Mais”, sob o gênero “romance de tese”, onde aborda a questão ambiental sob uma visão extremamente real e indica o único caminho a seguir para a salvação da humanidade.

EcoDebate, 06/04/2011

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