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A Mata Atlântica fragmentada. Entrevista com Maury Abreu

“O maior dos problemas na Mata Atlântica é, sem dúvida, a fragmentação do hábitat”, explica Maury Abreu na entrevista que concedeu por email à IHU On-Line. O biólogo analisa a situação atual da Mata Atlântica e da costa brasileira e aponta os principais problemas pelos quais esses ambientes vêm passando. Para ele, os órgãos responsáveis pela fiscalização e manutenção dessas áreas são ineficientes. “Órgãos governamentais geralmente se defendem afirmando que não há recursos, e isso é uma realidade. Porém, mesmo quando os recursos estão disponíveis, as fiscalizações não são efetivas. No fim, me parece que a fiscalização age exclusivamente sobre os pesquisadores, que enfrentam uma imensa bateria burocrática para conseguir trabalhar”, critica.

Maury Abreu graduou-se em Ciências Biológicas pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos e é, atualmente, mestrando em Biologia na mesma instituição. Também atua como consultor técnico ambiental.

Confira a entrevista.

IHU On-Line – Quais são os principais problemas que vivem hoje a Mata Atlântica e a costa brasileira?

Maury Abreu – O maior dos problemas na Mata Atlântica é, sem dúvida, a fragmentação do hábitat. O grande desmatamento pelo qual a Mata Atlântica passou, e ainda passa, transformou o que antes era uma floresta contínua em um conjunto de pequenos fragmentos com pouca ou nenhuma conexão entre eles. Isso desencadeia uma série de problemas para as populações silvestres.

Outro grande problema de conservação tanto na Mata Atlântica quanto em espécies marinhas é o conflito com o ser humano. Em terra firme, muitas espécies são caçadas por suas belas peles ou plumas. Além disso, a perda do ambiente natural força muitos organismos a explorar áreas urbanas ou de criação de gado, o que agrava esses conflitos. Na costa, os conflitos ocorrem principalmente entre pescadores e algumas espécies marinhas. Em algumas praias gaúchas, pescadores ocasionalmente atacam leões marinhos que, devido à escassez de alimentos, acabam atacando e danificando redes de pesca.

Falando dessa maneira faz parecer que os pescadores são inocentes. Mas quando paramos para pensar que essa escassez de alimentos se deve, principalmente, à pesca predatória e superexploração de recursos causada pelo ser humano, então não há como culpar os leões-marinhos. Outros problemas ainda poderiam ser apontados, como o tráfico de animais silvestres e a morte de animais marinhos por ingestão de lixo e afogamento em redes de pesca.

IHU On-Line – Qual a importância da busca por espécies de animais ainda não identificadas?

Maury Abreu – Como podemos proteger aquilo que não conhecemos? Se a conservação da biodiversidade é importante, “conhecer” essa biodiversidade é ainda mais importante! A diversidade biológica, seja em termos de diversidade de espécies, de interações ou processos ecológicos, é essencial para o equilíbrio dos ecossistemas. Mas para preservar esse equilíbrio, primeiro precisamos conhecê-lo. Por isso, a descoberta de novas espécies é tão importante.

IHU On-Line – Como você analisa a fiscalização dos órgãos responsáveis pelo monitoramento das áreas de conservação no país?

Maury Abreu – Ineficientes. Órgãos governamentais geralmente se defendem afirmando que não há recursos, e isso é uma realidade. Mas, mesmo quando os recursos estão disponíveis, as fiscalizações não são efetivas. No fim, me parece que a fiscalização age exclusivamente sobre os pesquisadores, que enfrentam uma imensa bateria burocrática para conseguir trabalhar.

Para piorar a situação, já houve ocasiões em que pessoas responsáveis por administrar áreas de conservação acabam sendo as que mais degradam a área, ou a tornam praticamente uma “propriedade particular” onde podem fazer o que desejam. ONGs e grupos particulares acabam sendo aqueles que mais fiscalizam essas áreas, usando a mídia como aliada e exigindo ações mais concretas.

IHU On-Line – Em que nível está a questão do desmatamento da Mata Atlântica? Quais as consequências desse tipo de ação?

Maury Abreu – O desmatamento pelo qual a Mata Atlântica passou transformou a floresta em pequenas manchas fragmentadas, restando hoje cerca de 8% da sua extensão original. Imagine que essas manchas são pequenas cidades, mas que não existem estradas, e o deslocamento entre uma cidade e outra é extremamente difícil. Essa é a situação na qual se encontram os organismos que vivem neste ambiente fragmentado. E isso é especialmente crítico para espécies de grande porte, que precisam percorrer grandes distâncias para sua sobrevivência.

O isolamento destes fragmentos também pode trazer problemas genéticos. Populações silvestres que vivem isoladas tendem a diminuir a sua variabilidade genética, o que diminui a chance de resposta caso a população venha a sofrer algum dano. Populações com maior variabilidade genética têm maiores chances de responder positivamente a uma alteração no ambiente. Por exemplo, se a população é atacada por alguma doença ou praga, a chance de existir algum indivíduo com alguma informação genética que permita sobreviver a essa doença é maior quanto maior for a diversidade genética na população.

O desmatamento florestal também tem problemas na estrutura do ambiente. Ambientes muito fragmentados podem perder o que é chamado de micro-habitat, uma porção do habitat com um conjunto de variáveis muito específicas (pH do solo, temperatura, luminosidade, etc.). Perdendo esses micro-habitats perde-se também espécies intimamente associadas a eles, e isso pode gerar um efeito cascata que afetará todos os organismos silvestres – e, num futuro não muito distante, acabará tendo forte influência também na vida humana. Por exemplo, existem espécies vegetais de grande importância econômica para o ser humano cuja manutenção e sobrevivência dependem fortemente de espécies animais. Se o equilíbrio não for mantido, mais cedo ou mais tarde o ser humano acabará sendo afetado negativamente.

IHU On-Line – Qual sua opinião sobre o Novo Código Florestal brasileiro?

Maury Abreu – Para a comunidade científica, está claro que o Novo Código visa beneficiar exclusivamente agricultores e proprietários de terra, sem se preocupar com as consequências à biodiversidade. As previsões na comunidade científica são o aumento na fragmentação, cujas consequências já foram mencionadas antes, e dos impactos ao ambiente. E, novamente, essas medidas cedo ou tarde trarão graves problemas à sociedade humana. Exemplo disso é a proposta de redução nas faixas de proteção ao longo dos rios de 30 para 15 metros.

Há tempos a comunidade científica alerta para os riscos da ausência de mata ciliar no entorno dos rios, havendo inclusive um grande projeto na Unisinos que visa o estudo e a preservação da mata ciliar do Rio dos Sinos. Contudo em todo o Brasil a comunidade não tem dado atenção a esse problema, e os resultados já são sentidos através de catástrofes, inundações de rios e enchentes. Se as recomendações científicas tivessem sido tomadas desde o princípio, talvez catástrofes desse tipo pudessem ser evitadas.

As modificações propostas no Novo Código Florestal também terão grandes impactos negativos nos chamados “serviços do ecossistema”. A natureza presta uma série de “serviços gratuitos” para a sociedade humana, como polinização e dispersão de sementes de espécies com interesse econômico, ciclagem de nutrientes, controle natural de pragas, etc. Se os sistemas ecológicos que suportam esses “serviços” não forem preservados, será necessário um investimento financeiro muito maior no futuro. Então, o que vale mais a pena?

IHU On-Line – O aquecimento global tem alterado o comportamento da vida na Mata Atlântica e costa brasileira?

Maury Abreu – Os efeitos provocados pelo aquecimento global são mundiais. Não há lugar no planeta que não seja afetado de alguma maneira, por menor que seja. No ambiente aquático, ele afeta cursos de marés e altera a temperatura do oceano, afetando assim microorganismos e organismos muito sensíveis que servem de alimento para outros organismos de maior porte.

No ambiente terrestre, o aumento na temperatura global pode levar a alterações no comportamento e na sobrevivência de alguns organismos. Também existe uma tendência de aumento de ventos e furacões devido ao aquecimento global, e isso afetará significativamente as espécies terrestres danificando ainda mais o ambiente já fragmentado que é a Mata Atlântica. Imagine uma árvore caindo no meio da floresta pela força do vento. Ela não cai sozinha, mas leva dezenas outras espécies com ela, além de abrir uma imensa clareira que aumenta a intensidade luminosa no interior da mata, e isso tem efeitos altamente significativos nas espécies vegetais e animais que vivem ali.

IHU On-Line – Para você, qual é a definição de bioma que a Mata Atlântica precisa? O que falta para constituirmos essa definição?

Maury Abreu – Mata Atlântica é um dos biomas mais ameaçados do planeta, tendo somente cerca de 8% de sua extensão original, e possui mais de 8700 espécies de plantas e vertebrados endêmicos (ou seja, organismos que ocorrem exclusivamente na Mata Atlântica e em nenhum outro lugar do mundo). Por isso o bioma figura entre os cinco primeiros hotspots de biodiversidade mundial. Estes hotspots são justamente regiões do planeta onde ocorrem níveis excepcionais de endemismo e que estão severamente ameaçados. Em 1988, haviam sido reconhecidos dez hotspots. Hoje, devido ao constante impacto humano sobre o planeta, já temos 34 hotspots identificados ao redor do mundo.

O que a Mata Atlântica precisa, agora, é de fiscalização adequada, punições mais severas àqueles que incentivam o desmatamento e maior rigidez dos órgãos ambientais na concessão de licenças para empresas de grande porte. Como profissional, vejo muitos relatórios ambientais mais elaborados, com informações importantes ausentes ou contraditórias.

Não digo que devemos ser radicais e vetar qualquer tipo de empreendimento. O ser humano é parte do planeta, e vai provocar mudanças como qualquer outro ser vivo. Mas cabe a nós, como seres conscientes e inteligentes, amenizar os impactos ao menor nível possível. E para isso bastam as grandes empresas e governos aceitarem sugestões de manejo e conservação, e mudarem um pouco a visão de resultados imediatos. Grandes empresas frequentemente querem resultados e retorno financeiro imediato. Mas a conservação exige sacrifícios; por outro lado o retorno, tanto financeiro como em qualidade de vida, pode ser muito maior no futuro. É só aprender a ter paciência.

(Ecodebate, 07/12/2010) publicado pelo IHU On-line, parceiro estratégico do EcoDebate na socialização da informação.

[IHU On-line é publicado pelo Instituto Humanitas Unisinos – IHU, da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos, em São Leopoldo, RS.]


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