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Artigo

O Parque Nacional Chapada das Mesas e a problemática de recursos para sua implementação, por Jadilson Cirqueira de Sousa

[EcoDebate] No dia 12 de Dezembro de 2005, finalmente e após intensa luta dos ambientalistas da região de Carolina, o Presidente da República assinou o Decreto criando a Unidade de Conservação denominada de Parque Nacional Chapada das Mesas, com área de 160.000ha, atingindo os municípios de Estreito, Carolina e Riachão. A partir de então o órgão licenciador ambiental (IBAMA) passou a aceitar a Unidade de Conservação (PARNA Chapada das Mesas) como sujeita à compensação ambiental a cargo dos empreendedores da UHE – Estreito (Usina Hidrelétrica de Estreito) em vias de início da construção, desde que concedida a licença de instalação.

No sistema brasileiro, a compensação ambiental é disciplinada pela Lei nº 9.985/00 – SNUC (Sistema Nacional de Unidades de Conservação) que foi regulamentada pelo Decreto nº 4.340/02, alterado mais tarde pelo Decreto nº 5.566/05. De acordo com o art. 36 da Lei 9.985/00 – SNUC: “nos casos de licenciamento ambiental de empreendimentos de significativo impacto ambiental, assim considerado pelo órgão ambiental competente, com fundamento em estudo de impacto ambiental e respectivo relatório – EIA/RIMA, o empreendedor é obrigado a apoiar a implantação e manutenção de unidade de conservação do Grupo de Proteção Integral, de acordo com o disposto neste artigo e no regulamento desta Lei.” Por seu turno, o art. 31 do Decreto 4.340/02 determina que: “Para os fins de fixação da compensação ambiental de que trata o art. 36 da Lei nº 9.985, de 2000, o órgão ambiental licenciador estabelecerá o grau de impacto a partir de estudo prévio de impacto ambiental e respectivo relatório – EIA/RIMA realizados quando do processo de licenciamento ambiental, sendo considerados os impactos negativos e não mitigáveis aos recursos ambientais. Parágrafo único. Os percentuais serão fixados, gradualmente, a partir de 0,5% (meio por cento) dos custos totais previstos para a implantação do empreendimento.

Cabe esclarecer a distinção entre compensação ambiental e medidas mitigadoras ou programas de compensação social. Estas tratam de valores que viabilizarão a adaptação do empreendimento à qualidade ambiental, visando uma composição sócio-econômica, ou melhor, servem para minimizar os impactos nas vidas das pessoas atingidas. Já a compensação ambiental visa exclusivamente recompor a natureza atingida pelo empreendimento. No caso da UHE – Estreito, significa a criação de uma área para a preservação de ecossistemas naturais de grande relevância ecológica e beleza cênica. Vale dizer, a compensação ambiental visa compensar o que ficará destruído e inutilizado na natureza com as águas do barramento ou por outras destruições.

Entretanto, o que seria um benefício e tanto para a região mais atingida pelo reservatório da UHE – Estreito, com especificidade para Carolina, passou a ser mais um tormento e insegurança diante da possibilidade de uma não implementação rápida, segura e eficaz do PARNA Chapada das Mesas. É que em janeiro deste ano de 2006, chegou ao conhecimento do Ministério Público e da comunidade em geral a existência de uma minuta do Termo de Compromisso a ser firmado entre o IBAMA e o CESTE (consórcio de empresas para a construção da UHE -Estreito), como forma de compensação ambiental, no valor estimado de R$ 9.635.000,00 (nove milhões, seiscentos e trinta e cinco mil reais), primeira parcela, correspondente a 0,5% do valor do empreendimento, com previsão do repasse de recursos a outras unidades de conservação do País, situadas nos Estados de Minas Gerais (PARNA Serra da Canastra, PARNA Sempre Vivas e Estação Ecológica Piratininga), Mato Grosso (Estação Ecológica Iquê) e Bahia (Reserva de Vidas Silvestres Veredas do Oeste Baiano), além do Parque Estadual do Lageado, no Estado do Tocantins, destinação não prevista nos Estudos de Impactos Ambientais da UHE – Estreito.

A iniciativa do órgão ambiental licenciador vem causando descontentamentos nas comunidades diretamente envolvidas pelo empreendimento em questão, face à criação recente do Parque Nacional Chapada das Mesas, criado justamente para amenizar os impactos oriundos da construção da UHE-Estreito.

Em face do documento de compromisso, em princípio prejudicial aos atingidos pelo Parque, foi encaminhada Recomendação ao Presidente do IBAMA, subscrita pelo Ministério Público, no sentido de que os recursos previstos para a compensação ambiental fossem destinados somente à implementação e manutenção de unidades de conservação situadas no Maranhão e Tocantins, previstas nos estudos ambientais, e de acordo com a Lei, por estarem diretamente envolvidos pela construção da UHE-Estreito. Mas, mesmo assim, o IBAMA respondeu o seguinte: “…identificadas unidades de conservação dentro da área de influência direta ou indireta do empreendimento, com base no EIA/RIMA, essas unidades necessariamente receberão recursos da compensação ambiental, mas que além dessas unidades afetadas, outras poderão ser beneficiadas, independente de estarem ou não dentro da área de influência, por consideração à conservação do Bioma ao qual o empreendimento é construído, que no caso será o cerrado, razão pela qual as unidades de conservação nos estados de Minas Gerais, Bahia, Mato Grosso e Tocantins poderão ser beneficiadas.”

A ilegalidade, ao nosso modesto entendimento é manifesta, na medida em que a Lei prevê a aplicação dos recursos da compensação ambiental para as unidades de conservação previstas no EIA/RIMA, o que não acontecerá, caso o Termo de Compromisso seja assinado nos termos atuais, pois as unidades dos Estados de Mato Grosso, Bahia, Minas Gerais e Tocantins (Parque Estadual Lageado) sequer foram mencionadas no referido estudo e relatório de impacto ambiental específico da UHE – Estreito.

Deve-se considerar, ainda, que o rateio das quantias destinadas à compensação ambiental para outras unidades de conservação, somente contribuirá para a não implementação na sua totalidade do PARNA Chapada das Mesas, precisamente fundiários, causando imensuráveis prejuízos às comunidades diretamente atingidas. Nesse sentido, os meios de comunicação do país não param de denunciar inúmeras unidades de conservação criadas pelo poder público e não implementadas na sua totalidade.

Quanto à proporcionalidade, faz-se necessário avaliar que os benefícios energéticos advindos da UHE – Estreito repercutirão, principalmente, em favor da região sudeste – que por ser mais industrializada carece de mais energia -, mas os ônus do empreendimento ficarão sobre os estados do Maranhão e Tocantins.Vale dizer, não é razoável/proporcional que as comunidades dos estados do Maranhão e Tocantins arquem com os encargos sócio-político-econômico-cultural-ambientais do empreendimento, enquanto outras unidades da Federação – que já serão beneficiadas com a energia a ser gerada -, gozem de recursos destinados à compensação ambiental em detrimento daquelas.

Preocupados com a não implementação da unidade de conservação PARNA Chapada das Mesas, justamente pela rotineira alegação de falta de recursos e burocracia, a comunidade de Carolina já se mobilizou e criou uma Associação dos Atingidos pelo PARNA Chapada das Mesas, justamente para lutar pelas corretas e justas indenizações desapropriatórias, implementação e funcionamento, além de outras providências, para que não aconteça impactos sócio-econômicos e ambientais danosos e, o mais grave, sem a devida reparação pelo órgão público responsável.

Desta forma, verificando-se facilmente a ilegalidade, irrazoabilidade/desproporcionalidade e irregularidade dos atos administrativos que estão prestes a se concretizarem, os Ministérios Públicos do Maranhão e Tocantins com o Ministério Público Federal, ajuizaram no último dia 17 de março de 2006, uma Ação Civil Pública junto à Justiça Federal em Imperatriz, buscando a tutela jurisdicional para coibir que, caso haja a viabilidade ambiental por parte do IBAMA para a UHE-Estreito, os recursos obrigatórios para a compensação ambiental sejam direcionados somente para o PARNA Chapada das Mesas e Monumento Natural de Árvores Fossilizadas no Tocantins, bem como, a impossibilidade do IBAMA destinar tais recursos específicos para outras unidades de conservação do Brasil.

Concordando com o Ministério Público, o Juiz Federal da Seção Judiciária de Imperatriz, Dr. Lucas Rosendo Máximo de Araújo, em brilhante Decisão Liminar determinou ao IBAMA que se abstenha de firmar Termo de Compromisso para o cumprimento da compensação ambiental destinando recursos a outras unidades de conservação não contempladas no EIA/RIMA de Estreito. Assim, tivemos êxito na primeira etapa do processo judicial.

Independentemente das medidas judiciais a cargo do Ministério Público é mister e imprescindível que a população da região atingida pelo PARNA Chapada das Mesas e pela UHE -Estreito se mobilizem, inclusive politicamente, para a fiscalização e defesa de interesses e direitos que por ventura sejam ilegais, indevidos e danosos.

Promotor de Justiça de Carolina, Estado do Maranhão; Colunista do Jornal Regional de Porto Franco; Colaborador do CAO-UMA-MP/MA; e Especialista em Ciências Jurídico-Urbanísticas e Ambientais, pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, Portugal.

in EcoDebate, www.ecodebate.com.br, 10/05/2006