EcoDebate

Plataforma de informação, artigos e notícias sobre temas socioambientais

Artigo

Vamos ser sinceros, a meta de 1,5º C está morta

 

Vamos ser sinceros, a meta de 1,5º C está morta, artigo de José Eustáquio Diniz Alves

Limitar o aquecimento global em 1,5º C requer atingir imediatamente o pico das emissões, reduzir a poluição pela metade até 2030 e atingir zero emissões líquidas de dióxido de carbono globalmente no início dos anos 2050

“É pior do que você pensa”
David Wallace-Wells (09/07/2017)

O Acordo de Paris, de 2015, estabeleceu uma meta ambiciosa de limitar o aquecimento global a no máximo 1,5º Celsius em relação ao período pré-industrial. Sete anos depois, em abril de 2022, o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) divulgou mais um relatório mostrando que o quadro das emissões de CO2 continua desfavorável, pois será muito difícil reduzir a liberação de gases de efeito estufa (GEE) até 2030. Ou seja, tecnicamente seria possível evitar a ultrapassagem do limite de 1,5º C, mas é pouco provável que isto ocorra.

A temperatura global já aumentou 1,2º C em relação ao período pré-industrial. Na década passada o aumento foi de 0,33º C e o ritmo é de aceleração, conforme mostra o gráfico abaixo da NOAA. Portanto, é muito provável que o limite mínimo do Acordo de Paris seja alcançado por volta de 2030.

variação da temperatura global em relação à média do século 21

Não convém fugir da realidade de que a meta de 1,5º C está com o pé na cova. O próprio Secretário-Geral da ONU, António Guterres, fez um discurso indignado relativo ao novo relatório do IPCC, afirmando que os países e empresas estão “mentindo” e que os dados do relatório dão um veredicto condenatório à humanidade: “Ativistas climáticos são às vezes retratados como radicais perigosos. Radicais e verdadeiramente perigosos são os países que estão aumentando a produção de combustíveis fósseis“.

Limitar o aquecimento global em 1,5º C requer atingir imediatamente o pico das emissões, reduzir a poluição pela metade até 2030 e atingir zero emissões líquidas de dióxido de carbono globalmente no início dos anos 2050.

Mas isto não está sendo feito e a invasão da Ucrânia pela Rússia fez o preço dos combustíveis fósseis aumentarem e gerou um clamor das elites, e mesmo do povo, pelo aumento da produção de hidrocarbonetos. No Brasil é geral a demanda pela redução do preço dos combustíveis e muito pouco é feito na transição energética e na redução do desmatamento. O desejo de aumentar o consumo, em geral, supera as preocupações com as questões ambientais e climáticas.

Não faltam alertas sobre a crise atual. No dia 09/07/2017, o jornalista David Wallace-Wells publicou uma matéria denominada “The Uninhabitable Earth”, na revista New York Magazine (NYMag), pintando um cenário apocalíptico para o Planeta – um Armagedon climático – caso as tendências atuais não fossem alteradas. O texto começou assim: “It is, I promise, worse than you think” (Prometo, é pior do que você pensa). Muitos críticos disseram que o artigo era catastrofista e não ajudava na luta contra o aquecimento global.

Mas o artigo se tornou viral e foi comentado amplamente em diversos países do mundo e passou a ser o artigo mais lido da revista em todos os tempos. Em 2019 foi publicado o livro “The Uninhabitable Earth: Life after Warming”, enquanto os indicadores climáticos mostram que o equilíbrio homeostático do Planeta está sendo alterado e Terra está ficando cada vez mais inóspita e inabitável (Alves, 2019).

Todavia, não será somente a humanidade que irá sofrer com a crise climática e ambiental, mas principalmente as demais espécies vivas do Planeta. A perda de biodiversidade e a 6ª extinção em massa das espécies vai provocar não apenas uma tragédia ecológica, mas também deve reverberar sobre a civilização, pois a extinção dos polinizadores e a destruição das florestas vão acelerar o aquecimento global e agravar a crise alimentar.

Portanto, a emergência climática e ambiental deve provocar mais mortes e mais sofrimento do que a emergência sanitária da covid-19. Mas os negacionistas acusam os verdadeiros ambientalistas de catastrofistas e nada fazem para conter a catástrofe ambiental. Mas, indubitavelmente, é preciso saber ouvir os “catastrofistas” e colocar em prática o princípio da precaução e não ficar procrastinando as ações.

Como disse Greta Thunberg em atividade preparatória para a COP26 em Glasgow: “Isso é tudo o que ouvimos por parte dos nossos líderes: palavras. Palavras que soam bem, mas que não provocaram ação alguma. Nossas esperanças e sonhos se afogam em suas palavras de promessas vazias. Não existe um planeta B, não existe um planeta blá-blá-blá, economia verde blá-blá-blá, neutralidade do carbono para 2050 blá-blá-blá”. Ela completou: “30 anos de blá-blá-blá dos líderes mundiais e sua traição com as gerações atuais e futuras“.

A humanidade precisa reconhecer os seus erros e parar de acreditar em notícias falsas (fake news). A Terra é esférica e finita, mas existem alguns negacionistas que dizem que a Terra é plana e outros que negam os limites do crescimento e agem como se a Terra fosse infinita. A humanidade já superou a capacidade de carga da Terra e trata a atmosfera com total desprezo, despejando toneladas de CO2 todos os dias. O agravamento do efeito estufa é o resultado da “Tragédia dos Comuns”, pois o que é um bem público está sendo tratado como uma lixeira.

Somente um corte drástico nas emissões de gases de efeito estufa podem evitar um aquecimento global catastrófico. Para tanto é preciso planejar o decrescimento demoeconômico ao longo do século XX. Para salvar a humanidade e a biodiversidade é preciso reduzir o tamanho da população e das atividades antrópicas, especialmente as mais poluidoras, como aquelas decorrentes do uso de combustíveis fósseis. O decrescimento demoeconômico é um imperativo que deverá ser colocado em prática, ou toda a vida do Planeta estará colocada em perigo.

José Eustáquio Diniz Alves
Doutor em demografia, link do CV Lattes:
http://lattes.cnpq.br/2003298427606382

Referências:

ALVES, JED. Catástrofe climática: a Terra inóspita e inabitável, Ecodebate, 19/07/2017
https://www.ecodebate.com.br/2017/07/19/catastrofe-climatica-terra-inospita-e-inabitavel-artigo-de-jose-eustaquio-diniz-alves/

ALVES, JED. A dinâmica demográfica global em uma “Terra inabitável”, Revista Latinoamericana de Población, Vol. 14 Núm. 26, dezembro de 2019
https://revistarelap.org/index.php/relap/article/view/239

David Wallace-Wells. The Uninhabitable Earth: Life After Warming, 2019
https://www.amazon.com/Uninhabitable-Earth-Life-After-Warming/dp/0525576703

IPCC. Climate Change 2022: Mitigation of Climate Change, IPCC, 04/04/2022
https://www.ipcc.ch/report/ar6/wg3/

Série Taliba sobre Meio Ambiente, EP 02, Luiz Marques e José Eustáquio Alves com a jornalista Cristina Serra, 31/10/2020 https://www.youtube.com/watch?v=QQHTDs2tBCQ&t=76s

 

in EcoDebate, ISSN 2446-9394

 

A manutenção da revista eletrônica EcoDebate é possível graças ao apoio técnico e hospedagem da Porto Fácil.

 

[CC BY-NC-SA 3.0][ O conteúdo da EcoDebate pode ser copiado, reproduzido e/ou distribuído, desde que seja dado crédito ao autor, à EcoDebate com link e, se for o caso, à fonte primária da informação ]

Inclusão na lista de distribuição do Boletim Diário da revista eletrônica EcoDebate, ISSN 2446-9394,

Caso queira ser incluído(a) na lista de distribuição de nosso boletim diário, basta enviar um email para newsletter_ecodebate+subscribe@googlegroups.com . O seu e-mail será incluído e você receberá uma mensagem solicitando que confirme a inscrição.

O EcoDebate não pratica SPAM e a exigência de confirmação do e-mail de origem visa evitar que seu e-mail seja incluído indevidamente por terceiros.

Remoção da lista de distribuição do Boletim Diário da revista eletrônica EcoDebate

Para cancelar a sua inscrição neste grupo, envie um e-mail para newsletter_ecodebate+unsubscribe@googlegroups.com ou ecodebate@ecodebate.com.br. O seu e-mail será removido e você receberá uma mensagem confirmando a remoção. Observe que a remoção é automática mas não é instantânea.