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Artigo

A garantia da segurança alimentar está em cheque no Estado do Pará, artigo de João de Deus Barbosa Nascimento Júnior

 

A garantia da segurança alimentar está em cheque no Estado do Pará – Onde está o nosso feijão com arroz e a aplicação do Zoneamento Ecológico-Econômico?

João de Deus Barbosa Nascimento Júnior

MSc em Planejamento do Desenvolvimento

Analista A da Embrapa Amazônia Oriental

[EcoDebate] A ação política do Poder Público e o embate promovido pelos pequenos agricultores familiares ordenados em associações e sindicatos mal organizados e sem poder de mudanças estruturais, decorrentes da baixíssima influência política, com os empresários, latifundiários e especuladores de toda ordem, tem resultado em dificuldades da manutenção dos níveis de sobrevivência, cada vez mais improvável, dentro dos atuais padrões tecnológicos, políticos e administrativos locais, observados especialmente na produção de alimentos, nas relações mercantis e relações trabalhistas inadequadas, até o ponto de se tornarem criminosas, como a profusão do trabalho escravo (Relatórios da Organização Internacional do Trabalho), em nosso Estado.

Apesar disso, urge a necessidade de desenvolver-se o município, já que, entre o Estado “Lato sensu” (federal, estadual e municipal) e a população, só existem uma unidade governada – os municípios – geralmente marcada por fortes vieses urbanos, inclusive no meio rural (WANDERLEY; ABRAMOVAY, 2002). É, portanto legítimo questionar a natureza das coletividades territoriais no contexto das populações rurais. A escala municipal se oferece também como um interessante palco de análise de conflito envolvendo as relações de poder, de visualização, às vezes evidente, mas de interpretação complexa. Apesar dos municípios não se constituírem de forma alguma no único campo de execução de poder, selecionei-os como unidade demográfica básica de estudo considerando a importância a eles atribuída pela Constituição Federal de 1988, pela necessidade de avaliar a eficiência, eficácia e efetividade das práticas de gestão das áreas rurais, experimentadas pelas nossas administrações municipais, além de ser a “casa” dos pequenos agricultores familiares não capitalistas que não só se mantêm em nível de subsistência como outros tipos de agricultores familiares que geram excedentes e são responsáveis por cerca de setenta e cinco por cento dos produtos agrícolas alimentares essenciais à alimentação humana. Não sejam esquecidos, entretanto, que os problemas não se restrinjam somente a esses limites de categoria socioeconômica.

Esses municípios que buscam sua autonomia de gestão, além de esbarrarem na dependência financeira e administrativa do Estado, essa dependência também se manifestam no âmbito administrativo gerencial e até legal dos próprios recursos naturais “pertencentes” ao território municipal, principalmente os considerados rurais, e, os critérios legais somente protegem essa pseudo-autonomia, já que texto legal somente aplica-se para áreas consideradas urbanas, com o falso discurso de promover o desenvolvimento “integrado” dito “sustentável” dentro de bases produtivas, mas que não garantem a seguridade alimentar da população residente.

Muitas das questões prioritárias apresentadas a pesquisadores e agentes de desenvolvimento, pelas coletividades locais ou regionais, traduzem-se em termos de ajuda à tomada de decisão ou de planejamento. Trata-se de reforçar a capacidade de ação e de iniciativa dos atores e de suas organizações. Assim como a pesquisa agropecuária, a extensão rural, os agentes de crédito não podem mais se limitar à escala da propriedade, e, os atuais métodos da assistência técnica e social não são mais suficientes para resolver todas as questões inerentes aos das necessidades de novos tipos de estratégias para o desenvolvimento agrícola. Os tomadores de decisões nas escalas locais e regionais – prefeitos municipais ou governadores, eleitos por quatro anos – geralmente continuam preocupados com resultados imediatos.

Os resultados obtidos nas últimas décadas têm demonstrado que as estratégias de desenvolvimento rural alimentar vêm falhando na Amazônia e em nosso Estado, já que esse desenvolvimento rural predatório, reflexo do crescimento desordenado, faz com que os amazônidas em primeiro lugar, paguem, ao longo desses anos, grandes parcelas referentes aos custos ambientais e sociais dele decorrente.

A exaustão dos recursos naturais, a poluição ambiental, a erosão agrícola, o adensamento populacional e diversos distúrbios sociais, contribuem para diminuição da qualidade de vida, representando as parcelas pagas pela sociedade, por falta de um planejamento criterioso de utilização e ocupação de áreas em desenvolvimento.

Uma boa política de ocupação territorial e utilização racional dos recursos naturais devem levar em conta as suas potencialidades, sua conservação e até a possibilidade de sua preservação associadas às estratégias de desenvolvimento sustentáveis, considerando sempre os aspectos socioeconômicos das populações envolvidas.

Um novo estilo de desenvolvimento agrícola, baseado em parâmetros técnicos, como é o caso dos Zoneamentos Agroecológicos, com a crença de que os usuários / clientes bem informados e organizados podem entender que os recursos naturais, como os solos férteis, que não são abundantes na Amazônia, podem e devem ser utilizados com mais eficiência para a produção de alimentos para consumo interno e menos em atividades agrícolas voltadas à exportação, somente isso, já seria o primeiro passo no sentido de clara indicação de que o aumento da produtividade está ligado intimamente ao uso da terra mais apropriada, somente esse passo, poderia garantir a segurança alimentar das populações locais, tanto da população que permanece nos campos, como as do contingente urbano cada vez maior. Não se deseja com isso, que a Amazônia ou o Estado do Pará, seja um celeiro de produção de alimentos para garantir o abastecimento de outras regiões do país e do exterior, dentro da lógica Humboldtiana, mas pela necessidade de garantir a segurança alimentar das populações que vivem na região, de gerar empregos e de melhoria do bem-estar.

Dados levantados em uma série histórica de feijão (Faseolus vulgaris) e arroz (Oriza sativa L.) demonstram que ainda se está longe da conquista da nossa capacidade produtiva, para alimentar o próprio consumidor local, desses alimentos essenciais a nossa dieta, conforme TABELA. 1, Gráfico. 1 e TABELA 1 abaixo:

Tabela 1 – Consumos atuais e ideais de feijão no Pará e sua produção ideal, levando-se em consideração a produção anual e a população estadual – 1985 a 1996:

População

B

(hab.)

Produção Atual (kg/ano) = (A)

Consumo atual (A\B=C)

(per capita)

Consumo ideal (Kg)

D

(per capita)

Consumo atual

(%)

Produção ideal

(Kg)

(BXD)

4.318.000

10.727.000

2,48

18,3

13,55

79.027.000

4.451.000

14.045.000

3,15

18,3

17,21

81.466.000

4.587.000

10.880.000

2,37

18,3

12,95

83.944.000

4.724.000

10.760.000

2,28

18,3

12,46

86.457.000

4.862.000

14.172.000

2,91

18,3

15,90

88.989.000

5.001.000

14.271.000

2,85

18,3

15,57

91.533.000

5.144.000

11.783.000

2,29

18,3

12,51

94.149.000

5.291.000

11.777.000

2,23

18,3

12,19

96.841.000

5.212.000

18.401.000

3,53

18,3

19,29

95.394.000

5.332.000

19.918.000

3,74

18,3

20,44

97.579.000

5.448.000

20.410.000

3,75

18,3

20,49

99.709.000

5.510.000

16.987.000

3,08

18,3

16,83

100.848.000

Fonte: Levantamento… (1985-1996). D = Quantidade a consumir de acordo com a OMS (Organização Mundial da Saúde) = 50 g/hab./dia, considerando-se uma refeição/dia. Aspectos da cultura do feijoeiro no Estado do Pará, Documento nº 70; 12/2000; Embrapa Amazônia Oriental. O autor desse artigo foi co-autor dessa publicação.

Gráfico 1 – Zoneamentos municipais realizados nos anos de 1975, 1998, 1999, 2000, 2001, 2002, 2003 e 2004 versus consumo ideal e consumo real de arroz em 1996. Nascimento Jr, J.D.B.; (2008).

Fontes: Embrapa Amazônia Oriental – Zoneamentos Agroecológicos; Organização Mundial da Saúde; IBGE/GCEA – Produção agrícola Municipal – Levantamento da Produção.

TABELA 1 – Quadro 1 – Relação dos Zoneamentos realizados pela Embrapa Amazônia Oriental por município:

Ordem

Município

Proponente

Ano

Documento

01

Bujaru

SUDAM

2003

165

02

Paragominas

EMBRAPA

2003

163

03

Abel Figueiredo

PREFEITURA

2002

139

04

Alenquer

PREFEITURA

2002

144

05

Trairão

SECTAM

2002

145

06

Bom Jesus do Tocantins

PREFEITURA

2002

148

07

Rondon do Pará

EMBRAPA

2003

172

08

Santo Antônio do Tauá

EMBRAPA

2004

179

09

Santa Izabel do Pará

SUDAM

2003

157

10

Irituia

SUDAM

2001

124

11

Inhangapi

SUDAM

2001

121

12

Curuça

EMBRAPA

2003

151

13

Barcarena

SUDAM

2003

156

14

Belterra

15

Cametá

EMBRAPA

2000

55

16

Monte Alegre

CPRM

1999

9

17

Uruará

SUDAM

1998

132

18

Itaituba

19

Oriximiná

EMBRAPA

1975

20

Peixe-Boi

21

São João de Pirabas

IDESP

1998

131

22

Tracuateua

PREFEITURA

1999

15

23

Colares

SUDAM

2001

96

24

Marabá

25

Santarém

EMBRAPA

1975

26

Tomé-Açu

SUDAM

2001

27

Moju

PREFEITURA

2003

Fonte: Área de Informação da Embrapa Amazônia Oriental – AINFO 2001 – SIR – Acervo Documental. Excetuando-se os zoneamentos realizados genéricos como aqueles realizados considerando a região amazônica, por projeto como Grande Carajás, por microrregião, por produto específico e de risco climático para plantios específicos.

Considerando as informações explicitadas acima, elas nos remetem a uma avaliação de que há inexistência da produção agrícola de arroz (Oriza sativa L.) e feijão (Faseolus vulgaris) suficientes para garantir a segurança alimentar dos consumidores locais, na grande maioria dos municípios, onde foram realizados os ZEE, como planos de desenvolvimento local endógeno, da produção agrícola de produtos essenciais, nos anos de 1975, 1998, 1999, 2000, 2001, 2002, 2003 e 2004, pela Embrapa Amazônia Oriental. E, por hipóteses, crê-se que as informações contidas nos ZEE são armazenadas, pelas Instituições governamentais e não repassadas aos clientes finais ou seus representantes (produtores familiares pequenos, gestores municipais, Associações e Sindicatos de Produtores), se tornando um processo estanque e não efetivo e muito menos eficaz para a produção de cultivos alimentares, sendo apenas um instrumento realizado para conhecimento Institucional e ou atendimento às exigências legais com intuito da obtenção de financiamentos ou as informações contidas no ZEE são repassadas somente aos detentores do capital agrícola pelos “contratantes”, dentro de um jogo político, que mantém o poder local, sem qualquer preocupação com o desenvolvimento local endógeno de todos os interessados, assim não sendo uma peça democrática no âmbito da gestão compartilhada pública, mesmo contra um discurso político que indique o contrário. Logo, pode-se impingir que a metodologia usada, para realização dos ZEE, não conta com a participação compartilhada de todos os representantes sociais interessados, desde o início do processo criador. Uma das causas seria a falta de representatividade dos agricultores e dos gestores municipais, que não estão estruturados para receber essas informações, que no primeiro caso não estariam preparados política ou tecnicamente para intervir no processo decisório do que produzir? Onde produzir? Como produzir? E para quem produzir? Fazendo dessas questões, figuras de importância relativa nos instrumentos legais de planificação (Planos Diretores de Desenvolvimento ou Planos de Desenvolvimento Agrícolas Municipais). Uma das análises desse processo está em verificar se as informações contidas nos Zoneamentos Agroecológicos e Econômicos não são contempladas, e, muito menos, não são norteadoras dos Planos Diretores Municipais, levando-se em consideração os municípios com mais de 20.000 habitantes no Estado do Pará.

A não democratização ou coletivização das informações técnicas voltadas ao planejamento local torna-se “per si” uma arma política do empoderamento antissocial e capitalista.

Assim, torna-se inadiável um processo de avaliação dessa técnica, que venha aprofundar, penetrar, discutir de forma objetiva as suas diversas nuances que vai desde a elaboração do documento como ferramenta técnica para o desenvolvimento endógeno, com foco na produção de alimentos (arroz e feijão), como forma de garantia da segurança alimentar da população municipal; estudarem-se os circuitos de informações, desde a geração até os beneficiários intermediários e finais e principalmente como elas são utilizadas, ou não, para aumentar a produção de alimentos; como se processa o acesso a essas informações por parte dos interessados e quais esses interesses intrínsecos e extrínsecos da apropriação dessas informações, e, finalmente, levantar os resultados do uso ou desuso dessas informações para as populações locais produtivas (produtores agrícolas familiares) e seus reflexos para o desenvolvimento local sustentado.

 

EcoDebate, 11/06/2014


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