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Reduzir a população de bovinos para combater o desmatamento e o aquecimento global, artigo de José Eustáquio Diniz Alves

 

segunda sem carne

 

[EcoDebate] Quase 70 bilhões de animais terrestres são mortos todos os anos para alimentar os cerca de 7 bilhões de seres humanos. São cerca de 10 animais mortos, anualmente, para cada pessoa.

Segundo a FAO, a criação de animais domesticados, no mundo, a serviço do apetite do homo sapiens, atinge cerca de 200 milhões de búfalos, 800 milhões de cabritos, 1 bilhão de porcos, 1,1 bilhão de ovelhas, 1,45 bilhão de bovinos e dezenas de bilhões de galinhas. A pecuária ocupa 26% da superfície terrestre global. O Brasil tem o maior rebanho bovino do mundo, com cerca de 215 milhões de cabeças (mais gado do que gente).

O impacto da população de ruminantes, especialmente bovinos, sobre o meio ambiente é muito grande. O metano liberado a partir dos sistemas digestivos dos animais criados pela pecuária é responsável por 14,5% de todos os gases de efeito estufa emitidos pelas atividades antrópicas. O gás metano é cerca de 30 vezes mais potente que o efeito do dióxido de carbono no aquecimento do planeta (um boi gera 58 quilos de metano por ano).

O consumo anual médio per capita de carne no mundo desenvolvido foi de cerca de 80 quilos em 2012 e está projetado para crescer para 89 quilos em 2030. Enquanto isso, no mundo em desenvolvimento foi de 32 quilos em 2012, projetado para crescer para 37 em 2030. Se gasta 15 mil litros de água para produzir um quilo de carne. Além de ser ruim para o meio ambiente, o consumo de carne também afeta a saúde humana.

Segundo um estudo feito na Universidade da Califórnia, publicado no periódico JAMA Internal Medicine, as pessoas que não comem carne têm mais chances de ter uma vida longa, se comparadas com aquelas que têm uma dieta “carnívora”. O trabalho envolveu mais de 73 mil participantes, reunidos entre 2002 e 2007 e acompanhados pelo período de quase seis anos.

Um novo estudo da Clínica de Cleveland (EUA ) diz que uma substância química encontrada na carne vermelha é ruim para o coração. Segundo os pesquisadores, a carnitina é processada por bactérias no intestino, dando início a uma cadeia de eventos que resultam em altos níveis de colesterol e no aumento do risco de doenças cardíacas. Reportagem do jornal O Globo (30/01/2014) mostra que quase metade da carne bovina produzida no Brasil está fora do alcance da fiscalização do Ministério da Agricultura (Mapa) e não tem o Certificado de Inspeção Federal (CIF). Todo o controle de resíduos do uso de antibióticos, vermífugos e hormônios (que são proibidos no país) nos rebanhos cabe a órgãos municipais e estaduais, que geralmente não dispõem de meios adequados para a função.

No Reino Unido, o governo não recomenda comer mais do que 70g de carne vermelha ou processada por dia. Por tudo isto, cresce o movimento do Meatless day (pelo menos um dia sem carne na semana). Um dia sem comer carne é bom para a saúde e pode ajudar a combater o aquecimento global. Uma das campanhas de maior impacto é o Meatless Monday (“Segunda sem Carne”), movimento que surgiu nos Estados Unidos em 2003 e tem se espalhado ao redor do mundo.

O economista Nicholas Stern já defendeu comer menos carne para combater o aquecimento global. Estudo publicado pela revista Nature Climate Change propõe a redução da emissão de metano empurrando para cima o preço da carne através de um regime fiscal ou comércio de emissões. O aumento de impostos sobre a carne poderia reduzir o consumo pois “uma mudança na dieta em grande escala não vai acontecer voluntariamente , sem incentivos”. O professor de solos e mudança global na Universidade de Aberdeen, Pete Smith, um dos autores do estudo, disse: “Uma das maneiras mais eficazes para reduzir o metano é reduzir as populações globais de ruminantes, especialmente bovinos”.

No Brasil a pecuária bovina é usada, dentre outras coisas, para ocupar áreas que são desmatadas visando a comercialização e a valorização da terra. Gado, desmatamento e especulação de terras andam juntas. Reportagem publicado no Portal Ecodebate mostra que o rebanho bovino da Amazônia Legal cresceu 140% e passou de 26,6 milhões para 64 milhões de cabeças, entre 1990 e 2003, constituindo-se no principal fator de desmatamento. A violência e os homicídios também costumam acompanhar este processo. As plantações de soja também ocupam áreas desmatadas e já existem projetos no Congresso Nacional tentando legalizar a plantação de cana nas áreas em que a floresta foi destruida. Ou seja, primeiro se desmata para vender as madeiras e depois se ocupa os terrenos para as atividades antrópicas e a monetarização do território transformado em lucro e especulação. Por isto tem gente que diz que o Brail precisa de menos Friboi e mais “free boi”.

Mas a redução da população de bovinos e ruminantes domesticados não tem razões apenas econômicas. Há também uma questão ética e de respeito aos animais. Siddartha Gautama, o Buda, que viveu há cerca de 2500 anos atrás, praticava uma dieta vegetariana e defendia o direito à vida dos animais. Diversas outras personalidades da história também criticaram a matança de animais sencientes em função da alimentação humana. O veganismo defende o fim da exploração e do abuso dos animais por convicções éticas. O vegano não aceita a utilização de animais para alimentação, apropriação, trabalho, vivissecção, confinamento, nem outros usos da vida animal pelo ser humano

Portanto, reduzir a população de bovinos e demais ruminantes é uma forma de combater a escravidão animal e um meio de diminuir o desmatamento e o aquecimento global. Com mais espaços livres das atividades antrópicas, o mundo pode avançar com o processo de reselvagerização da flora e da fauna, livres do utilitarismo e do domínio onipresente de uma única espécie invasora, egoísta e espaçosa.

Referências:

WILLIAM J. RIPPLE et al. Ruminants, climate change and climate policy, Nature Climate Change 4, 2–5 (2014) doi:10.1038/nclimate2081, 20 December 2013

Mother Jones. Should We Fight Climate Change By Taxing Meat? Dec. 21, 2013

Goan, C. Save the world, become a vegetarian… January 4, 2014

IAN JACK. Will fear for our imperilled planet be enough to make me turn vegetarian? The Guardian, Friday 3 January 2014

Anthony J McMichael, John W Powles, Colin D Butler, Ricardo Uauy. Food, livestock production, energy, climate change, and health, TheLancet, 2007

Germano Assad e Luana Lila. A Amazônia continua ameaçada, sobretudo por pastagens para a criação de gado. EcoDebate, RJ, 08/01/2014

ALVES, JED. Erradicar o Ecocídio. EcoDebate, Rio de Janeiro, 31/10/2012

ALVES, JED. Por um mundo mais selvagem! Rio de Janeiro, 14/08/2013

SÔNIA T. FELIPE. Direitos Animais: controle ético das populações domesticadas, ANDA, 20/12/2013

Free Boi

A Carne é Fraca – documentário completo

 

José Eustáquio Diniz Alves, Colunista do Portal EcoDebate, é Doutor em demografia e professor titular do mestrado em População, Território e Estatísticas Públicas da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE; Apresenta seus pontos de vista em caráter pessoal. E-mail: jed_alves@yahoo.com.br

EcoDebate, 07/02/2014


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3 thoughts on “Reduzir a população de bovinos para combater o desmatamento e o aquecimento global, artigo de José Eustáquio Diniz Alves

  • Infelizmente depender apenas da conscientização das pessoas em não comer carne não resultará, em tempo hábil para salvar as florestas, em grandes avanços … A única solução seriam leis e mecanismos coercitivos e de taxação da carne bovina, algo que, infelizmente, a bancada ruralista brasileira jamais deixará que aconteça … Ou seja, mais uma vez chegamos à velha máxima: somente uma educação de qualidade (para formar o chamado voto consciente) e reformas políticas podem alterar o cenário negativo.

  • Concordo plenamente com o comentário apresentado por Bruno Versiani.
    Somente reformas políticas e educacionais adequadas poderão corrigir os rumos da jornada da humanidade… Mas o tempo de que dispomos – supondo que tais reformas sejam prontamente implementadas, a nível planetário (pura utopia) – é tão exíguo, que não sei se ainda vale a pena sonhar.

  • Flávio Togni Ferreira

    Os ruminantes são responsáveis pela eliminação de quantidades razoáveis de gás metano. Porém, não vejo nos debates, nenhum tópico sobre o metano produzido pela floresta amazônica, originado nos processos metabólicos intrínsecos da sua dinâmica.
    Não vejo também, nenhum debate ou esclarecimento acerca do clatrato ou metano octahidratado, cuja maior fonte são os oceanos e mares do planeta. Só para se ter uma idéia, considera-se que haja mais energia estocada na forma de clatrato, que na forma de petróleo.
    Segundo dados extraidos do próprio artigo, existem no planeta cerca de 3,5 bilhões de ruminantes e 1 bilhão de porcos. O autor coloca porcos (monogástricos) e ruminantes (poligástricos) como sendo uma coisa só. E não são.
    A digestão dos monogástricos é, em geral, menos eficiente que a dos ruminates, tendo um poder poluidor maior. E porque só os bovinos?
    Somados os restantes ruminantes no mundo, talvez alcancem a soma total de 4,5 bilhões de indivíduos (estimativa minha). Galinhas e porcos são um caso a parte, e como são criados em grandes feedlots ou CAFO a situação é mais complexa.
    Mas a produção de metano e gás carbônico durante o processo digestório, não se resume aos animais citados acima. Todo ser vivo, homeotérmico é um biodigestor, que produz estes e outros gases e os elimina através de flatulência e arrotos. Em média, uma pessoa normal o faz 14 vezes ao dia.
    A população humana passa de 7 bilhões e todos comem e produzem gases de efeito estufa.
    Além destes, há uma infinidade de outros seres vivos que produzem, pelo menos gás carbônico, nos respectivos processos metabólicos.
    Creio que há necessidade de maiores estudos sobre as dinâmicas envolvidas nestes processos, porque de outra forma logo pedirão a eliminação de parte da humanidade como solução para o aquecimento global.
    E para se ter uma ideia de como o assunto é controverso, o autor cita um estudo ligando a carnitina ao aumento de coleterol. Uma olhada rápida nos trabalhos sobre fisiologia desportiva mostra exatamente o contrário. O uso de L-carnitina como suplemento seria capaz de alterar os níveis de colesterol, aumentando o bom (HDL) e reduzindo o ruim (LDL). A L-carnitina está associada a processos metabólicos de produção de energia que ocorrem naturalmente nas mitocôndrias.

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