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A floresta amazônica não é ilimitada e o tempo para reverter as ações predatórias é cada vez mais curto

 

A floresta amazônica não é ilimitada e o tempo para reverter as ações predatórias é cada vez mais curto

Alerta sobre uma área estratégica – O alerta está no final do livro, e tem uma importância que justifica a sua inclusão entre as principais preocupações da agenda do País: “Contrariamente às opiniões seculares, o espaço amazônico não é ilimitado e o tempo torna-se cada vez mais curto para as decisões que modifiquem o estado atual das dinâmicas predatórias. É preciso fazer da Amazônia um território estratégico. As decisões não podem ser postergadas ou será tarde demais”. É assim que Neli Aparecida de Mello-Théry, professora da Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH) da USP e pesquisadora associada da Universidade de Brasília, conclui Território e Gestão Ambiental na Amazônia: Terras Públicas e os Dilemas do Estado.

De acordo com a definição da autora, o trabalho representa “um esforço de reflexão sobre as políticas territoriais na Amazônia, as dinâmicas que as demandam e os desafios aos quais elas devem responder”, trazendo ao debate dimensões conceituais, políticas e institucionais, entre outras. Para avaliar as dificuldades no trato das questões a que se propõe, Neli adverte que “o Estado brasileiro não consegue manter informações claras e organizadas a respeito da propriedade da terra”. A professora deixa no ar a pergunta incômoda: a que grupos interessam a desinformação, a desordem e a confusão fundiária praticamente consolidada no Brasil?

A autoridade para o questionamento vem das pesquisas que desde 2005 Neli realiza sobre as terras públicas, além de um currículo que inclui passagens pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), pelo Ministério do Meio Ambiente e pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD). Ela é dona, como define no prefácio Wanderley Messias da Costa, docente do Departamento de Geografia e coordenador de Relações Institucionais da USP, de “um olhar atento e rigoroso que há muito contempla e explora a imensa complexidade” da região amazônica.

Licenciamento – O livro é dividido em duas partes. A primeira é mais geral e identifica as relações entre políticas territoriais, meio ambiente e gestão, enquanto a segunda analisa especificamente a Amazônia brasileira – região, aliás, “múltipla” e “diversa”. “Quais são os mundos que conhecemos como Amazônia? Quantas Amazônias existem?”, pergunta a autora. Para Neli, as políticas territoriais precisam deixar de ser reativas, atuando pontualmente em espaços geográficos e regiões, e tornar-se preventivas, antecipando-se às prováveis modificações na organização do espaço. As pressões estão por toda parte e vêm de todos os lados – desde a expansão das áreas destinadas ao cultivo da soja e à pecuária, substituindo a floresta por lavouras e pastagens, até os possíveis efeitos danosos da atração de novas levas de migração como fruto de redivisões de Estados. Neste momento, por sinal, está em pauta o “retalhamento” do Pará.

A assimetria de força entre os atores envolvidos nas questões fundiárias – poder público e grandes produtores, por exemplo – fica clara mesmo quando o Estado consegue instituir mecanismos de controle, como a obrigatoriedade de licenciamento ambiental para empreendimentos com potencial poluidor ou de desmatamento. Os órgãos ambientais dos Estados não conseguem fiscalizar a ocorrência do corte raso e sofrem para aplicar multas, porque, mesmo emitidas, elas são questionadas até a última instância. Apesar dos problemas (“serão estes instrumentos ambientais capazes de enfrentar os desafios da gestão de terras públicas? A verificar…”), Neli defende que “é fundamental persistir no licenciamento em propriedades agrícolas” e reconhece que a proteção de áreas com novas unidades de conservação, estaduais e federais, também avançou nos últimos anos.

Mundo de incertezas – Os desafios que envolvem a Amazônia se renovam a cada dia – especialmente, acentua Neli, porque se trata de uma região de fronteira política e econômica “que padece da ausência do poder de Estado”. Essa ausência se faz sentir “porque se cruza com um patrimônio fundiário público importante, que é abandonado às dinâmicas mais competitivas da incorporação de fronteiras”, sem beneficiar mais igualitariamente a sociedade brasileira. Com toda a sua diversidade natural e social, a região é palco de conflitos ambientais e fundiários.

A professora considera que há “um mundo de incertezas” em relação ao futuro da Amazônia: se mantidos os padrões socialmente excludentes e ambientalmente degradantes dos modelos e processos atuais, é difícil imaginar o que será dela daqui a 50 anos. A única certeza “é a fragilidade da política ambiental”, ao lado do forte poder de ação e de pressão de alguns grupos sociais. Para Neli, conservar a região “é conservar o nosso capital para o futuro”. O patrimônio fundiário em mãos do Estado, defende, deveria ser destinado a cumprir funções específicas de conservação, transformando-se em obstáculo ao avanço da fronteira e à conversão de florestas em pastos ou em monocultura.

A docente diz que valorizar o potencial das áreas legalmente protegidas, sejam terras indígenas, unidades de conservação, terras destinadas à reforma agrária ou outras, é o eixo da possibilidade do País investir num modelo diferente de desenvolvimento. As vertentes iniciais deveriam ser duas: a primeira, determinar no plano de uso as funções de conservação para áreas que atualmente são consideradas como terras arrecadadas. O segundo caminho é a regularização fundiária das unidades de conservação já existentes, especialmente como maneira de garantir a propriedade da terra e a própria função definida de conservação e proteção ambiental.

Outra pergunta lançada pela professora serve de alerta e motivação para o debate sobre a riqueza da Amazônia: “Ora, se o Estado tem em suas mãos quase metade das terras amazônicas, como não se servir desse patrimônio estratégico e de fato aproveitá-lo para o bem das gerações atuais e futuras?”. Com a palavra, a sociedade e seus governantes.

Território e Gestão Ambiental na Amazônia: Terras Públicas e os Dilemas do Estado, de Neli Aparecida de Mello-Théry. Annablume/Fapesp, 200 páginas, R$ 44,00
Território e Gestão Ambiental na Amazônia: Terras Públicas e os Dilemas do Estado, de Neli Aparecida de Mello-Théry. Annablume/Fapesp, 200 páginas, R$ 44,00

Reportagem de Paulo Hebmüller, no Jornal da USP Online, publicada pelo EcoDebate, 01/08/2011

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Alexa

One thought on “A floresta amazônica não é ilimitada e o tempo para reverter as ações predatórias é cada vez mais curto

  • MUITO BOM ESSSE TRABALHO

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