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Multifuncionalidade agrícola: Pesquisa estuda diversificação do uso do espaço agrário

Multifuncionalidade agrícola

Na Faculdade de Zootecnia e Engenharia de Alimentos (FZEA) da USP, em Pirassununga, uma pesquisa coordenada pela professora Fabiana Cunha Viana Leonelli tem o objetivo de analisar as diferentes maneiras de produzir e gerar renda em ambientes rurais, como a multifuncionalidade agrícola. Esse novo modo de pensar o ambiente rural — tradicionalmente associado, no Brasil, à monocultura em grandes propriedades —, repensa a ocupação do espaço agrário, valorizando o produtor e as especificidades locais.


A professora conta que seu interesse pelo assunto vem desde quando trabalhava como analista na Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), onde interagia com realidades agrícolas distintas e via como pequenos produtores ficam à margem do agronegócio. Ela explica que a multifuncionalidade agrícola consiste em utilizar as diferentes possibilidades que o espaço rural pode trazer, explorando os produtos e particularidades locais, que muitas vezes existem com exclusividade na região; e em valorizar o produtor e a pequena produção familiar. Como consequência deste modelo, há manutenção da paisagem e da natureza ao redor e a preservação da organização social. Fabiana diz que o foco está no agricultor — e isso significa não somente diversificar a produção, já que não se aposta na monocultura, mas também agregar outras atividades, como o turismo e a gastronomia.

A manutenção da paisagem representa sustentabilidade sendo posta em prática— assunto muito comentado, mas, segundo Fabiana, com poucas ações efetivas. Sobretudo porque, de acordo com ela, a sustentabilidade é inviável no atual modelo agrícola baseado no latifúndio monocultor. Ela cita como exemplo iniciativas no sul de Minas Gerais, onde pequenas e médias propriedades promovem turismo em lugares como hotéis fazenda, providos de gêneros produzidos localmente, o que dá autenticidade ao local e preserva um estilo de vida ao mesmo tempo benéfico ao produtor e a quem procura descanso e qualidade.

Qualidade é também a premissa sobre a qual se baseia o slow food, movimento de âmbito mundial que procura, por meio da gastronomia, resgatar o valor da produção e dos alimentos, recuperando sabores regionais. Fabiana diz que isso é reflexo de “uma preocupação das pessoas com o que se come e como se obtêm a comida”.

No Brasil, a multifuncionalidade agrícola está presente em poucos lugares como o Vale dos Vinhedos (RS), e algumas produções de café e queijo na Serra da Canastra, em Minas Gerais. Porém, em países europeus a prática é incentivada pela Política Agrícola Comum, difundida em países como França, Alemanha, Portugal, Espanha e Itália, o que justifica os subsídios governamentais para a agricultura. Fabiana explica que o modelo agrícola adotado lá reflete a opção pela manutenção de uma estrutura social: “Se estas pessoas saíssem do lugar onde vivem e trabalhassem para cidades maiores, encontrariam subemprego e uma qualidade de vida pior”, sem contar que, segundo ela, acabar com este tipo de produção e promover a mudança deste produtor para a cidade levaria a um desequílibrio na distribuição da população, tradicionalmente heterogênea na Europa, e na ocupação do território.

São Carlos
O projeto de Fabiana ainda está em fase embrionária. Ele foi pensado usando como exemplo uma pesquisa feita em São Carlos no início dos anos 2000, para a elaboração do plano diretor da cidade. Na época, a ideia foi inserir o plano da área rural no plano urbano, onde a proliferação de condomínios residenciais verticais cria vazios de ocupação, “verdadeiras ilhas de prosperidade espalhadas num espaço maciço não organizado”. Foram pensadas atividades rurais relacionadas à política municipal, o que significou agregar serviços do espaço rural, destinando, por exemplo, parte da produção para merenda escolar e, em nível local, pensar no entorno rural. Atualmente, a professora está em contato com a Secretaria Municipal de São Carlos para saber o andamento do projeto que servirá de base para o atual.

Nesta nova iniciativa, ela conta com apoio de profissionais de outras áreas, até mesmo porque a multifuncionalidade precisa ser pensada amplamente. Estão envolvidos no projeto o professor Antonio Cozella, da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), a professora Kelen Christina Leite, da área de ciências sociais da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) e Roberta Sá, coordenadora do Slow Food Cerrado.

A professora explica que, para funcionar a multifuncionalidade precisa ser pensada conjuntamente, em uma parceria entre poder público, institutos de pesquisa, iniciativa privada e produtores locais. Ela diz ainda que é necessário entender e respeitar as diversidades regionais, e por isso não pode ser pensada como política pública para todo o país. Fabiana ressalta a sustentabilidade presente nesta maneira diferente de utilizar o espaço rural, capaz de, segundo ela, “localmente mudar a realidade”.

Imagem: Marcos Santos

Reportagem de Camila Camilo, do USP Online, publicada pelo EcoDebate, 07/07/2010

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