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Desastres Climáticos: O aviso das águas, artigo de Washington Novaes

enchente

[O Popular] No momento em que estas linhas são escritas, chove torrencialmente em Goiânia – fato inédito neste período nos quase 30 anos em que o autor vive em Goiás. Ao mesmo tempo, jornais e a televisão povoam-se de notícias sobre “desastres climáticos” que colocam boa parte do Nordeste e de cidades amazônicas sob água, enquanto no Sul do País agricultores familiares bloqueiam estradas para pedir anistia de dívidas, já que perderam suas safras por causa da seca também inédita.

De fora do Brasil, chega a notícia do balanço do Fórum Humanitário Global, de que os “desastres climáticos” (inundações, secas, furacões etc.) já estão matando 315 mil pessoas por ano, entre as 325 milhões de vítimas no mundo, e deixando prejuízos na casa das centenas de bilhões de dólares. A previsão é de que as mortes cheguem a 500 mil por ano até 2030 e o total de vítimas dobre para 10% da população mundial (mais de 600 milhões de pessoas). “É o maior desafio do nosso tempo”, diz o ex-secretário geral da ONU, que o define como um dos dois problemas que “ameaçam a sobrevivência da espécie humana” (o outro é o consumo de recursos naturais já quase 30% além da capacidade de reposição do Planeta).

Não por acaso, reúnem-se nesta semana em Bonn, Alemanha, delegados de 182 países, para discutir os primeiros “rascunhos” do tratado que pretendem aprovar em dezembro, em Copenhague, na reunião da Convenção do Clima que tentará homologar um texto que substitua o Protocolo de Kyoto. Tarefa difícil, que precisará estabelecer reduções drásticas nas emissões de gases que intensificam o efeito estufa e os desastres. Também ações de adaptação às mudanças já em curso, de mitigação dos desastres, tecnologias necessárias, modos de transferi-las para os países mais pobres, formatos capazes de reduzir as emissões pelo desmatamento e mudanças no uso do solo pela agricultura.

Um desses itens, quase esquecido entre nós – a adaptação a mudanças já em curso -, precisa merecer especial atenção no Brasil e em Goiás: já tratado algumas vezes neste espaço, é o do rompimento de barragens, pontes, canalizações, trechos de rodovias, que se repete a cada ano com maior gravidade na estação das chuvas. E que mostra a necessidade urgente de rever padrões de construção, concebidos em tempos nos quais eram outros os formatos de chuvas – não a queda de volumes imensos de água em poucas horas, como hoje. Segundo Rogério Menescal, da Agência Nacional de Águas (Folha de S. Paulo, 30/5), 200 barragens no Brasil correm risco de rompimento, de acordo com o mapeamento por satélite de 7 mil delas com reservatórios de mais de 20 hectares (sem manutenção e fiscalização), que ele iniciou no Ministério da Integração Nacional em 2004, mas foi interrompido. “É grave a situação”, confirma Edilberto Maurer, da Comissão Nacional de Barragens, lembrando que não há sequer legislação que regulamente a matéria, embora a cada ano os desastres se sucedam (inclusive em Goiás, onde o caso mais grave foi no Sudoeste do Estado).

Este ano, para ficar só nos episódios mais recentes, têm-se os casos da barragem Algodões 1, no Piauí, e de 11 barragens sucessivas no município de Altamira, no Pará. Na primeira, uma chuva de 149 milímetros em poucas horas (quando a previsão anual para a região é de 700 milímetros e a do mês 140 milímetros), agravada pelo volume liberado por barragens a montante, rompeu uma parede de concreto que permitia a acumulação de 58 milhões de metros cúbicos de água (e que há anos apresentava seis fissuras e recebia injeções de concreto). A população mais próxima, 3 mil pessoas, havia sido evacuada alguns dias antes mas recebera autorização de retornar quando se julgara que o perigo havia passado com novas injeções. Mas formou-se uma onde de 20 metros de altura e em poucos minutos 10 milhões de metros cúbicos de água atingiram uma área imensa. “Não existe uma obra no mundo que suporte uma pressão como a dessas chuvas”, disse o governador Wellington Dias, que autorizara (contrariando parecer do Corpo de Bombeiros) o retorno da população. “O aquecimento global e as mudanças climáticas são responsáveis pelo desastre”, disse ele.

Já em Altamira, no Pará, 11 barragens sucessivas romperam-se e atingiram mais de 5 mil pessoas, embora não fosse o período de maior intensidade de chuvas na região, como observa o combativo jornalista paraense Lúcio Flávio Pinto. Trata-se de barragens construídas no Igarapé Altamira por agricultores que ali se instalaram quando da construção da Rodovia Transamazônica. Mas não foram capazes de prever que em alguma época caísse em poucas horas uma chuva de 200 milímetros (200 litros de água por metro quadrado de solo). O drama só não foi ainda mais grave porque não começou a implantação da polêmica usina de Belo Monte, no Rio Xingu, que, com seu reservatório de 400 quilômetros quadrados, nos períodos de cheia represará água nos igarapés.

Diante de fatos tão contundentes, é preciso repetir e repetir: temos de redefinir, nos órgãos científicos e empresariais, os padrões de construção de modo geral (barragens, pontes, aterros, rodovias, etc.) Começar a pensar também – sem alarmismo, mas sem descaso – nos padrões urbanos, porque as chuvas mais intensas, atraídas pelas “ilhas de calor”, caem exatamente sobre as cidades. E providenciar sem perda de tempo uma revisão minuciosa, criteriosa, do que está implantado. Avisos e advertências é que não faltam.

Washington Novaes é jornalista

* Artigo originalmente publicado no O Popular, GO.

[EcoDebate, 05/06/2009]

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