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Mudança climática acelerada e a urgência de um novo paradigma civilizacional

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O rápido aumento das temperaturas no mundo deverá ter um efeito devastador sobre os cultivos agrícolas nas zonas tropicais e subtropicais até o fim deste século. Produtos primários, como o milho e o trigo, por exemplo, poderão sofrer reduções de 20% a 40%, indica estudo da revista Science. A escassez de alimentos poderá atingir cerca de 3 bilhões de pessoas no mundo, especialmente as mais pobres.

Eventos extremos, como a onda de calor que matou milhares de pessoas na Europa em 2003, poderão se tornar norma em muitos lugares do mundo, com impactos severos sobre a produção de alimentos e a qualidade de vida das pessoas. Ou seja, dentro de alguns anos, o calor extremo pode virar regra.

Outro estudo, desenvolvido pela Universidade Federal de Minas Gerais, refere-se particularmente aos impactos do aquecimento global na agricultura no nordeste do Brasil. De acordo com o professor Ricardo Ruiz, um dos pesquisadores envolvidos no estudo, as mudanças climáticas, caso ocorrerem, poderão provocar uma redução de até 11% no PIB nordestino. O estudo aponta para uma nova geografia brasileira, com impactos sobre a produção agrícola. O que terá consequências sobre a migração interna.

Além disso, duas entrevistas revelam outros aspectos preocupantes e que podem ter uma relação direta com o aquecimento global: o desmatamento da Amazônia e o degelo do Ártico. “Destruir a Amazônia para avançar a fronteira agrícola é dar um tiro no pé do agronegócio”, alerta o agrônomo Antonio Nobre, 50 anos, 22 deles vividos na Amazônia. Isso porque a “Amazônia é uma bomba hidrológica gigantesca que traz a umidade do Oceano Atlântico para dentro do continente e garante que a região responsável por 70% do PIB da América do Sul seja irrigada”, continua. “Está se descobrindo que a floresta é dez vezes mais importante do que se imaginava”, conclui ele.

Antonio Nobre, irmão do climatologista Carlos Nobre, explica como chuvas, ventos, oceanos e florestas estão interligados e por que alterar este equilíbrio pode trazer danos irreversíveis à vida. Por conta dessa interligação, em caso de desaparecimento da Amazônia, o sudeste e o sul podem virar deserto. “O crescimento sem controle do agronegócio está danificando o funcionamento hidrológico da América do Sul”, adverte Antonio Nobre.

Mas, é no Ártico onde a mudança climática será mais perceptível. “Em comparação com o resto do Planeta, o Ártico é a via rápida para as consequências das alterações climáticas”, afirma o geógrafo Mark Serreze, em entrevista especial para a IHU On-Line. Na entrevista, Serreze explicou qual a situação do Ártico e da Antártida hoje, além de falar sobre como o aquecimento global está atingindo o pólo norte e que consequências isso gera para o Planeta. “A cobertura do gelo marinho funciona como uma barreira, um isolante, entre a atmosfera quente e o frio bastante intenso abaixo do oceano de gelo. Quando perdemos essa cobertura de gelo sobre o mar, perdemos o isolador. Com isso, o oceano começa o bombeamento de calor na atmosfera, contribuindo para o aquecimento do Planeta”, relatou ele.

Os cientistas estão alarmados com o fato de que o degelo do Ártico se dá num processo mais acelerado do que o previsto até aqui.

Urgência de um novo paradigma civilizacional

Um vasto e rico material publicado nas Notícias do Dia reflete sobre a necessidade de um novo paradigma civilizacional. A atual crise não é meramente conjuntural, mas de proporções bem mais profundas e radicais. “Precisamos de um novo paradigma civilizacional porque o atual chegou ao seu fim e exauriu suas possibilidades”, defende Leonardo Boff. “A busca de um novo paradigma civilizatório é condição de nossa sobrevivência como espécie”, prossegue ele.

Na linha da nossa análise do final do ano, quando apontávamos para a existência de quatro grandes crises – econômica, energética, alimentar e climática – Boff assume-as, mas as divide em crises conjunturais (a econômica e a alimentar) e estruturais (a energética e a climática). E enfatiza que as estruturais merecem uma atenção maior.

“A crise ambiental é fundamentalmente a crise de um modo de produção”, define o economista Flávio Tayra na sua entrevista à IHU On-Line. “Parece cada dia mais claro que estamos próximos do limite da lógica de exploração econômica desmesurada, sem preocupação com a sustentabilidade dos recursos”, completa Tayra.

Flávio Tayra, assim como Jeremy Rifkin e ao contrário da indiana Vandana Shiva, que se mostra mais cética, acredita que as tecnologias podem contribuir para encontrar saídas para a crise. Ele entende a técnica na linha do historiador Lewis Munford, para quem “a técnica existe como um elemento da cultura humana, que promove o bem ou o mal, segundo os que a exploram programem. A máquina em si não tem exigências ou fins. É o espírito humano que possui exigências e estabelece as suas finalidades. A tecnologia pode ser tanto boa quanto má”, defende Tayra.

“O que precisa ser incorporado, de imediato, num novo padrão de desenvolvimento capitalista é a percepção da finitude dos recursos e a necessidade de direcionamento de pesquisas para que sejam encontradas soluções mais sustentáveis (…) É preciso tornar fontes alternativas de energia, como a eólica e a solar, mais atraentes economicamente, bem como aproveitar os recursos naturais de maneira mais saudável (os famosos 3Rs: reduzir, reutilizar, reciclar). Para isso vai ser preciso o desenvolvimento de novas técnicas”, acredita Tayra. Ou seja, junto com outros, Rifkin, Washington Novaes, entre outros, ele defende alternativas energéticas mais limpas e renováveis.

Contudo, eles não ignoram o papel exercido pela ciência, mais especificamente, da tecnologia, sobre o paradigma da modernidade. “Foram os processos de produção e consumo orientadores do sistema de desenvolvimento dominante, e a ideia de progresso como sinônimo de crescimento econômico, que levaram o planeta a uma situação na qual pode ser gerada uma alteração irreversível no clima, com conseqüências físicas, econômicas e sociais catastróficas para todos os países”, escreve Heitor Scalambrini Costa, da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).

Tanto para Costa, como para Boff, os limites do capital são os limites da Terra. “Já encostamos nestes limites tanto da Terra quanto do capitalismo. A continuar seremos destruídos por Gaia”, vaticina Boff.

Em outra linguagem, Boff aponta para o fato de que hoje toda a criação está oprimida e não mais apenas os povos. “Todos estão oprimidos hoje. Oprimidos por um paradigma que nos obriga a consumir, a produzir e a oprimir os demais”, afirma o teólogo. Hoje, prossegue Boff, “não só os povos gritam, as águas gritam, as florestas, os animais, a Terra grita, porque são todos oprimidos. Solos são devastados, os ares poluídos. O planeta é agredido de todas as formas”. Dentro deste contexto, o projeto de libertação é planetário.

À luz deste horizonte mais amplo e profundo, que coloca enormes desafios e urgências, sugerimos analisar as questões relativas à política energética e ambiental do Governo Lula.

(Ecodebate, 07/02/2009) publicado pelo IHU On-line, 04/02/2009 [IHU On-line é publicado pelo Instituto Humanitas Unisinos – IHU, da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos, em São Leopoldo, RS.]

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