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Tecnologias alternativas trazem opções contra a crise do saneamento básico

tratamento de esgoto
Dos 9.848 distritos brasileiros, 42% tinham rede coletora de esgotos, mas apenas 14% contavam com estações de tratamento e só 118 realizavam a desinfecção dos esgotos

O Brasil enfrenta hoje uma crise na área de saneamento básico, sobretudo em relação à coleta e ao tratamento dos esgotos. Embora capazes de remover materiais orgânicos e agentes causadores de doenças, as tecnologias convencionais utilizadas no manejo dos esgotos têm limitações econômicas, sociais e ambientais. Por isso, para complementar essas tecnologias convencionais (e não para substituí-las), deve-se incentivar o estudo e o uso de tecnologias sociais e ecológicas, que não só ajudariam a resolver o problema do destino dos esgotos, mas também possibilitariam a criação de emprego e renda. Essas constatações e sugestões fazem parte da dissertação de mestrado do geógrafo Alexandre Ribeiro Fonseca, defendida na Escola Nacional de Saúde Pública (Ensp) da Fiocruz.

Durante a pesquisa, Fonseca analisou dados do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (Sinis) e verificou que, nos primeiros anos do século 21, o abastecimento de água já atingia 96,3% do Brasil, enquanto a coleta de esgotos alcançava apenas 47,9%. Para a universalização dos serviços de água e esgotos no país, isto é, para que todos os brasileiros tivessem acesso a esses serviços, seriam necessários investimentos de R$ 111 milhões entre 2000 e 2020, segundo uma pesquisa elaborada para o Programa de Modernização do Setor Saneamento (PMSS). No entanto, se a evolução dos indicadores de saneamento mantiver o ritmo atual, essa universalização não ocorrerá antes do ano de 2122, de acordo com um estudo recente da Fundação Getúlio Vargas (FGV).

Falta de saneamento causa 700 mil internações por ano

Nessa análise do cenário brasileiro atual e futuro, é preciso também levar em conta que a expressão “coleta de esgotos” é genérica e ambígua: o fato de haver coleta não significa que existe tratamento dos esgotos. “A coleta é necessária, mas somente com o efetivo tratamento dos esgotos é possível garantir a promoção da qualidade de vida”, afirma Fonseca. “A mera existência de cobertura por coleta de esgotos não necessariamente proporciona uma melhoria real nas condições de saúde e ambientais”.

Os números da Pesquisa Nacional de Saneamento Básico (PNSB/IBGE, 2000) demonstram o problema: dos 9.848 distritos brasileiros, 42% tinham rede coletora de esgotos, mas apenas 14% contavam com estações de tratamento e só 118 realizavam a desinfecção dos esgotos. “Isso quer dizer que, na maioria dos distritos, o esgoto é escoado na natureza sem tratamento e vai parar nos canais fluviais e na rede de águas pluviais”, diz o geógrafo, destacando as consequências para a saúde da população. “Estudos do Ministério da Saúde mostram que cerca de 700 mil internações hospitalares são provocadas, anualmente, por doenças relacionadas à ausência ou à insuficiência de saneamento básico”.

Atualmente, os serviços de tratamento de esgotos são prestados por associações comunitárias, governos municipais, municípios assistidos pela Fundação Nacional de Saúde (Funasa), companhias estaduais de saneamento básico e empresas concessionárias privadas. Na prestação desses serviços, predominam as tecnologias convencionais, que cumprem um papel importante na proteção da saúde pública e do meio ambiente. “Entretanto, os sistemas de tratamento de esgotos que utilizam tecnologias convencionais têm aspectos que podem ser questionáveis”, pondera Fonseca, que fez mestrado no Programa de Pós-Graduação em Saúde Pública e Meio Ambiente da Ensp, sob orientação da professora Simone Cynamon.

Essas tecnologias convencionais, como membranas e oxidação química, são orientadas pelo mercado externo de alta renda, no qual se inserem as grandes empresas dos países desenvolvidos. Suas características incluem redução de mão-de-obra, baixa participação social e uso de insumos sintéticos. Diante dessas limitações, Fonseca propõe o incentivo às tecnologias sociais e ecológicas, que poderiam ser empregadas por famílias e pequenas comunidades. Para esses grupos, essas tecnologias alternativas representariam a garantia de sua segurança sanitária e, ao mesmo tempo, a geração de emprego, renda e inclusão social.

Biodigestores e filtros com plantas aquáticas: alternativas

“As tecnologias sociais e ecológicas para tratamento de esgotos domésticos se caracterizam por três princípios fundamentais: prevenir a contaminação em vez de controlar os prejuízos depois de contaminar; converter a excreta humana em material seguro; e reusar na agricultura e na aqüicultura os produtos seguros da excreta humana saneada”, explica Fonseca. Essa abordagem vem sendo desenvolvida em vários países, como Holanda, Suíça e Alemanha, com o nome de ecological sanitation. No Brasil, ela ainda é pouca difundida, mas já existem algumas experiências, como as da organização não-governamental O Instituto Ambiental (OIA).

Esta organização mantém um projeto-piloto de saneamento ecológico na comunidade do Alto Caxixe, no município de Venda Nova dos Emigrantes (ES), com o apoio do programa Petrobras Ambiental. O objetivo é desenvolver técnicas alternativas e biológicas de tratamento de esgotos residenciais por meio de vários componentes naturais, como biodigestores, filtros com plantas aquáticas e tanques de oxidação associados ao manejo de piscicultura, avicultura e agricultura.

Ainda não há dados sistematizados para ilustrar os ganhos obtidos com esses modelos ecológicos. Contudo, observa-se que, com a implantação desses modelos, os esgotos da comunidade, em vez de serem lançados no meio ambiente e virarem fonte de doenças, são tratados por um sistema que combina elementos naturais e artesanais, empregando mão-de-obra local. Após o tratamento, o que era esgoto se transforma em adubo, ração ou água para a irrigação.

Os alimentos assim produzidos servem para abastecer a própria comunidade ou são comercializados. “Dessa forma, é possível criar novas fontes de renda para a população e, conseqüentemente, mais pessoas poderiam pagar, inclusive, pelos serviços de tratamento de esgotos, garantindo sustentabilidade para o sistema”, defende Fonseca. “Enquanto isso, porém, o modelo convencional mantém grande parte dos potenciais usuários excluídos do acesso aos serviços de saneamento”.

* Matéria de Fernanda Marques, da Agência Fiocruz de Notícias, publicada pelo Ecodebate, 06/02/2009.

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