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Os impactos de uma política energética contraditória

O conflito entre os ministérios da Agricultura e do Meio Ambiente, como já vimos fartamente, não é o único a mostrar a contradição existente no Governo Lula. A este se soma outro, não menos importante, que opõe as estratégias da área ambiental do governo e do setor elétrico. Note-se que a questão ambiental está presente em ambos.

De acordo com o Plano Decenal de Energia (PDE), em consulta pública de 23 de dezembro até 30 de janeiro, o volume de emissões de CO2 no setor elétrico passaria dos atuais 14 milhões de toneladas por ano para cerca de 39 milhões em 2017, um aumento de 172% em relação ao valor das emissões de 2008. Mas, como há a possibilidade de atrasos nas obras de algumas das hidrelétricas previstas no Plano, as emissões de CO2 poderiam chegar a 75 milhões de toneladas anuais em 2017.

O plano prevê a necessidade de expandir a capacidade instalada dos atuais 99,7 mil para 154,7 mil megawatts (MW) de energia e garante que isso será suficiente para afastar o risco de déficit no abastecimento, ou seja, um novo “apagão”, tão temido pelo governo e pelos empresários, devido ao impacto sobre o crescimento econômico que teria.

Para atender ao crescimento da demanda, será necessário acrescentar 82 termelétricas ao sistema interligado – 41 movidas a óleo combustível, 20 a diesel, 8 a gás natural, 7 a biocombustíveis e 4 a carvão. Elas deverão gerar 13.685 MW, excluindo a usina nuclear de Angra 3, segundo a Empresa de Pesquisa Energética (EPE), estatal do Ministério de Minas e Energia encarregada de planejar o setor. A maior parte das térmicas, um total de 55, deve ser instalada no Nordeste. A segunda região que mais receberá esse tipo de usinas será o Sudeste, que deve ganhar 20 delas.

Além disso, estão planejadas mais 71 hidrelétricas, 11 a menos que as termelétricas. Dessa maneira, a participação da fonte hídrica na matriz elétrica nacional cairá de 85,9% no início de 2008 para 75,9% em 2017, mesmo com a entrada em funcionamento das usinas do Rio Madeira (Santo Antônio e Jirau) e de Belo Monte.

Ou seja, o Brasil está substituindo energia mais limpa por energia mais poluente – que contribui para o aquecimento global –, colocando-se na contramão da história, quando há hoje pressão mundial pela produção de energia sempre mais limpa. As emissões brasileiras de gases do efeito estufa a partir da geração de energia elétrica vão praticamente triplicar nos próximos dez anos. “Estamos na contramão da Europa e do que deverá acontecer nos Estados Unidos com a posse do Barack Obama”, disse Marina da Silva, ex-ministra do Meio Ambiente. “Entramos na contramão da história e vamos aumentar a emissão de gases-estufa desnecessariamente”, enfatiza Luiz Pinguelli Rosa, diretor da Coppe-UFRJ (Coordenação dos Programas de Pós-Graduação em Engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro).

Marina da Silva atribui o crescimento da produção de energia por fontes mais poluentes a falhas no planejamento do setor elétrico. Segundo ela, metade dos projetos de hidrelétricas listados no plano decenal não tem estudos de viabilidade técnica e econômica (EVTE) e “alguns sequer estão inventariados”. E alerta para que não se transforme o meio ambiente em bode expiatório, culpando-o pelo aumento das termelétricas.

Para o governo, as usinas térmicas se justificam em razão da crescente oposição às grandes hidrelétricas, menos poluentes. Entretanto, essa linha de argumentação ignora que as hidrelétricas causem impactos ambientais e sociais e a existência de alternativas.

Grandes usinas hidrelétricas projetadas para a região amazônica podem provocar enormes impactos ambientais. É o caso, particularmente, de três delas: Estreito, que está em construção no rio Tocantins (entre Tocantins e Maranhão); Belo Monte, no rio Xingu (Pará), e Marabá, também no rio Tocantins (Pará). Dos 71 projetos de hidrelétricas, 11 interferem diretamente sobre unidades de conservação – áreas importantes ambientalmente como parques nacionais ou estações ecológicas, entre outras.

Além disso, não se pode esquecer dos impactos sociais, que, segundo a análise socioambeintal, devem afetar cerca de 90.000 pessoas. O Ministério das Minas e Energia, entretanto, alega que a energia criará mais de 170.000 postos de trabalho nas diversas regiões do país.

As fontes hidro e termo-elétricas não são as únicas. Um plano energético voltado para o futuro deveria centrar fogo na produção de energias mais limpas e renováveis, como a eólica e a solar, apesar de todas as resistências que se opõem a elas. Como disse a Marina Silva, “se for para o Brasil ir pelo caminho mais fácil, não precisa do plano [de Mudanças Climáticas]”. Dessa maneira, o Brasil tiraria vantagem dos abundantes recursos naturais de que dispõe.

Mas não, além disso, prossegue firme no seu plano de construção de mais quatro usinas nucleares, disputadas pelo Nordeste e pelo Sudeste. As usinas serão construídas pela União a partir de 2012 e deverão ficar prontas cinco anos depois. Cada usina é estimada em cerca de R$ 10 bilhões e produzirá 1.000 megawatts (MW).

Concomitantemente, o Brasil passou a enriquecer urânio em território nacional, uma tecnologia que poucos países dominam. A consolidação da produção, que se dará apenas por volta de 2014, poderá resultar em economia de cerca de US$ 100 milhões anuais para o Brasil, que importa os serviços de enriquecimento para abastecer Angra 1 e 2, que consomem o equivalente a 400 toneladas anuais de urânio concentrado.

(Ecodebate, 06/02/2009) publicado pelo IHU On-line, 04/02/2009 [IHU On-line é publicado pelo Instituto Humanitas Unisinos – IHU, da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos, em São Leopoldo, RS.]

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