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‘Ou Minc não entendeu nada ou não foi correto’, afirma Stephanes

Tratado como vilão por ambientalistas, o ministro da Agricultura, Reinhold Stephanes, diz não se incomodar com críticas, mas admite estar ressentido com o ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc. Segundo ele, o colega teria o hábito de combinar uma coisa em reuniões e anunciar outra à imprensa para prejudicá-lo.

Deputado licenciado pelo PMDB, Stephanes avisa que insistirá na pressão por mudanças no Código Florestal e diz que seus técnicos são mais qualificados para preservar o verde do que os de Minc, que o chamou de porta-voz dos ruralistas: “Tenho mais doutores em meio ambiente que o Ministério do Meio Ambiente”, diz ele, ministro da Previdência nos governos Itamar Franco e Fernando Henrique Cardoso.

A entrevista é de Bernardo Mello Franco, Eliane Oliveira e Francisco Leali e publicada pelo jornal O Globo, 25-01-2009.

Eis a entrevista.

O senhor tem insistido na revisão de leis ambientais, como o Código Florestal. Por quê?

Existem coisas feitas de forma correta, por especialistas. E existem coisas que foram feitas por razões político-ideológicas, e até por falta de conhecimento. Se não se alterar o Código Florestal, e por sorte nossa ele não está sendo aplicado, um milhão de pequenos agricultores terão a sua propriedade inviabilizada. Terão que deixar de produzir, que abandonar a propriedade. Ao pé da letra, você tem hoje três milhões de agricultores fora da lei.

Na sua avaliação, a lei impõe restrições demais?

Há propriedades que já estão no limite da economicidade. Se você tira mais 20%, elas acabam. Quem redigiu não sabia disso. Eles imaginaram que o Brasil era uma planície única, que os topos de morros não existiam, que os rios eram retos. Às vezes, o rio serpenteia e o agricultor perde a metade da propriedade. Se a sociedade decidir assim (não mudar o Código), tenho que achar uma solução para esse milhão de produtores.

Esse assunto está criando um abismo entre agricultura e meio ambiente. Há chance de entendimento?

Não gosto de falar em meio ambiente versus agricultura, porque quando vou discutir levo o meu pessoal de meio ambiente. Tenho mais doutores e pós-doutores em meio ambiente que o Ministério do Meio Ambiente. Uma coisa são os ambientalistas, que não têm necessariamente a formação ambiental. Outra são as pessoas efetivamente graduadas, como as da Embrapa.

Para os ambientalistas, reduzir a reserva legal na Amazônia é assinar a sentença de morte da floresta.

A grande tese que defendo é desmatamento zero na Amazônia, com aproveitamento das áreas consolidadas e recuperação das áreas degradadas com reflorestamento comercial. Tem que haver uma atividade econômica, se não o sujeito não recupera. Se eu chamo o proprietário e digo que tem que recuperar 80%, ele abandona a terra e vai embora. Já mostrei essas áreas degradadas ao presidente Lula, e o ministro Minc estava junto. A vantagem é que eu vou ao local. Um senador disse que fui o único ministro que entrou de frente, e não de costas. O que ele quis dizer é que eles vão de manhã e voltam à tarde. Eu fui lá e fiquei uma semana, no sul do Pará. Conheço a Amazônia desde a época em que fui abrir picadas da Transamazônica.

Por que sua relação com o ministro Carlos Minc está tão ruim?

Eu confesso que não entendo. Defendo essa tese do desmatamento zero desde o meu primeiro dia aqui. Mas quando eu levantei a questão das áreas consolidadas do Centro-Sul, o Minc disse: “O ministro defende 50% de desmatamento na Amazônia”. Ou ele não entendeu nada ou não foi correto comigo. Então, a partir dessa frase dele, não adiantava mais eu dialogar.

O senhor acha que virou vilão nessa disputa?

Não virei, ao contrário. Quanto mais estão batendo em mim, mais está melhorando a minha posição perante os agricultores. E não é com os grandes. As cartas de apoio que eu recebo vêm de Santa Catarina, do Paraná, do Rio Grande do Sul. Posso ficar pior perante as ONGs, apesar de que elas não têm me criticado muito. A questão é tão absurda! O Rio Iguaçu é um esgoto a céu aberto no meio de Curitiba, e não acontece nada. A 50 quilômetros de lá, tem uma cidadezinha chamada Porto Amazonas, onde passa o rio. Três cabeças de gado de um agricultor romperam a cerca e beberam a água do Iguaçu. Ele foi multado e perdeu as três cabeças de gado. Ainda bem que ele perdeu, porque elas iam morrer envenenadas. Agora todos os agricultores da cidade estão apavorados.

O senhor citou um episódio em que achou que o ministro Minc não entendeu o que o senhor estava falando…

(Interrompendo) Acho que ele entendeu. Mas usou como estratégia.

Mas ele disse em entrevista que as discussões com o senhor eram combinadas. É verdade?

O diálogo com o Minc começou muito bem. A gente topou fazer uma reunião por semana, até que numa delas se apresentou uma proposta de prisão de três anos para o agricultor que não recompusesse a reserva legal. Depois ele disse: “Poxa, eu não tinha lido”. Aí não dá mais para conversar, né? Depois tivemos outra reunião e, no dia seguinte, as manchetes explodem dizendo que o ministro da Agricultura está defendendo os desmatadores brasileiros. Aí eu não entendi mais nada. Não é o meu nível de conversa. Esse jogo não foi combinado.

O diálogo ficou impossível?

Preciso readquirir a confiança. Eu procuro ser técnico e profissional. Posso até não estar certo, mas não tomo nenhuma decisão sem conversar com os técnicos da Embrapa formados em meio ambiente. Eu não tomo decisões sobre o que eu acho. Agora, ele é mais midiático. Então é um negócio mais complicado.

Ele já afirmou que o senhor não pode agir como porta-voz dos ruralistas.

Depende do que você chama de ruralistas. Todos sabem que eu não converso com o Ronaldo Caiado. O Valdir Colatto, que é presidente (da frente ruralista), eu fiquei dois meses sem receber. Não aceito isso. Nós temos que ter independentes. Agora, os deputados ruralistas, produtores, sindicatos e associações estão pedindo que eu lidere um movimento. Está-se criando um movimento nacional pela mudança da legislação que eu não quero liderar.

(Ecodebate, 26/01/2009) publicado pelo IHU On-line, 25/01/2009 [IHU On-line é publicado pelo Instituto Humanitas Unisinos – IHU, da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos, em São Leopoldo, RS.]

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