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Editorial

Floresta Zero: Não há surpresa no fracasso das negociações sobre Código Florestal, por Henrique Cortez

Queimada no Cerrado, em foto de arquivo MMA
Queimada no Cerrado, em foto de arquivo MMA

[EcoDebate] Ninguém dos movimentos sociais e ambientais se surpreendeu com o fracasso das “negociações” sobre o Código Florestal, simplesmente porque já estava mais do que evidente que o ministro Stephanes, a bancada ruralista e os seus dirigentes de classe apenas estavam ganhando tempo, fazendo de conta que estavam negociando.

O ministro Stephanes e os ruralistas sabem o poder econômico e político que tem e, em razão disto, nada querem negociar. Nem precisam. Contam com o total e irrestrito apoio do governo e com uma poderosa e articulada bancada no Congresso.

Encerradas as negociações, levarão o debate ao Congresso Nacional porque sabem que aprovam o que bem entender, sem maiores problemas.

Os movimentos sociais e ambientais, por outro lado, até agora, não conseguiram se articular de forma minimamente coordenada e, nem de longe, contam com uma bancada parlamentar de sustentação.

O poder desta bancada é de tal monta que a revisão do índice de produtividade, marco essencial para a desapropriação de terras, para fins de reforma agrária, foi engavetada. Com a desculpa de que, diante da crise internacional, isto poderia prejudicar a agricultura, o governo que, desde 2003, vem protelando a decisão, agora, decidiu não decidir.

Nessas condições, a alteração do Código Florestal, de acordo com a vontade dos ruralistas e sua bancada, já é “jogo jogado“.

A segunda questão, que permanece em discussão, é a permanente acusação, por parte da agricultura e do setor elétrico, de traição à pátria por parte dos movimentos sociais e ONGs ambientalistas.

Estes segmentos, sempre que podem e querem, acusam os movimentos sociais e ONGs ambientalistas de serem contrários ao desenvolvimento do país.

Já não bastasse a permanente tentativa de criminalização dos movimentos sociais, agora somos acusados crimes de lesa pátria, de defender interesses contrários aos interesses nacionais.

Segundo Stephanes “O Brasil é o país mais ecológico do Universo. O lugar das ONGs é na Holanda, na Alemanha…

A estocada contra os ambientalistas fica evidente, de acordo com O Globo, quando, indignado por ter sido tratado como “líder dos ruralistas”, o ministro Reinhold Stephanes (Agricultura) responde ao colega Carlos Minc (Meio Ambiente): “O ministro Carlos Minc não tem nenhum trabalho técnico para contestar os mapas da Embrapa. Logo, continua no discurso. Os agricultores que ele critica são brasileiros e estão produzindo. Os liderados do ministro Minc são, normalmente, orientados por ONGs estrangeiras que defendem interesses internacionais, não necessariamente os nossos na área ambiental”.

Um rápido e curto pensamento com várias distorções. A primeira é que, de fato, o ministro Stephanes é, de fato, o “líder dos ruralistas”; a segunda é que não fala em nome da agricultura, mas do agronegócio exportador, porque milhares de pequenos agricultores nada tem com isto e nem são atendidos/defendidos pelo ministro.

Não por outra razão, para a safra 2008/09, o governo destinou R$65 bi para agronegócio e R$13 bi para agricultura familiar, responsável por mais de 60% do atendimento ao mercado interno. Ou seja, quem coloca a comida na nossa mesa é a agricultura familiar.

A terceira distorção está em arvorar-se em patriota e usar o patriotismo como argumento. É o raciocínio de que se ele e os ruralistas são brasileiros, patriotas e defendem os interesses nacionais, todos os opositores deste este modelo equivocado de desenvolvimento não são brasileiros, não são patriotas e defendem os interesses contrários ao país. É uma lógica torta e perversa.

Mas, sempre existe um mas, vejamos a questão por outra ótica:

Acho que a maioria concordará que, moralmente, comete crime de lesa-pátria quem se empenha contra os interesses da Nação, tais como:

  • Quem usa e abusa do trabalho escravo e/ou degradante;
  • Quem toma incontáveis empréstimos públicos subsidiados e eternamente “rola” a dívida, socializando os custos com o povo;
  • Quem introduziu sementes ilegais de soja e milho transgênicos e depois “forçou” a aprovação destas colheiras ilegais;
  • Quem contamina nossa mesa com agrotóxicos ilegais, proibidos em seus países de origem;
  • Quem contamina a carne com antibióticos e hormônios para que os animais ganhem peso rapidamente;
  • Quem destrói e esgota incontáveis nascentes e olhos d’água;
  • Quem usa e abusa da terra, abandonando milhões de hectares de terras degradadas;
  • Quem “expande” a fronteira agropecuária sobre áreas públicas e/ou terras griladas;
  • Quem cria gado nas áreas das reservas nacionais, patrimônio da União e, por consequencia, do povo;
  • Quem defende a redução da faixa de fronteira no RS para instalação de papeleiras multinacionais.

Quem, de fato, comete crime de lesa-pátria? Quem atenta contra os interesses nacionais?

Os questionamentos acima respondem por si mesmos.

Henrique Cortez, henriquecortez@ecodebate.com.br
coordenador do EcoDebate

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[EcoDebate, 14/01/2009]

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4 thoughts on “Floresta Zero: Não há surpresa no fracasso das negociações sobre Código Florestal, por Henrique Cortez

  • Dá-lhe Henrique! É isso mesmo! Pelo andar da carruagem, logo teremos ZERO de florestas, e uma vez que a podridão do sistema não consegue nos converter, devemos continuar fazendo a nossa parte escrevendo, pois as palavras se perdem no vazio do universo.

Fechado para comentários.