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Especial: ‘Retrato das Desigualdades de Gênero e Raça’

Lançamento da pesquisa Retrato das Desigualdades de Gênero e Raça, feita em conjunto pela Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres (SPM), pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e pelo Fundo de Desenvolvimento das Nações Unidas para a Mulher (Unifem) Foto: Elza Fiúza/ABr
Lançamento da pesquisa Retrato das Desigualdades de Gênero e Raça, feita em conjunto pela Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres (SPM), pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e pelo Fundo de Desenvolvimento das Nações Unidas para a Mulher (Unifem) Foto: Elza Fiúza/ABr

Apesar de reconhecer que nos últimos 15 anos houve uma melhoria nas condições de habitação no Brasil, a pesquisa Retrato das Desigualdades de Gênero e Raça, divulgada ontem (16) pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), aponta que ainda é perceptível a diferença entre negros e brancos. Vejam algumas das constatações do IPEA:

° Negros são maioria nas favelas
° Acesso à saúde reflete desigualdade entre brancos e negros
° Mulheres negras são maioria em situações de trabalho precário
° Negras sofrem dupla discriminação
° Estudo mostra que maior taxa de analfabetismo está entre mulheres negras

° Negros são maioria nas favelas

Entre 1993 e 2007, o percentual de residências que se encontravam em favelas ou semelhantes passou de 3,2% para 3,6%. É um percentual considerado baixo, mas que representa um universo de 2 milhões de domicílios, ou pelo menos 8 milhões de pessoas.

Considerando a distribuição de acordo com o chefe da família, tem-se que 40,1% dessas casas são chefiadas por homens negros, 26% por mulheres negras, 21,3% por homens brancos e 11,7% por mulheres brancas. De acordo com o estudo, essa distribuição mostra a predominância da população negra em favelas, o que reforça a sua maior vulnerabilidade social.

Outro ponto analisado, referente à condição de habitabilidade da população, é o adensamento excessivo, ou seja, o número muito grande de pessoas na residência. Os valores são considerados baixos (5% em 2007) e vêm se reduzindo (eram 10% em 1993). No entanto, também nesse aspecto é marcante a desigualdade de raça e gênero.

Se apenas 3% dos domicílios chefiados por brancos se encontram nessa situação, entre as famílias com chefes negros o percentual mais que dobra, chegando a 7%. Também são mais comuns os domicílios excessivamente habitados quando é o homem quem chefia: 5,1% contra 4,5% nas famílias chefiadas por mulheres.

No que diz respeito a acesso de serviços básicos, os dados da pesquisa mostram que 98% dos domicílios urbanos já contam com coleta de lixo, um crescimento da cobertura que já era considerada alta em 1993, com 85%.

Não chega a ser observada uma diferença significativa entre as residências chefiadas por homens ou mulheres. Já entre as famílias chefiadas por negros e brancos, a diferença é de três pontos percentuais (96,7% e 99%, respectivamente). No entanto, o aumento da cobertura do serviço de coleta foi mais intenso entre as famílias negras (21 pontos percentuais) e também as que estão em situação de pobreza (25 pontos).

O serviço que oferece a menor cobertura populacional é o de esgoto sanitário, apesar de ter crescido quase 13 pontos no período analisado pelo estudo, chegando a um percentual de 82,3% dos domicílios. Ao contrário do que ocorre com a coleta de lixo, as diferenças entre famílias negras e brancas são mais visíveis. Se entre as primeiras a cobertura era de 76% em 2007, nas outras era de 88%.

° Acesso à saúde reflete desigualdade entre brancos e negros

As desigualdades entre brancos e negros no país também podem ser percebidas no atendimento à saúde. Segundo o estudo dos 36,4% das mulheres com até 25 anos de idade que nunca se submeteram aos exames de mama e do colo do útero, 28,7% são brancas e 46,3% são negras.

O levantamento ressalta que o câncer está entre as principais causas de morte de mulheres que têm entre 30 e 60 anos, ao lado das doenças circulatórias e as provocadas por causas externas. “A realização de exames específicos para que possa haver detecção precoce do câncer é fundamental para reduzir a quantidade de óbitos provocados pela doença”, diz o estudo.

Conforme o levantamento, mesmo entre as mulheres com mais tempo de escolaridade, ou seja, que possuem mais informações sobre a importância da prevenção desses tipos de doenças, o percentual de negras que ainda não fizeram os exames é maior. Entre as que possuem mais de 12 anos de escolaridade, 10,5% são brancas e 18% negras.

“Os números apontam para desigualdades na qualidade do atendimento relacionadas a práticas e comportamentos discriminatórios adotados no cotidiano de trabalho, resultantes de preconceitos e estereótipos racistas, próprios do racismo institucional”, acentua o levantamento.

As diferenças entre brancas e negras também ocorrem na comparação entre regiões urbanas e rurais. Segundo o estudo, a situação “é ainda mais desigual” nesses casos. Das mulheres com 25 ou mais de idade nas zonas urbanas, cerca de 32% nunca haviam realizado exame clínico de mama, proporção que é quase o dobro quando se trata das rurais (63%).

Outro aspecto que marca a desigualdade entre negros e brancos no país, segundo o estudo, é o percentual de cada raça atendida pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Dos total de atendimento e internações realizadas em 2003, 76% e 81,3%, respectivamente, foram a negros. Já em relação aos brancos o percentual é de 54% e 59%, respectivamente, no mesmo período. “Esse fato dá fortes indícios do quanto a população negra é dependente do SUS”, destaca o o estudo Retrato das Desigualdades.

° Mulheres negras são maioria em situações de trabalho precário

As mulheres negras ainda são o grupo que vivência situações de trabalho mais precárias.

Se por um lado as mulheres (brancas e negras) têm aumentado a sua participação no mercado de trabalho, passando de 46% da população feminina ocupada ou à procura de emprego em 1996 para 52,4% em 2007, elas seguem com maior representação no trabalho doméstico, na produção para consumo próprio e no trabalho não remunerado.

Entre as mulheres negras, de acordo com a pesquisa, os dados revelam uma situação mais precária. Elas apresentam as maiores proporções no trabalho doméstico, 21,4% (contra 12,1% entre as mulheres brancas e 0,8% entre os homens), e na produção para subsistência e trabalho não remunerado, 15,4%. Elas também são o grupo com as menores proporções de carteira assinada, 23,3%, e e na posição de empregador, 1,2%.

Ainda no que diz respeito ao trabalho doméstico, a pesquisa destaca a queda no percentual de meninas com idade entre 10 e 17 anos (idade escolar) empregadas como trabalhadoras domésticas, passando de 14,2% em 1996 para 5,8% em 2007. Esses números são, respectivamente, 12,8% e 4,4 % entre as meninas brancas e 15,3% e 6,5% entre as negras.

Outro dado positivo, nessa área, é o aumento no percentual de trabalhadoras domésticas com carteira assinada. Se em 1996 se tinha 18,7% entre as negras e 23,6% entre as brancas, em 2007 essas taxas foram de 25,2% e 30,5%

O estudo do Ipea também ressalta as taxas de desemprego como um dos indícios da maior precarização da situação das mulheres negras no mercado de trabalho. Enquanto elas apresentaram uma taxa de desocupação de 12,4% em 2007, as mulheres brancas registraram desemprego de 9,4%, os homens negros, 6,7% e os homens brancos, 5,5%.

Por fim, o estudo destaca o fato de que as maiores taxas de trabalho infantil estão entre os meninos negros nordestinos. Aiinda segundo o trabalho do Ipea, essas taxas apresentaram queda nos últimos anos. Nesse grupo, 14% dos garotos com idade entre 5 e 15 anos trabalhava no ano passado.

° Negras sofrem dupla discriminação

O estudo mostra que as mulheres negras ainda sofrem uma dupla discriminação, que resulta em menores salários.

De acordo com o estudo, a diferença nos rendimentos é conseqüência das desigualdades educacionais, da segregação de mulheres e negros em postos de trabalho e da própria discriminação. Com isso, em 2007, as mulheres negras ganhavam 67% do que os homens negros recebiam e 34% do rendimento médio de homens brancos. Enquanto isso, as mulheres brancas recebiam 62,3% do que ganhavam os homens do mesmo grupo racial.

A pesquisa ressalta que, entre 1996 e 2007, a desigualdade de renda entre homens e mulheres caiu cerca de 10%. Já entre brancos e negros, ela caiu cerca de 13%. Um dos motivos, explica o documento, é que a recuperação salarial iniciada em 2004 já foi suficiente para elevar os salários femininos a um patamar maior que o de 1996, mas o mesmo não ocorreu com os homens.

Um dado que também é destacado pelo estudo é que no ano passado 20% da população branca se enquadrava abaixo da linha da pobreza. Entre os negros, esse percentual era mais do que o dobro: 41,7%. No caso da situação de indigência, enquanto 6,6% dos brancos recebiam menos do que uma quarta parte de um salário mínimo por mês, na população negra esse número chega a 16,9%. Isso significa que existem 20 milhões a mais de negros pobres do que brancos e 9,5 milhões de indigentes negros a mais do que brancos.

Ainda assim, a redução na proporção de pobres foi maior para os negros, 6 pontos percentuais entre 1996 e 2007, do que para os brancos, 10 pontos percentuais no mesmo período. No entanto, os negros continuam sendo minoria entre as camadas mais ricas da população. Em 2007, entre os 10% mais pobres da população, 67,9% eram negros. Essa proporção cai para 21,9% no grupo dos 10% mais ricos. Já no grupo do 1% mais rico da população, somente 15,3% eram de indivíduos negros.

Outro dado que evidencia a desigualdade social no país é a possibilidade de acesso a bens duráveis. De acordo com o estudo, a tendência é de que as residências chefiadas por negros e as localizadas no meio rural tenham menor acesso a esses bens, que incluem fogão, geladeira, máquina de lavar, televisão, freezer e telefone.

O fogão é o mais disseminado e está presente em 99% dos domicílios brasileiros. No entanto, enquanto 0,6% das casas chefiadas por brancos não possui esse item, em 2007 esse percentual chegou a 1,4% entre os negros. Além disso, é alta a proporção de residências que não possuem geladeira. A média nacional é de 9,2%, mas chega a 38% nos domicílios da zona rural chefiados por negros.

° Estudo mostra que maior taxa de analfabetismo está entre mulheres negras

Apesar de as políticas educacionais implementadas nos últimos 15 anos terem resultado em melhorias significativas nos indicadores sociais, a população negra ainda sofre com as desigualdades e enfrenta maiores dificuldades para o acesso ao ensino e a permanência na escola.

Conforme o levantamento, que tem como base os indicadores da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a taxa de analfabetismo dos homens brancos com 15 anos ou mais caiu de 9,2%, em 1993, para 5,9% em 2007. Entre as mulheres brancas da mesma faixa etária, a queda foi de 10,8% para 6,3% no período. Já a taxa de analfabetismo entre as mulheres negras passou de 24,9%, em 1993, para 13,7%, no ano passado.

Em relação ao tempo de permanência na escola, o estudo mostra que também houve melhora em todos os gêneros e raças. No entanto, os negros ainda ficam menos tempo em sala de aula. Conforme o levantamento, em 2007, homens apresentavam uma média de 7,1 anos de estudo, contra 7,4 anos para as mulheres. Entre os brancos, a média era de 8,1 anos de estudo e entre os negros, de 6,3 anos.

Matérias de Ana Luiza Zenker e Ivan Richard, da Agência Brasil, publicada pelo EcoDebate, 17/12/2008.

Nota do EcoDebate, com informações do IPEA: O “Retrato das desigualdades de gênero e raça” analisa microdados coletados pelo IBGE nos últimos 14 anos (Pnads de 1993 a 2007). Um livro, um CD estatístico (com a série histórica nacional e por região) e um cartaz resumo compõem esta terceira edição da pesquisa, que mostra os números mais completos e mais recentes sobre o perfil da população brasileira a partir de recortes de gênero e raça/cor.

Onze blocos compõem o trabalho:

Bloco 1 – População;

Bloco 2 – Chefia de família;

Bloco 3 – Educação;

Bloco 4 – Saúde;

Bloco 5 – Previdência e assistência social;

Bloco 6 – Mercado de trabalho;

Bloco 7 – Trabalho doméstico remunerado;

Bloco 8 – Habitação e saneamento;

Bloco 9 – Acesso a bens duráveis e exclusão digital;

Bloco 10 – Pobreza, distribuição e desigualdade de renda;

Bloco 11 – Uso do tempo.

Participaram do lançamento a ministra Nilcéa Freire (SPM), o presidente Marcio Pochmann (Ipea), a vice-diretora Junia Puglia (Unifem), a diretora Zélia Bianchini (IBGE) e os autores da pesquisa – Waldemir Rosa, Luana Pinheiro, Natália de Oliveira Fontoura, Ana Carolina Querino e Alinne Bonetti.

Vejam o resumo da pesquisa, no formato PDF, clicando aqui

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