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‘Plantas Medicinais na reserva extrativista Chico Mendes. Uma visão etnobotânica’, resenha de Gutemberg Guerra

“Vastamente informativo sobre o uso de plantas pela população amazônica, a fluência que Lin Chau Ming imprime ao seu relato permite ampliar a gama de extensão do conhecimento que produz para muito além do campo específico da botânica e da antropologia”

Conheci o professor Lin Chau Ming quando de seu segundo pós-doutorado nos Estados Unidos, desta vez na Columbia University, entre 2008 e 2009. O primeiro tinha sido realizado no New York Botanic Garden, em 1998 e 1999, com o qual estabeleceu sólida relação de intercâmbio e respeito, abrindo caminho para colegas pesquisadores, professores e estudantes em passagem acadêmica por este rico país do norte.

Com experiência de Extensão Rural, de quando começou sua carreira profissional, no interior do Paraná, tornou-se uma das referências dos estudos de etnobotânica no Brasil, com amplo reconhecimento no exterior. Tem publicado dezenas de livros e artigos em periódicos nacionais e internacionais, mantém atividades intensas de ensino, pesquisa e extensão, partilhando com diversos grupos do país e do exterior a sua experiência como botânico, professor e extensionista.

Suas qualidades como pesquisador podem ser atestadas na publicação de “Plantas medicinais na reserva extrativista Chico Mendes. Uma visão etnobotânica”, título que vem à luz oportunamente, no VII Simpósio Brasileiro de Etnobiologia e Etnoecologia que reúne os estudiosos da área, em Belém do Pará, de 10 a 12 de dezembro de 2008.

É produto de sua tese de doutorado, defendida em 1995, na Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, que serviu de base para sua tese de livre docência, defendida em 1999, na mesma Universidade.

O livro traz contribuições importantes, merecendo se destacar os procedimentos metodológicos que colocou em prática e descreveu com detalhes, demonstrando como construir uma relação saudável e cristalina tanto com parceiros institucionais da área da pesquisa e do ensino quanto com os que costumam ser logrados ou esquecidos quando da construção de conhecimentos ditos de domínio popular.

As dificuldades de acesso à área controlada pelo Conselho Nacional dos Seringueiros e dos Sindicatos de Trabalhadores Rurais do Acre, a preocupação destes com a preservação do domínio do material que estaria sendo coletado e enviado para o exterior, manifestada em documento de acordo, escrito e assinado pelas partes interessadas na pesquisa, é emblemático da autodeterminação que categorias antes menosprezadas e relegadas ao plano da ignorância, construíram e conseguiram exercer.

Vastamente informativo sobre o uso de plantas pela população amazônica, a fluência que Lin Chau Ming imprime ao seu relato permite ampliar a gama de extensão do conhecimento que produz para muito além do campo específico da botânica e da antropologia.

Usando, de um lado, da competência desenvolvida como taxonomista, de outro da larga experiência como extensionista, e com a sensibilidade de liderança política que exercitou na mediação entre os agrônomos com as empresas de assistência técnica e extensão rural da década de 80 do século passado, tece uma riquíssima descrição da pesquisa, dos resultados, e das possibilidades de uso em campos diversificados do saber e da atividade humana.

Iniciando pela discussão teórica que se dá no campo em que envereda, Lin Chau Ming mobiliza uma quantidade enorme de autores, destacando os principais no debate sobre o conceito de etnobotânica, sua importância no estudo de plantas medicinais, da conservação destas plantas no âmbito do conhecimento popular.

Enfrenta o debate sobre a propriedade intelectual que torna o tema explosivo e demonstra as estratégias que se fazem necessárias para se manter um comportamento ético ilibado. Encerra a introdução falando sobre métodos em etnobotânica, e dos condicionantes que pode ali encontrar e de como superá-los.

Não poderia tratar de reservas extrativistas sem escrever sobre o contexto de conflito em que elas se formaram e isto faz no primeiro capitulo, resumindo a história da reserva que carrega o nome do líder camponês mais conhecido pela defesa intransigente de um estilo de vida que o levou ao martírio.

O terceiro capítulo trata da importância das reservas extrativista para a manutenção dos recursos naturais e na viabilidade social e econômica local. Descreve não apenas os aspectos físicos da reserva, mas o perfil estrutural dos que nela habitam com suas famílias, tornando-a um espaço social sui generis. O leitor se sente guiado por um cicerone nas estradas dos seringais, aprendendo a como cortar e extrair o recurso das seringueiras, ouvindo os sons da mata e dela extraindo o seu sustento.

O capítulo quarto apresenta resultados e a discussão que se abre com o acordo realizado com o Conselho Nacional dos Seringueiros, detalhando as atribuições e responsabilidades de cada uma das partes envolvidas. Quem já trabalhou na interseção do campo científico com o político sabe das dificuldades para se construir este tipo de instrumento e de relação.

Quem examina exsicatas na frieza e calma dos herbários jamais terá a noção de como tem se tornado difícil a coleta e transporte de material biológico, tanto quanto os que sabem das suas possibilidades de uso quando buscam acessar o conhecimento que se encerram nas desidratadas amostras dos inacessíveis herbários para quem não tenha a qualificação adequada para manipulá-los.

O texto que compõe o capítulo que segue é ancorado em uma tabulação que facilita à busca dos nomes das plantas listadas e dos usos que delas se faz, com informações botânicas precisas e referenciadas para os que transitam neste domínio do conhecimento, sejam eles cientistas ou interessados nos usos imediatos de plantas na cura das mazelas do corpo humano. Rico em literatura listada como referencia e apêndices indicando os tipos que contribuíram para dar consistência científica ao estudo, o trabalho do professor Lin Chau Ming é um exemplo de esforço intelectual vigoroso que merece ser seguido.

Ming, Lin Chau. Plantas Medicinais na reserva extrativista Chico Mendes. Uma visão etnobotânica. São Paulo: Editora Unesp, 2006.

Gutemberg Guerra é professor do Núcleo de Estudos Integrados sobre Agricultura Familiar da Universidade Federal do Pará (UFPA). Texto enviado pelo autor ao “JC e-mail”:

* Resenha publicada no Jornal da Ciência, SBPC, JC e-mail 3657, de 08 de Dezembro de 2008.

[EcoDebate, 09/12/2008]

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