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Artigo

Como nos afeta a crise alimentar mundial? artigo de Esther Vivas

As conseqüências da crise alimentar mundial, com revoltas e protestos em todo o mundo, também se deixaram escutar nos países do Norte. No maio de 2008, cerca de sete mil pescadores se concentraram diante da sede do Ministério do Meio Ambiente e Meio Rural e Marinho em Madrid em protesto pela crise que vive o setor devido ao aumento dos preços dos combustíveis e pela falta de ajudas (o preço do petróleo aumentou mais de 320% em cinco anos e o preço do pescado se mantém igual há 20 anos). Os transportadores também aderiram aos protestos, bloqueando as estradas, devido à subida do preço da gasolina, que já se supõe uns 50% de seus custos.

No começo de maio, milhares de criadores de gado se manifestaram em Madrid para exigir do Governo uma nova lei de margens comerciais que limitasse a diferença entre o preço pago na origem e o preço de venda ao público, que chega hoje há 400% em média. A grande distribuição: supermercados, grandes superfícies, cadernos de desconto são quem mais se beneficiam a custa do produtor e do consumidor.

Nos últimos anos, os preços dos produtos que fazem parte de nossa dieta alimentar não têm parado de crescer. No percurso de 2007, o preço do leite aumentou cerca de 26%, as cebolas 20%, o azeite de girassol 34%, a carne de frango 16%. E esta tem sido a tendência da maioria dos alimentos, segundo dados divulgados pelo Ministério de Industria, Turismo e Comércio ao final de 2007, mesmo que o Índice de Preços ao Consumo (IPC) tenha somente refletido uma subida de 4,1% naquele mesmo ano.

Pelo contrário e segundo indicava a Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), no período 1995-2005, o Estado espanhol havia sido o único país da União Européia com uma queda salarial de média, evidenciando uma crescente medida de poder aquisitivo dos trabalhadores e das trabalhadoras. Uma situação que contrastava com as ganâncias das empresas espanholas, neste mesmo período, com um aumento de 73%, mais do que o dobro que a média da União Européia.

É obvio que os efeitos da crise alimentar em ambos extremos do planeta são dificilmente comparados. No Norte, tem somente destinado entre 10 e 20% da renda à compra de alimentos, mesmo que no Sul esta cifra se eleva a 50-60% e pode chegar inclusive a 80%. Porém, isso não retira a importância de ressaltar também o impacto desta subida dos preços entre as populações daqui, mesmo que os lucros das multinacionais sigam aumentando e os governos defendam uma maior liberação econômica.

Causas estruturais

Podemos indicar uma série de razões conjunturais que tem produzido esta subida espetacular dos preços dos alimentos, como o aumento das importações de cereais por parte de países até pouco auto-suficientes, a perda de colheitas devido a fenômenos meteorológicos, o aumento do consumo de carne em países como América Latina e Ásia e principalmente a subida do preço do petróleo, o aumento da produção de agrocombustiveis e as crescentes inversões especulativas em matérias-primas, não podemos esquecer as causas estruturais desta crise. As políticas neoliberais aplicadas indiscriminadamente no transcurso dos últimos trinta anos em escala planetária são as responsáveis pela situação atual.

Instituições como a Organização Mundial do Comercio (OMC), no Banco Mundial, o Fundo Monetário Internacional, com os Estados Unidos e a União Européia à frente, têm sido seus maiores promotores. A aplicação sistemática nos países do Sul de políticas de ajuste estrutural, a cobrança da dívida externa e a privatização dos serviços e bens públicos têm sido uma constante neste período, junto com a liberação comercial, fruto das negociações na OMC e os tratados de livre comércio com Estados Unidos e a União Européia.

Agricultura e alimentação monocolor

Estas políticas neoliberais têm tido uma dimensão global e têm generalizado um modelo de agricultura e de alimentação, tanto no Sul como no Norte, a serviço dos interesses do capital. A função primordial dos alimentos, alimentar as pessoas, tem ficado sujeita aos objetivos econômicos de umas poucas empresas multinacionais que monopolizam a cadeia de produção, desde as sementes, e têm sido estas as maiores beneficiárias da situação de crise.

Olhando as cifras: o final de 2007, quando começavam as crises mundiais de alimentos, corporações como Monsanto e Cargill, que controlam o mercado dos cereais, aumentaram seus lucros em 45 e 60% respectivamente. As principais empresas de fertilizantes químicos como Mosaic Corporation, pertencente a Cargill, dobrou seus lucros em apenas um ano. E assim poderíamos colocar exemplos de outras multinacionais que monopolizam cada um dos trechos da cadeia alimentar desde as processadoras até as grandes cadeias de distribuição, todas elas com ambições crescentes ano a ano.

No campo, a situação também é difícil. Na Catalunha, somente 1,2% da população ativa se dedica à agricultura e a maior parte desta se conformam por pessoas idosas. No Estado espanhol, esta cifra sobe para 5,6%. A renda agrária dos camponeses diminui anualmente e hoje se situa somente 58% da renda geral. Já as grandes exportações são as que recebem a maior parte das subvenções dadas à agricultura. Como dado: no ano de 2005 seis famílias da oligarquia andaluza receberam quase 12 milhões de euros em ajudas ao setor.

A globalização capitalista tem posto fim à agricultura familiar, vital para o cuidado do território e a alimentação das comunidades; tem aniquilado o comércio local, causando graves danos as economias locais; tem deslocado a produção de alimentos, gerando uma crescente insegurança alimentar com uma dieta que se baseia em uma comida que percorre milhares de quilômetros antes de chegar a nossa mesa; e tem promovido uma agricultura e um rebanho industrial, intensivo, baseada no uso de pesticidas e produtos químicos. Este é o modelo de agricultura e de alimentação global existente, as pessoas e o meio ambiente temos ficado em segundo plano.

*Esther Vivas é co-coordenadora dos livros “Supermercados, no gracias” (Icaria editorial, 2007) y “¿Adónde va el comercio justo”? (Icaria editorial, 2006). Tradução: ADITAL.

* Artigo enviado pela Autora.

[EcoDebate, 08/12/2008]

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