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A divisa ‘pensar global, agir local’, como método de ação diante dos grandes temas e problemas mundiais, é insuficiente


Imagem: Stockxpert

É o que se pode depreender da análise do sociólogo Zygmunt Bauman em entrevista ao La Repubblica, para quem “os poderes que decidem sobre a qualidade da vida humana e sobre o futuro do planeta são hoje globais”, e “esperar que os indivíduos encontrem e coloquem em prática soluções individuais para problemas produzidos pela sociedade no seu complexo” é um erro. Segundo ele, os problemas que enfrentamos nos territórios locais, como a crise financeira e climática, entre outros, são de origem global e, portanto, as resoluções dos mesmos passam pela criação de uma agenda política planetária e instituições políticas globais eficazes e dotadas de recursos que lhes permitam enfrentá-los.

Algo semelhante afirma o sociólogo alemão Ulrich Beck: “De ora em diante, nada do que acontece é somente um evento local. Todos os perigos essenciais se tornaram perigos mundiais, a situação de cada nação, de cada etnia, de cada religião, de cada classe, de cada indivíduo em particular é também o resultado e a origem da situação da humanidade. O ponto decisivo é que, de agora em diante, a principal tarefa é a preocupação pelo todo. Não se trata de uma opção, mas da própria condição. Ninguém jamais o previu, desejou ou escolheu, mas brotou das decisões, da soma de suas conseqüências, e se tornou conditio humana”.

Na análise de Bauman, a “interdependência planetária” revela que os problemas mais terríveis e assustadores que nos atormentam nos levam a provar uma sensação de insegurança e incerteza com relação a tudo o que nos circunda. É o que Ulrich Beck chama de ‘Sociedade de risco’, ou seja, o fato de “que vivemos em um mundo fora de controle e não há nada certo além da incerteza”. Beck afirma a que “risco” é um conceito moderno: “Pressupõe decisões que tentam fazer das conseqüências imprevisíveis das decisões civilizacionais decisões previsíveis e controláveis. A novidade da sociedade de risco repousa no fato de que nossas decisões civilizacionais envolvem conseqüências e perigos globais, e isso contradiz radicalmente a linguagem institucionalizada do controle. Na era do risco, as ameaças com as quais nos confrontamos não podem ser atribuídas a Deus ou à natureza, mas à própria modernização e ao próprio progresso”.

Segundo Beck, “os riscos com os quais nos confrontamos não podem ser delimitados espacialmente, temporalmente, ou socialmente; eles abrangem estados-nação e todas as classes sociais, e, por sua natureza, apresentam novos tipos de desafios às instituições designadas para seu controle”. O mesmo diz Bauman: “Os problemas têm origem no espaço global e está além do alcance de qualquer instituição política ora existente”.

O sociólogo polonês adverte que “a esfera política local é sobrecarregada de tarefas e não é suficientemente forte ou dotada de recursos para resolvê-las”. Para ele, apenas “instituições políticas e jurídicas internacionais – até agora ausentes – poderão reter as forças planetárias atualmente desreguladas e alcançar as raízes da insegurança global”.

O Estado Social fracassou e não constitui mais uma alternativa válida, diz ele. Segundo Bauman, somente um ‘Planeta social’ poderia recuperar as funções que, há não muito tempo, o Estado buscava desenvolver, com destinos diferentes. “Acredito que o que pode ser capaz de se dirigir por meio desse imaginário ‘Planeta social’ não são os Estados territoriais e soberanos, mas principalmente as organizações e as associações extra-territoriais, cosmopolitas e não-governativas, que alcançam de maneira direta quem se encontra em uma condição de necessidade, sobrevoando as competências dos governos locais e soberanos e impedindo-os de interferir”, destaca.

Bauman retoma a tese defendida por Ulrich Beck, ao afirmar que os Estados-nação já não conseguem responder aos desafios da ‘sociedade do risco’. Para Beck, ”o Estado-nação até o momento continua sendo o paradigma da política, mas não tem todo o poder estratégico frente ao capital que se move”. Partindo do princípio de que não podemos continuar usando o Estado-nação e a sociedade do Estado-nação como unidade de abordagem para o debate dos grandes temas mundiais, Beck propõe o cosmopolitismo como um novo paradigma.

Soma-se à reflexão de Bauman e Beck, a de outro pensador: Edgar Morin. O sociólogo francês afirma que “devemos tomar consciência de que vivemos uma comunidade de destino planetário” e sugere uma “política de civilização” diante do mal-estar que vive o mundo hoje. “A nossa civilização ocidental produziu muitas conseqüências positivas, mas também negativas. Estas últimas se tornaram cada vez mais importantes: aquecimento climático e degradação da biosfera, problemas das metrópoles, cultura intensiva da agricultura. Tudo isso coloca em evidência os problemas nascidos do desenvolvimento da nossa civilização científica, técnica, econômica. Acrescento ainda que a abundância do bem-estar material não foi acompanhado de em viver bem, de um bem-estar ecológico e moral. Há um grande mal-estar entre os cidadãos que mais se beneficiam da nossa civilização”, diz Morin.

A partir deste diagnóstico, Morin sugere uma série de propostas que visam corrigir os males da nossa sociedade e, entre as principais, a ecologia da ação: “Uma ação não depende somente da vontade daquele que a pratica, depende também dos contextos em que ela se insere, das condições sociais, biológicas, culturais, políticas que podem ajudar o sentido daquilo que é a nossa intenção. Dessa forma, as ações podem ser praticadas para se realizar um fim específico, mas podem provocar efeitos contrários aos fins que pretendíamos”, diz Morin.

Contrário a Bauman, e de certa forma a Beck, poder-se-ia dizer que Morin, embora não negue a necessidade de organismos supranacionais para enfrentar os grandes temas mundiais, aposta ainda no espaço local como método importante ao enfrentamento dos grandes problemas que afligem o planeta.

As reflexões dos sociólogos Zygmunt Bauman, Ulrich Beck e Edgar Morin, autores sempre presentes no sítio do IHU, são extremamente oportunas em função do momento singular por que passa a humanidade. Como bem diz Morin, “o sistema planetário está condenado à morte ou à transformação. Nossa época de mudanças tornou-se uma mudança de época”.

(http://www.EcoDebate.com.br, 05/12/2008) publicado pelo IHU On-line, 03/12/2008, Conjuntura da Semana. Uma leitura das ‘Notícias do Dia’ do IHU de 26 de novembro a 02 de dezembro de 2008 [IHU On-line é publicado pelo Instituto Humanitas Unisinos – IHU, da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos, em São Leopoldo, RS.]

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