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Falta de política de habitação aumenta tragédia em SC

Blumenau foi uma das cidades catarinenses mais atingidas pelas chuvas. Cerca de 18 mil casas foram danificadas, deixando 20 mil pessoas desalojadas e 2.800 desabrigadas. Foto de James Tavares/ Secom-SC
Blumenau foi uma das cidades catarinenses mais atingidas pelas chuvas. Cerca de 18 mil casas foram danificadas, deixando 20 mil pessoas desalojadas e 2.800 desabrigadas. Foto de James Tavares/ Secom-SC

A falta de política de habitação, muito comum nas cidades brasileiras, agravou os efeitos das enxurradas que atingem Santa Catarina há três meses. Em entrevista, o arquiteto e professor do Departamento de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Regional de Blumenau (Furb), Luiz Alberto de Souza, avalia como a urbanização e as moradias precárias no Vale do Itajaí, região mais atingida pelos temporais e pelas enchentes, contribuíram para as mais de cem mortes, boa parte em decorrência de deslizamentos. Dados extra-oficiais apontam que somente na cidade de Blumenau, o déficit de moradia atinge seis mil famílias.

A reportagem e a entrevista é de Raquel Casiraghi e publicada pela Agência de Notícias Chasque, 02-12-2008.

Souza também alerta para a necessidade do país melhorar os sistemas de previsão meteorológicos a fim de prevenir a população e evitar mortes.

Eis a entrevista.

As enxurradas e os deslizamentos que ocorreram em SC são fenômenos naturais?

O que aconteceu desta vez é que esse fenômeno se deu em uma intensidade muito maior do que costumeiramente acontece. As condições climáticas que estavam sobre a região de Blumenau (SC) eram ruins, nós estávamos há 15 semanas consecutivas com chuvas. Isso intensificou, no final de semana passada, onde choveu um volume muito grande em dois dias e isso foi o que agravou os deslizamentos. E conseqüentemente também das cheias que aconteceram em Itajaí (SC) porque os rios estavam com um volume muito grande devido às chuvas dos últimos três meses. É um fenômeno natural sim, é constante, porque é uma região que chove muito. Mas a intensidade, desta vez, foi atípica. E isso os meteorologistas estão colocando, pelas medições que eles fizeram.

Que fatores contribuíram para a tragédia no estado, principalmente no Vale do Itajaí?

Foram vários fatores. Teve essa questão da “natureza”, que podemos dizer entre aspas, que foi a questão das chuvas acima no normal. Mas também em muitos casos houve a ação do homem sobre a natureza contou. Nossa região aqui é um vale onde temos conseqüentemente temos muitos cursos d’água, muitos ribeirões, e morros. A região de Blumenau é cortada por muitos morros e muitos rios. A própria topografia da cidade naturalmente já concentra as edificações ou nas áreas mais planas de várzea, de fundos de vale, que eram áreas “mais apropriadas” para edificar, entre aspas, porque são áreas planas, mas também sujeitas às inundações. Após as enchentes de 1983/1984, a cidade mudou um pouco o perfil de ocupar as várzeas para ocupar os morros. E isso se agravou agora porque houve desmatamento. Muitos loteamentos começaram a surgir nas áreas mais elevadas da cidade e, com essa chuva de intensidade acima do normal, aliada a esse desmatamento que foi acontecendo, propiciou essa série de deslizamentos que a gente viu na cidade.

Todas as pessoas foram afetadas?

Nossos morros são muito parecidos com o que acontece no Rio de Janeiro, onde temos uma certa “democratização” dos nossos morros. Em uma parte mora uma classe mais privilegiada, que tem acesso aos loteamentos nas áreas regulares, onde são permitidas as implantações de loteamentos pela legislação. E nas áreas em que são restritas para ocupação pela lei acabam sendo tomadas pela população de baixa renda. O que aconteceu é que as enxurradas e os deslizamentos atingiram tanto as classes menos favorecidas, as pessoas pobres, mas atingiu também em determinados setores e regiões da cidade casas, edificações da classe média. Mas eu ainda diria que, em um balanço mais geral, a população mais pobre foi a mais penalizada, porque foi na periferia onde teve bastante danos materiais.

As medidas tomadas até o momento pela Defesa Civil e pelos governos foram as mais adequadas?

A atuação da Defesa Civil e dos órgãos públicos realmente foi, dentro da possibilidade e dos recursos, foi de superação individual. Ainda há a questão da solidariedade. Claro que há limitações de material e de recursos. Acho que o que deve ser realmente pensado é ter a possibilidade de isso ser uma prática mais comum. De termos condições de alerta como acontece nos Estados Unidos com os tornados, que possam fazer com que esse trabalho posterior de limpeza e de reconstrução seja menor. As pessoas ficam nos abrigos, mas eles não estão preparados. São abrigos improvisados. A maioria das pessoas está nas escolas onde tem pouco chuveiro, as cozinhas não estão equipadas. Nós realmente não temos um plano de Defesa Civil que dê conta.

Como o senhor avalia a atuação dos governos no processo de urbanização no Vale do Itajaí?

Aqui na nossa região não difere de nenhuma outra parte do Brasil e de outras cidades. Nós temos um modelo de exclusão sócio-territorial, onde a população menos favorecida, do ponto-de-vista habitacional, tem que suprir sua demanda através de alternativas. E essas alternativas geralmente acabam sendo essas áreas que não são muito apropriadas para a ocupação. A questão da política habitacional no Brasil, que vem desde 1986 quando ocorreu um vácuo muito grande com a extinção do BNH [Banco Nacional de Habitação] naquele ano, só a partir de 2003 a nível nacional, por exemplo, que se criou o Ministério das Cidades e que se voltou a pensar em políticas de âmbito nacional para resolver ou melhorar a questão habitacional. Os governos dos estados, a maioria abandonou essas políticas, com a extinção das COHABs estaduais que durante um tempo também supriam essa necessidade e acabaram recuando nesses últimos anos por falta de interesse, de recursos e de prioridade. E os municípios, a maioria não tem capacidade por si só de resolver essa questão habitacional. Ela depende de financiamento tanto do governo do Estado quanto da União.

O que aconteceu aqui em Blumenau não é diferente do que pode acontecer em outras cidades brasileiras. A população pobre continua morando mal, em áreas impróprias e sujeitas a risco. Só que claro que aqui teve esse fenômeno meteorológico que agravou, a quantidade de chuva foi muito acima do normal e por três meses consecutivos. Há iniciativas. A prefeitura de Blumenau estava mapeando as áreas de risco da cidade, muitas áreas já estavam condenadas. Agora, faltava uma efetividade maior dos governos e dos três entes federados para resolver. Esperamos que agora, com essas tragédias que ocorreram, que as políticas sejam realmente mais efetivas e que seja resolvida a questão habitacional.

Que medidas deveriam ser tomadas para resolver o déficit habitacional e as moradias precárias e em áreas de risco no país?

Não há uma fórmula mágica. O que os governos têm que fazer e a sociedade também é unir esforços. Acho que primeiro a gente tem que eleger isso como prioridade, que até então não era. A habitação no Brasil, a moradia digna que é um direito constitucional, está na Constituição, ainda não está efetivo no país. Então acho que o primeiro passo é esse, é elencar, é colocar como prioridade. Precisamos resolver essa questão da moradia digna, com áreas próprias, com infra-estrutura, condições pra nossa população. Ainda estamos com esse débito a nível de Brasil para ser resolvido. Soluções técnicas, projetos têm. Vontade dessas famílias também tem. Ninguém mora nessas áreas de risco, nas favelas, porque quer. Mora porque é obrigada, normalmente não tem onde morar e acaba suprindo essa necessidade de moradia onde dá. E muitas vezes custa a vida da sua família em função disso. Parceria também com universidades e ongs, busca de financiamento externos, mapeamento das áreas de risco. Dotar as prefeituras, equipar melhor a Defesa Civil, criar sistemas de monitoramento. Essa enxurrada pegou muita gente de surpresa, então os danos materiais poderia ter sido evitado se tivesse tido um sistema de monitoramento mais efetivo, em sistema de prevenção de cheias e de áreas de risco. É uma série de iniciativas. Hoje todos os holofotes estão voltados para SC e Blumenau, mas o RS tem problemas, o Paraná, na Bahia.

[EcoDebate, 03/12/2008]

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