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Notícia

A solução verde para a crise

A França, o Reino Unido e agora os EUA anunciam uma revolução verde para combater as mudanças climáticas e ajudar na recuperação financeira do mundo. Será que vai funcionar?
Colin Mcpherson

A ONDA BRITÂNICA
Turbinas na Baía de Liverpool geram eletricidade para 75 mil casas. A Inglaterra quer aproveitar os ventos fortes da ilha para consolidar sua liderança na tecnologia de cata-ventos no mar

O prédio da Prefeitura de Londres é uma estrutura arredondada de aço e vidro que parece um ovo cozido fatiado, quase caindo no Tâmisa, o rio que corta a cidade. Estou no subsolo da construção, há menos de 10 metros do leito do rio. É um dos lugares mais vulneráveis às inundações que podem ser causadas pelas mudanças climáticas. Primeiro, porque o nível do mar poderá subir de 1 a 2 metros até o fim do século – e entrar pelo estuário do Tâmisa. Segundo, porque as chuvas mais fortes, também previstas pelos climatologistas, poderão fazer as cabeceiras do rio subir 20%. Estima-se que 15% da área de Londres esteja na zona de risco de inundação, incluindo o auditório da Prefeitura onde estamos. Para evitar essa catástrofe, Alex Nickson, diretor de adaptação às mudanças climáticas de Londres, apresenta seu plano. O governo já construiu um sistema de barreiras na foz do Tâmisa, capaz de resistir à elevação de até 2 metros do nível do mar. Agora, estão investindo 16 milhões de libras num estudo para avaliar alternativas caso o mar suba mais do que isso. Também estão planejando novas barreiras nos afluentes do Tâmisa para evitar o impacto das chuvas. Além de se preparar para inundações, a Prefeitura também vai subsidiar a reforma dos prédios para lidar com verões até 3 graus mais quentes. Matéria de Alexandre Mansur, na Revista ÉPOCA, Edição 549 – 24/11/2008.

É o que o Reino Unido está fazendo para tentar salvar Londres. Ao mesmo tempo, o país tem um plano mais ousado, para ajudar a resgatar o futuro da humanidade. O Parlamento britânico negocia os últimos detalhes do mais ambicioso projeto de lei de um país para enfrentar as mudanças climáticas. Se for aprovada, a Lei do Clima, como é chamada em Londres, vai estabelecer regras para as empresas reduzirem suas emissões com metas mais restritas do que qualquer outra nação do mundo. O objetivo é diminuir em 26% as emissões de gases responsáveis pelo aquecimento global até 2020 – e em 80% até 2050. O principal desses gases é o gás carbônico, liberado pela queima de combustíveis fósseis nos transportes e na geração de energia elétrica.

A lei inclui subsídios para a adoção de energias limpas. Cada setor industrial terá metas para emissões. As companhias que não as atingirem terão de pagar por isso. Até 2010, 5% dos veículos britânicos usarão combustíveis de fontes renováveis, como hidrogênio ou álcool. Até 2016, todas as novas construções do país não poderão emitir gás carbônico para gerar iluminação ou aquecimento. Estima-se que a aplicação desse pacote contra mudanças climáticas custará entre 1% e 2% do PIB do Reino Unido.

A iniciativa britânica faz parte de um movimento global para arrumar uma solução única para dois problemas aparentemente desconexos: a crise financeira atual e o aquecimento planetário. A idéia é que os países criem políticas para incentivar investimentos em energia limpa e tecnologias para adaptação às mudanças climáticas. Em alguns casos, isso envolveria injeção de dinheiro público, por meio de subsídios ou fundos. Como conseqüência, esse projeto geraria empregos, estimularia os negócios e faria a economia crescer de forma mais sustentável – pelo menos do ponto de vista ambiental.

A idéia ganhou o nome de New Green Deal (algo como Novo Acordo Verde), alusão ao New Deal, a série de programas executados nos Estados Unidos entre 1933 e 1937 pelo presidente Franklin Roosevelt para tirar o país da Grande Depressão. O plano começou com investimentos públicos em subsídios agrícolas e grandes obras, como estradas, para gerar emprego. E culminou com o esforço militar da Segunda Guerra Mundial. Hoje, a batalha seria contra as mudanças climáticas. Será que esse novo Green Deal funcionaria?

A proposta foi feita num estudo da Unep, o programa das Nações Unidas para o meio ambiente. Em outubro, o relatório Global Green New Deal estimou que a iniciativa poderá gerar 20 milhões de novos empregos até 2012. Para justificar um investimento ambiental em plena crise financeira, Achim Steiner, diretor da Unep, fez uma comparação. Segundo ele, o desmatamento global priva o mundo de serviços que as florestas prestam, como manutenção das chuvas, redução da erosão, limpeza do ar e nascentes para os rios. Isso representaria perdas de US$ 2,5 trilhões por ano. A cada dois anos, só o desmatamento custaria mais do que a crise financeira, cujos prejuízos são estimados em US$ 3,5 trilhões. “Estamos indo além dos limites do planeta”, diz Steiner. “Se seguirmos nesse rumo, as próximas crises serão muito piores que a atual.”

O levantamento da Unep se inspirou em parte no economista britânico Nicolas Stern, que fez o primeiro – e até agora mais completo – estudo para avaliar o custo das mudanças climáticas. Segundo Stern, elas podem comprometer até 20% do PIB global. Evitar essa catástrofe custaria, de acordo com Stern, cerca de 2% do PIB mundial. A tese de Stern é referendada por formadores de opinião internacional, como o americano Thomas Friedman, colunista do jornal The New York Times. O último livro de Friedman se chama Por Que Precisamos de uma Revolução Verde e Como Ela Pode Salvar a América. Friedman sugere que o governo acabe com os incentivos para combustíveis fósseis, em favor de alternativas energéticas. E deixe o mercado decidir onde vai investir. O resultado seria uma revolução tecnológica. Friedman propõe explorar o que ele chama de “maior motor de inovação criado por Deus”: a combinação dos centros de pesquisa, dos fundos de capital de risco e do mercado dos Estados Unidos.

Stefan Kieffer

DISCIPLINA GERMÂNICA
Técnico faz manutenção na usina solar da cidade alemã de Mühlhausen. O país é uma referência em painéis solares, graças a investimentos públicos

O plano apresentado pelo presidente eleito dos EUA, Barack Obama, segue a linha de Friedman. Obama promete investir US$ 150 milhões ao longo de dez anos em energias limpas, que ajudariam o setor privado a gerar 5 milhões de novos empregos “verdes”. É o dobro do que a economia americana gera em anos de bonança. A idéia é que 10% da energia americana seja abastecida por fontes limpas e renováveis, como vento ou sol. Mas os planos de Obama ainda precisam ser aprovados pelo Congresso americano.

O custo global das mudanças climáticas
  • Os impactos do aquecimento global poderão reduzir o PIB mundial em 20% até 2050
  • As medidas para evitar o pior custariam de 1% a 2% do PIB global
  • Segundo estimativas, essas medidas poderiam gerar 20 milhões de novos empregos até 2012

Eles ainda são modestos diante da iniciativa francesa. Desde o ano passado, o presidente da França, Nicolas Sarkozy, vem executando medidas ambientalmente corretas. Seu plano está ligado à geração de empregos, principalmente no setor de construção civil, para reformar prédios e casas, melhorando a calefação e trocando o sistema de iluminação. Cerca de 25% das emissões francesas vêm do consumo de energia nessas construções. “Estamos tentando chegar a uma redução de 40% até 2020”, diz Nathalie Kosciusko-Morizet, secretária de Estado de Meio Ambiente. Ela afirma que o projeto poderá gerar até 500 mil empregos. Todo o investimento na revolução verde francesa deverá custar US$ 250 milhões por ano até 2020. “Não é hora de pensar em sacrificar o futuro por causa do presente”, disse Sarkozy. Soa bonito, mas a França tem interesse especial em ver outros países adotando a nova economia verde. Parte das necessidades energéticas deverá ser atendida por usinas nucleares (que não emitem gás carbônico e custam US$ 10 bilhões cada uma). E as empresas francesas são líderes nessa tecnologia.

Os países que já anunciaram medidas
Quem prometeu investimentos para sair das crises econômica e ambiental
ESTADOS UNIDOS
Barack Obama propõe investir US$ 150 milhões em dez anos, criando 5 milhões de empregos
REINO UNIDO
Estuda leis que deverão custar 2% do PIB, ou US$ 230 milhões até 2050
FRANÇA

Tem medidas que deverão envolver US$ 250 milhões por ano até 2020 e gerar de 200 mil a 500 mil empregos

O modelo para todas essas iniciativas é a Alemanha. Na última década, em parte sob o comando do Partido Verde, os alemães criaram incentivos para energias renováveis. Em 2006, o governo terminou de instalar placas solares em 1 milhão de telhados residenciais. A indústria de energia renovável do país fatura US$ 240 bilhões por ano e emprega 250 mil pessoas. Estima-se que, em 2020, vá gerar mais empregos que as montadoras de automóveis, hoje a maior indústria alemã.

Apesar das promessas, a nova revolução energética ainda enfrenta ceticismo. Fatih Birol, economista-chefe da Agência Internacional de Energia, com sede na França, é um dos que questionam se os investimentos anunciados pelas nações ricas serão sustentáveis. Uma das dúvidas é sobre o preço do petróleo. Birol afirma que as fontes de energia renováveis poderão perder a atratividade se o barril do óleo voltar à cotação de US$ 40. “É algo pouco provável nos próximos meses, mas que faz parte da volatilidade do mercado”, diz. O barril do petróleo já passou de US$ 100 neste ano e estava em US$ 50 na semana passada. Essa instabilidade pode colocar em xeque o futuro das fontes renováveis de energia, rentáveis apenas quando o petróleo fica acima de US$ 70. Uma alternativa seria a garantia de subsídios fixos dos governos para sustentar a revolução energética.

Mas adotar subsídios pode ter conseqüências negativas. Em geral, isso significa que o governo – influenciado pelo lobby de várias indústrias – escolhe os setores em que vai apostar o dinheiro público. Nos EUA, em nome do meio ambiente, agricultores do Meio-Oeste conseguem cerca de US$ 7 bilhões por ano em subsídios para fazer etanol de milho, menos competitivo que o álcool brasileiro. Críticos afirmam que o programa de energia solar da Alemanha (um país com pouca insolação) aumentou artificialmente o preço do silício (usado na produção das placas) e deixou a tecnologia cara demais para países ensolarados onde ela faria mais sentido, como o Brasil.

A cada dois anos, os impactos do desmatamento
custam mais que a crise financeira atual

As propostas para o novo Green Deal, apesar das ressalvas, estão de pé. A falta de crédito nos mercados financeiros pode até ser um bom motivo para investir em estratégias menos poluentes. Um dos estudos mais abrangentes para avaliar o custo das mudanças econômicas necessárias foi apresentado pela consultoria McKinsey. Ele mostra que parte do investimento numa economia mais limpa representa redução de custos. Segundo o levantamento, o mundo precisa reduzir suas emissões anuais em 27 bilhões de toneladas de carbono para manter níveis seguros de aquecimento. Desse total, 7 bilhões de toneladas podem ser obtidas apenas com projetos de eficiência energética, como sistemas mais eficazes de isolamento térmico, uso de veículos mais econômicos, redução no uso de ar condicionado ou uso mais inteligente da iluminação. “Num cenário de crise econômica, as empresas investirão em cortes de custos. Esses investimentos em uso eficiente de energia oferecem um retorno a curto prazo, mesmo que exijam algum investimento imediato”, diz Ed Petter, da McKinsey.

O estudo da McKinsey revela que 70% das reduções nas emissões não dependem de novas tecnologias. “Elas podem ser obtidas aplicando globalmente técnicas já existentes para aumentar a eficiência industrial”, diz Petter. O setor siderúrgico da Europa Ocidental queima 20% menos carvão para produzir aço do que a mesma indústria na Índia. A diferença é o uso de equipamentos mais modernos. Pequenas medidas podem ter grande impacto. A rede americana Wal-Mart vende cerca de 800 milhões de frascos de detergente líquido para máquinas de lavar louças. A empresa decidiu que, para ajudar a reduzir as emissões de carbono, vai passar a vender apenas detergente na forma concentrada, que usa frascos menores. Só essa medida deverá economizar 1,5 bilhão de litros de água, 43.000 toneladas de resina plástica e 56.000 toneladas de papelão, fora o consumo de energia da fábrica e combustível nos transportes. A Proctor & Gamble, em parceria com a Wal-Mart, mudou a fórmula do detergente para que os consumidores possam reduzir a temperatura da água na máquina de lavar louças, de 40 para 30 graus célsius, economizando energia. “Nenhum desses esforços exigiu novas tecnologias, investimentos pesados, perda de conforto dos consumidores ou redução no PIB americano”, diz Petter. “Isso mostra como a atual crise pode incentivar práticas sustentáveis, em vez de desencorajá-las”.

Parece ser essa a idéia do Reino Unido. “Não podemos mais adiar a ação contra as mudanças climáticas”, diz John Ashton, responsável pelo tema no Ministério das Relações Exteriores da Grã-Bretanha. “Estamos agora diante da escolha entre agir e enfrentar conseqüências desagradáveis do aquecimento global ou não agir a tempo e enfrentar efeitos catastróficos”. Ele acredita que o custo para o investimento é alto, reconhece que as condições atuais de crédito são difíceis, mas diz que o custo de não investir é ainda mais alto. “Se continuarmos com uma economia dependente do petróleo, o impacto econômico de um aumento no preço do óleo, que inevitavelmente vai ocorrer, seria mais alto que os custos de reduzir as emissões de carbono”, diz Ashton. Segundo ele, a Inglaterra está disposta a assumir uma postura de liderança. “Devemos agir, para que os outros nos sigam”, diz. “Se não incorporarmos investimentos em alternativas que emitem menos carbono como parte do projeto de recuperação econômica, ela não se manterá a longo prazo.”

Matéria de Alexandre Mansur, na Revista ÉPOCA, Edição 549 – 24/11/2008.

[EcoDebate, 29/11/2008]

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