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contaminação por urânio nas águas superficiais e subterrâneas em Caetité, BA: Moradores se dividem sobre suspeita de contaminação

Caitité (BA) - Sinvaldo dos Santos fala sobre a água contaminada com urânio no povoado de Juazeiro, no distrito de Caitité Foto: Valter Campanato/ABr
Caitité (BA) – Sinvaldo dos Santos fala sobre a água contaminada com urânio no povoado de Juazeiro, no distrito de Caitité Foto: Valter Campanato/ABr

Caetité (BA) – A dúvida em torno da contaminação da água de poços artesianos por urânio inquieta os moradores da comunidade de Juazeiro, a 40 quilômetros do município de Caetité, no sudoeste da Bahia. O Ministério Público Federal investiga denúncia feita pela organização não-governamental Greenpeace, de que amostras de água indicam nível de urânio acima do permitido pelo Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama). Um mina das Indústrias Nucleares do Brasil (INB) está localizada a cerca de 10 quilômetros da vila de aproximadamente 300 habitantes.


Caitité (BA) – Caixa d’agua na casa de Nedino Fernandez, no povoado de Juazeiro, no distrito de Caitité Foto: Valter Campanato/ABr

Um pouco acima da pracinha moram as famílias que consumiram a água supostamente contaminada nos poços artesianos. Entre elas, está o casal Nedino Fernandes, 95 anos, e Antônia de Jesus, que não se lembra ao certo da idade. Lúcido e com aparência bastante saudável para a idade avançada, o morador disse não temer qualquer problema clínico em decorrência do consumo. “Não tenho medo não. Já tomei [a água] e tô perto de morrer mesmo” .

Antônia é mais comedida. Relata ter sentido nos últimos meses fadigas e disenteria, mas não sabe se é por causa da água. Ela conta que, certa vez, ao lavar roupa perto do poço, “veio uma catinga [mau cheiro] forte e fiquei muitos dias com o coração batendo acelerado.” A dona de casa recordou que “o aviso de que o poço estava cheio de veneno” por parte do Greenpeace veio acompanhado de uma recomendação para não se comer frutas nem ovos de galinha dali, porque já estariam contaminados por radiação.

O vizinho do casal, Sinval Neves Dias, 42 anos, suspeita de que a leucemia de sua mulher tenha relação com o uso da água. Enquanto espera um resposta conclusiva das autoridades, reclama, porém, que comercializar a produção local ficou praticamente impossível. “O pessoal de fora não quer mais comprar produtos da região. Se levar na feira e falar que é daqui, não vende”.

Dias classifica as atividades da INB, apesar dos empregos gerados, de nociva para a região. “Eles tiram muita água do lençol freático”, assinalou. “Até hoje a a gente não sabe se essa radiação vai provocar contaminação nas crianças e se vamos ter algum auxílio para tratar”, acrescentou.

Outro que se incomoda com a incerteza e confessa temor é Sinvaldo dos Santos, 37 anos. “ Tem que ficar com medo. Ninguém sabe se [a radiação] é da terra ou da INB”.

Já Zelito Pereira, 63 anos, acha que o assunto teve repercussão exagerada sem uma certeza da real situação. “Por enquanto é só converseira e a firma [INB] fala que não tem contaminação”.

A Defesa Civil do estado da Bahia lacrou os poços suspeitos de contaminação e encaminhou caixas com 8 mil litros d’água para as famílias.

No centro da polêmica está o agricultor Valdemar Batista, conhecido como “Lourinho”, dono do maior poço lacrado, do qual a água era redistribuída aos demais. Ao receber a visita da Agência Brasil, ele inicialmente aceitou conversar desde que fosse “sem anotar nada” ou fazer imagem. Depois de alguns minutos, menos desconfiado, concordou em conceder entrevista e desabafou.

Lourinho se considera o maior prejudicado pela ação do Greenpeace e, enquanto não há um diagnóstico absoluto de contaminação, reluta em acreditar que a água usada há tanto tempo possa ser responsável por problemas de saúde.

“Meu problema são os prejuízos. Não consigo vender mais os produtos da roça, que cuidamos com todo capricho, e a empresa de latícinios parou de pegar meu leite”, reclamou. Marcela Cardoso, gerente da cooperativa sediada no município de Lagoa Real, confirmou o veto temporário ao leite de Lourinho. “Temos que esperar as análises técnicas e a decisão da Justiça”.

Alguns moradores dizem que Lourinho protege a INB. Ele, por sua vez, demonstra estar magoado com o que considera uma ingratidão dos vizinhos, uma vez que aceitou que técnicos da INB puxassem água de seu poço para beneficiar outras casas.

“São pessoas que não têm coragem de trabalhar e ficam esperando indenização”, criticou o agricultor, ao citar o caso de moradores que têm dado entrevistas em tom dramático para emissoras de TV. Ele atacou também o Greenpeace. “É um povo sem respeito. Entraram na minha propriedade sem autorização e falaram que estavam fazendo trabalho de escola.”

Depois de o agricultor permitir fotos de suas plantações de abóbora, tomate e melancia, o filho de Lourinho, Edmílson, reclamou do constrangimento de levar produtos para a feira e “ ainda ter que ouvir piadinhas” sobre a qualidade dos mesmos. O plano de investir na expansão de hortaliças ficou em compasso de espera, mas a família garante que continuará consumindo sua água e a produção própria sem nenhum temor.

A reportagem foi até a entrada das instalações da INB tentar falar com algum gerente. Apesar de ser domingo, havia turno de trabalho, mas os seguranças informaram que uma entrevista teria de ser agendada no dia seguinte e disseram não ter condições de passar um telefone de contato de algum responsável.

Enquanto não houver um pronunciamento técnico definitivo sobre a polêmica, a suspeita de água contaminada permanecerá como único fato a perturbar a pacata cidade.

Matéria de Marco Antônio Soalheiro, da Agência Brasil, publicada pelo EcoDebate, 18/11/2008.

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