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O novo pacto mundial dos alimentos, artigo de Walter Belik

milho

[Valor Econômico] Juntando-se ao coro das instituições que estão defendendo uma nova arquitetura nas relações econômicas entre os países a Organização das Nações Unidas (ONU) alertou, na edição de 2008 da World Economic and Social Survey, para a o fato de que “os mercados não podem mais ser deixados aos seus próprios cuidados no que se refere à necessidade de atingir níveis adequados e desejados de segurança econômica”. Cresce o alarido para que a comunidade internacional promova uma reforma nas instituições globais que surgiram no pós-guerra. Uma agenda com três pontos se apresenta: novos mecanismos de regulação financeira com a re-fundação do acordo de Bretton Woods, um Plano Marshall revisitado e, finalmente, um New Deal para a política alimentar global.

No epicentro da crise já se começa a discutir um novo sistema financeiro global. São várias as propostas de renovação do FMI envolvendo a coordenação dos bancos centrais e novos mecanismos compensatórios para as economias em desenvolvimento. A reunião do G-20 em São Paulo nessa semana foi um passo importante nessa discussão.

Da mesma forma, começa-se a se delinear um plano mais ousado de apoio aos países devastados por conflitos étnicos ou desastres naturais. Ou seja, um Plano Marshall moderno que pudesse substituir a tradicional intervenção das Forças de Paz e mais de acordo com a nova geopolítica do mundo. O aquecimento global vem provocando um número cada vez maior de catástrofes e de vítimas demandando um mecanismo permanente de apoio à zonas conflagradas. Nesse caso, já está em funcionamento uma espécie de coordenação de agências multilaterais e de países doadores para que, rapidamente, se possa não só mitigar os efeitos desses eventos como também construir um sistema de prevenção e alerta.

Com relação ao último ponto da agenda – uma atuação conjunta no campo da alimentação, encontra-se atualmente emperrada uma ação global visando construir novos instrumentos que possam atacar o problema da instabilidade. Observa-se, por exemplo, que, em nível internacional, entre janeiro e julho desse ano o preço médio das commodities acumulou uma alta de 30% e, mais tarde, entre agosto e novembro esses preços recuaram mais de 60%, com oscilações que poderiam deixar mareado qualquer analista.

Alguns preços agrícolas continuam elevados em termos internacionais e também no Brasil, como é o caso dos grãos, batata, óleos vegetais, rações e frutas. Outros já voltaram aos níveis (ainda elevados) do ano passado, como é o caso das carnes e do leite. No entanto, de maneira geral os preços dos insumos como fertilizantes e agroquímicos continuam exatamente nos mesmos patamares recordes dos meses anteriores, pressionando os preços agrícolas para cima. O impacto desse movimento de alta no custo de vida e para a segurança alimentar dos países em desenvolvimento é devastador.

O mecanismo do New Deal global para os alimentos consistiria precisamente em garantir a produção agropecuária dos países em desenvolvimento, que é consumida pelos países ricos, através do seu escoamento para a África e outras regiões afetadas pela crise. Estima-se que o PIB deverá cair 0,7% nos Estados Unidos e 0,5% na Europa em 2009. Assim, uma parte do consumo de alimentos desses países, que não ocorrerá por conta da recessão, poderia ser redirecionado para os países em dificuldades, mantendo-se a renda dos produtores dos países pobres ou em desenvolvimento. Pensa-se também em acoplar esse movimento a uma política de transferências de renda – do tipo Bolsa Família, ou a uma renda mínima permitindo que as populações em situação de vulnerabilidade tivessem acesso ao alimento através de mecanismos de mercado. Essas medidas tornam-se cada vez mais necessárias tendo em vista que, com a desaceleração mundial, os países desenvolvidos poderão se fechar ainda mais, reduzindo o comércio e a oferta global de alimentos.

Não por coincidência, vale relembrar que dentro do espírito de Bretton Woods e dos organismos de regulação que estavam sendo criados no pós-guerra foi cogitada a criação de uma Comissão Mundial de Alimentos, em 1947. Essa instituição funcionaria como uma grande câmara de compensação mercantil para os alimentos básicos com a finalidade de evitar a especulação com estoques e regular a produção e o consumo entre os países. O que está se buscando no presente é retomar esse antigo projeto, que não saiu do papel, permitindo que países em dificuldades possam “tomar emprestados” alimentos de outros países mantendo-se o nível de produção e evitando a gangorra de preços.

Essa política parece ser mais do que necessária no momento que a FAO – Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação estima a existência de 931 milhões de indivíduos subnutridos no mundo – com um crescimento de 100 milhões em relação ao ano passado, ao mesmo tempo que se prevê uma redução da oferta de alimentos. Segundo esse organismo, o mundo possui atualmente 82 países com déficits alimentares associados à pobreza das suas populações. No agregado, esses países produzem um total de 906 milhões de toneladas de cereais, mas necessitam de outros 83 milhões para cobrir as suas necessidades. Uma parte da diferença é obtida com importações e outra com a ajuda internacional. Estima-se que esse déficit deverá custar para o conjunto desses países um total de US$ 38,6 bilhões sendo US$ 22 bilhões só para o trigo em 2008. A situação mais crítica é a da África cujo déficit alimentar em cereais chega a 25% do consumo, o que demandaria US$ 17,8 bilhões de importações aos preços atuais.

Pelas contas da ONU, seriam necessários “apenas” US$ 30 bilhões para promover esse New Deal alimentar a cada ano, o que parece pouco diante do que se está despejando para salvar o sistema financeiro. O tema entrou na pauta na Conferência de Cúpula de Roma, realiza em junho com a participação de 180 países, mas não resultou em nada e nem consta na declaração final. Aparentemente faz falta uma instituição mundial que possa passar o chapéu e coordenar essa política. Confessadamente nesse caso, não se trata de revisar o papel dos organismos internacionais, mas sim dar luz a um mecanismo novo que havia sido pensado há 50 anos e que continua necessário.

Walter Belik é professor livre-docente e membro do Núcleo de Economia Agrícola e Ambiental do Instituto de Economia da Unicamp.

[EcoDebate, 15/11/2008]

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2 thoughts on “O novo pacto mundial dos alimentos, artigo de Walter Belik

  • Julguei estar a ler um artigo sério, mas ao chegar à questão do aquecimento global (a maior mentira actual), vi que é apenas propaganda da igreja algorista.

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