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Para embaixador, apontar trabalho escravo na plantação de cana-de-açúcar é distorcer a realidade (Leiam, também, nota do EcoDebate)

[Point slave labour in planting of cane sugar is distort reality, says ambassador]

O subsecretário-geral de Energia e Alta Tecnologia do Itamaraty, André Amado, em entrevista sobre a Confêrencia Internacional sobre Biocombustíveis Foto: Valter Campanato/ABr
O subsecretário-geral de Energia e Alta Tecnologia do Itamaraty, André Amado, em entrevista sobre a Confêrencia Internacional sobre Biocombustíveis Foto: Valter Campanato/ABr

Não se pode dizer que há trabalho escravo na plantação de cana-de-açúcar somente por ser possível encontrar na atividade situações de trabalho em condição degradante. Foi o que afirmou ontem (3) o subsecretário-geral de Energia e Alta Tecnologia do Itamaraty, embaixador André Amado. Para ele, isso seria uma distorção da realidade.

“Eu acho que é uma distorção da parte de pessoas que querem [simplesmente] distorcer [a realidade], não é uma alegação que se baseie em fatos”, disse Amado durante entrevista coletiva sobre a Conferência Internacional sobre Biocombustíveis.

Questionado sobre o que o governo brasileiro diria frente a críticas de que o setor de produção de açúcar e álcool emprega pessoas em condições análogas à escravidão o embaixador afirmou que existe uma confusão sobre o que seria trabalho escravo e o que é, na definição da Organização Internacional do Trabalho (OIT), trabalho em condição degradante.

“O que nos deixa um pouco indignados é essa preocupação de qualificar o trabalhador rural, porque faz um trabalho muito difícil, à luz do sol, horas a fio, como um escravo. Por quê? Ele tem condições muito difíceis de vida, mas são condições muito difíceis de vários trabalhadores rurais e urbanos brasileiros e nem por isso eles podem ser considerados como escravos. Isso faz parte de uma campanha de denegrimento da atividade de produção de biocombustíveis no Brasil”, argumentou.

De acordo com o embaixador, mesmo os movimentos sociais concordam que, pelo menos em São Paulo, estado responsável por cerca de 60% da produção de cana-de-açúcar do Brasil, os casos encontrados seriam de trabalho em condições degradantes e não trabalho escravo.

Sobre o emprego de crianças na lavoura de cana, Amado concordou que sua existência é provável, mas argumentou que não há como dizer a um produtor no Nordeste, por exemplo, que não empregue o seu filho. “O governo está dizendo isso há muito tempo, o Ministério do Trabalho está dizendo isso há muito tempo, o Ministério Público está fiscalizando isso, mas um que outro caso continua acontecendo e isso é suficiente pra botar o rótulo em toda a atividade como empregadora de crianças?”, questionou.

Ainda de acordo com Amado, os ganhos sociais da produção de etanol no Brasil são muito grandes. Segundo ele, a atividade emprega cerca de 1 milhão de trabalhadores e o setor é o que mais tem carteiras assinadas. “É impressionante o que esse setor incorporou de mão-de-obra talvez flutuante ou desempregada nas áreas de plantação de cana-de-açúcar”, destacou.

A Conferência Internacional sobre Biocombustíveis será realizada em São Paulo, de 17 a 21 de novembro. Ela foi anunciada pelo presidente Lula na Assembléia Geral das Nações Unidas do ano passado e deve contar com a presença de representantes de vários países, incluindo técnicos e ministros.

Matéria de Ana Luiza Zenker, da Agência Brasil, publicada pelo Ecodebate, 04/11/2008.

Nota do EcoDebate:

É difícil de acreditar que o subsecretário-geral de Energia e Alta Tecnologia do Itamaraty “esconda” o trabalho escravo atrás do trabalho degradante por mera desinformação, como se o Grupo Móvel de Fiscalização do Ministério do Trabalho e Emprego não existisse.

Aliás, pouco importa se trabalho escravo ou “apenas” degradante porque é inaceitável de qualquer forma e sob qualquer argumento.

Inaceitável também a ocultação do trabalho infantil nos canaviais com o argumento de que “que não há como dizer a um produtor no Nordeste, por exemplo, que não empregue o seu filho”. Ninguém nunca ouviu falar de usineiro que tenha colocado os próprios filhos na colheita da cana. É impossível ser tão desinformado a ponto de achar que os canaviais são atividades da agricultura familiar.

As condições de trabalho nos canaviais, quer seja degradante ou escravo, é um tema importante demais para ser tratado com superfialidade marketeira ou com leviandade.

Já sabemos o “apreço” deste governo pelo etanol e seu esforço mascate de vende-lo pelo mundo afora, razão da convocação Conferência Internacional sobre Biocombustíveis.

Agora, incomodado pelas críticas ao trabalho escravo nos canaviais e pressionado pelos movimentos sociais, o governo resolveu simplesmente negar o trabalho escravo, com o risível argumento de que ele é apenas degradante. Não sei como definir esta atitude ambígua, que nega o trabalho realizado pelo MTE e seus incontáveis registros de resgates de trabalhadores nos canaviais, tanto pelo trabalho degradante como pelo escravo, apenas para “vender” melhor o etanol.

O governo pode negar a realidade o quanto quiser porque isto não altera os fatos.

Os movimentos sociais e a mídia popular não mudarão de posição em suas criticas e questionamentos.

Do governo Luiz Inácio da Silva espera-se muito mais do que evitar o problema do trabalho escravo ou degradante na produção da cana-de-açúcar. De um governo popular espera-se, no mínimo, três atitudes: (1) explícito apoio à aprovação da Proposta de Emenda Constitucional 438/2001 que prevê o confisco de terras onde trabalho escravo foi encontrado e as destina à reforma agrária; (2) incondicional apoio ao trabalho do Grupo Móvel de Fiscalização do Ministério do Trabalho e Emprego; e (3) exigir que o setor produtivo do etanol que se submeta a um sistema de certificação sob controle social.

Enquanto isto não acontece, não temos outra alternativa além de continuar a “bater bumbo”, denunciando e questionando mais esta equivocada opção desenvolvimentista.

Henrique Cortez, henriquecortez@ecodebate.com.br
coordenador do EcoDebate

[EcoDebate, 04/11/2008]

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2 thoughts on “Para embaixador, apontar trabalho escravo na plantação de cana-de-açúcar é distorcer a realidade (Leiam, também, nota do EcoDebate)

  • Jorge Gerônimo Hipólito

    A manifestação do subsecretário, talvez, esteja refletindo a subconsciência dos capitalistas brasileiros. Eles, provavelmente, foram na infância meninos privilegiados pelas circunstâncias e, notadamente, nunca enfrentaram dificuldades análogas. Obviamente, não tem culpa da origem. Numa certa época, os capitalistas brasileiros importavam africanos para aqui trabalharem, talvez, em troca da farinha de mandioca e, na hipótese de alguma contrariedade o mourão se fazia presente para sustentar o negro e, assim, satisfazer o ego desgraçado daqueles que nem de longe imaginariam o que poderia ser escrúpulo e que ali desabafariam as suas fraquezas em cada chibatada desferida. Assim, foi o início da escravidão no Brasil, mas o tempo passou e a escravidão foi mudando de padrão. Atualmente, no Brasil há quem sugere emprego e renda com um contracheque de um salário mínimo. Quem assim sugere também não vê que esses assalariados apenas subsistem, pois, não tem acesso à educação, moradia, saúde, aposentadoria etc. Ah, às vezes recebem o bolsa família, na verdade pouco difere da porção de farinha de mandioca de outrora. E pior, aqueles que pagam o bolsa família são capitalistas, mas gostam de ser chamados de socialistas. Muitas autoridades brasileiras e por que não desse mundo afora, não tem idéia do que seja trabalhar hoje para pagar o que comeu na semana passada. Isso quando ainda se tem o crédito, pois há momentos que a fome faz sofrer e não há a quem recorrer. Mormente, o próprio empregador (alguns) se encarrega de providenciar o sustento, nesse caso o trabalhador jamais consegue pagar a dívida. Alguns empregadores empresários até recebem homenagem, pois contribuem para o desenvolvimento do país. Às vezes, as empresas até conseguem o selo ISO… em decorrência do comportamento invejável, pois, investing in the search for excellence in quality.
    The other side of reality workers hungry swoon with the burning sun. This is quality honorable secretary? This is not slave labor?

    Jorge Gerônimo Hipólito

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