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Cresce pressão pela aprovação de proposta de combate ao trabalho escravo

[Growing pressure to approving a proposal to combat slave labor]

A Proposta de Emenda Constitucional nº 438 é defendida por organizações e movimentos sociais como um dos instrumentos mais eficazes para combater o trabalho escravo no país

Movimentos sociais, organizações de direitos humanos, órgãos governamentais e a sociedade civil intensificam a luta pela aprovação da Proposta de Emenda Constitucional nº 438/2001, conhecida como a PEC do Trabalho Escravo, que há sete anos tramita no Congresso Nacional.

No último dia 17, foi realizado um ato nacional pela aprovação da proposta em várias regiões do país, com a coleta de assinaturas para um abaixo-assinado, que será entregue ao presidente do Congresso Nacional, senador Garibaldi Alves Filho (PMDB-RN).

De acordo com Leonardo Sakamoto, da Organização não-governamental Repórter Brasil e membro da Comissão Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo (Conatrae), o objetivo do abaixo-assinado é pressionar o Congresso pela aprovação da PEC.

Na Constituição Federal, o artigo 243 prevê a expropriação, confisco sem direito a remuneração, de terras onde forem encontrados cultivos de plantas psicotrópicas ilegais, como a maconha. A Emenda propõe que esta expropriação seja feita, também, em locais que se encontrar trabalhadores submetidos a condições de trabalho análogas à escravidão, e que essas terras sejam direcionadas à reforma agrária.

Frei Xavier Plassat, da coordenação da Campanha Nacional de Combate ao Trabalho Escravo da Comissão Pastoral da Terra (CPT), defende que a aprovação da PEC será uma punição exemplar, porque propõe que o que antes foi usado como instrumento de opressão seja transformado em oportunidade de trabalho através da reforma agrária.

“O confisco da terra, além de ser uma punição (ao proprietário de terras), se tornará uma oportunidade de trabalho(aos trabalhadores oprimidos)”, pontua.

Oposição ruralista

A PEC 438 tramita no Congresso Nacional desde o ano de 2001. Em primeira votação no Senado federal, ela foi aprovada com unanimidade e encaminhada à Câmara de deputados. No entanto, a proposta ficou parada na Câmara até o ano de 2004, quando por pressão exercida por entidades civis e de direitos humanos- impulsionada pelo assassinato de três auditores fiscais e um motorista do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), em Unaí (MG), durante uma emboscada em janeiro do mesmo ano- voltou à pauta.

Em agosto de 2004, a matéria foi votada e aprovada em primeiro turno na Câmara, e aguarda desde então a votação em segundo turno. Após ser aprovada, terá de ser encaminhada novamente ao Senado, pois sofreu um acréscimo em seu texto no que diz respeito a especificação das propriedades que poderão ser confiscadas, agora detalhadas em rurais e urbanas.

Sakamoto explica que o impasse na aprovação da proposta deve-se à forte pressão da chamada bancada ruralista no Congresso, que considera a PEC muito rígida.

Para Frei Xavier Plassat, os motivos para a demora na aprovação da proposta são “puramente políticos”, impulsionados pelos ruralistas e a Confederação Nacional de Agricultura e Pecuária (CNA).

“É uma oposição feroz da bancada ruralista, que hoje diz, por um lado, que é contra o trabalho escravo e assina o Plano para a Erradicação do Trabalho Escravo e, por outro lado, através da CNA, diz que nunca viu trabalho escravo no Brasil, que é um exagero”, protesta Plassat.

Leonardo Sakamoto explica que a força da bancada ruralista no Congresso reflete o modelo de desenvolvimento brasileiro, que é atrelado ao ganho com as commodities, ficando assim dependente do agronegócio. “Nosso modelo de desenvolvimento se ancora nas commodities e fica dependente da influência do agronegócio e da bancada ruralista. Falta uma ação política mais forte por parte do governo”, avalia.

Má interpretação

Um dos entraves à erradicação do trabalho escravo no Brasil é a forma de interpretação feita por dos diferentes setores e órgãos governamentais sobre a maneira que a exploração acontece.

Frei Xavier Plassat descreve que o processo de escravidão começa com o aliciamento de pessoas sem alternativa de emprego, sem terras, analfabetos e indocumentados por meio dos subcontratantes, os chamados “gatos”. Estas pessoas aceitam as ofertas de trabalho, mesmo que precárias, e vão às fazendas, longes de seus locais de origem, onde são submetidas à situações de escravidão.

“As demandas são para a pecuária de gado no interior do Pará, norte do Mato Grosso e Tocantins. As tarefas são limpeza de pastos e abertura de mais pastos com desmatamento”,resume.

Plassat também informa que outras atividades, como o trabalho nas lavouras de soja, cana-de-açúcar, de tomate, café e algodão, passaram a assumir uma parte muito importante das ocorrências de trabalho escravo.

“Do total dos libertados de 2003 até hoje, a cana-de-açúcar representa 26%, as outras lavouras 16% e a pecuária 40%. Também há a produção de carvão vegetal, que detém de 2% a 8% dos libertados”, pontua Plassat.

“O trabalho escravo é a conjunção de condições extremamente degradantes de trabalho com algum meio de cerceamento da liberdade, seja por confisco de documentos, afastamento geográfico, falta de pagamento ou dívida fraudulenta”, aponta o representante da CPT.

“Há várias situações, mas a grosso modo é uma situação que alia um trabalho degradante e algo que impede que a pessoa se distancie do trabalho”, simplifica Sakamoto.

Frei Xavier Plassat conta que todo sistema é uma armadilha, desde a chegada do trabalhador às fazendas, até sua estadia e alimentação, que lhe geram uma dívida com o gato ou fazendeiro, fazendo com que ele fique preso àquele trabalho. “As condições degradantes em si são restrições à liberdade”, acrescenta.

Os fazendeiros e membros da bancada ruralista, por sua vez, defendem que não há situações de escravidão, mas sim problemas trabalhistas, lembra Plassat. Para ele, esta é uma estratégia usada para para que a PEC 438 não seja aprovada na Câmara e não retorne à votação no Senado.

Os Estados que concentram a maior parte das ocorrências são Bahia, Ceará, Maranhão, Mato Grosso, Pará, Piauí e Tocantins.

Ações de combate

Além da PEC do trabalho escravo, outros mecanismos são usados para o combate à essa prática no país. Criado em 1995, o Grupo Móvel do Ministério do Trabalho, atua na fiscalização de fazendas e resgate de trabalhadores encontrados em situações análogas à escravidão.

Frei Xavier Plassat conta que desde a criação do Grupo cerca de 32 mil trabalhadores foram resgatados. Somente neste ano, entre janeiro e setembro, o Ministério do Trabalho divulgou que foram resgatados 3,4 mil trabalhadores.

Para Plassat, a aprovação da PEC auxiliaria o trabalho do Grupo Móvel, porque com a punição exercida por ela, não haveria reincidência de trabalho escravo nas terras expropriadas. “A aprovação ajudaria no sentido de não se ter que libertar 2, 3 ou 4 vezes as mesmas pessoas, que voltaram a se escravizar por não haver mudanças”, explica.

Leonardo Sakamoto destaca que o trabalho do Grupo Móvel gera ações civis públicas movidas pelo Ministério do Trabalho contra os fazendeiros que exercem tal prática, gerando assim indenizações.

Outra forma de repressão, utilizada pelo Ministério do Trabalho e a Conatrae, é a lista suja, que reúne o nome dos fazendeiros ou empresas que tenham sido flagradas exercendo a escravidão de seus trabalhadores. O cadastro dos infratores dura dois anos e impede que tenham financiamentos de órgãos públicos, bem como acarreta prejuízos em suas relações comerciais.

“Suas cadeias produtivas são investigadas, todas as empresas que compram produtos oriundos destas pessoas são formalmente convocadas para não fazerem mais negócios com eles e a assinarem o Plano para a Erradicação do Trabalho Escravo”, afirma Plassat.

No entanto, Sakamoto lamenta que não se enfrente o problema do trabalho escravo de forma mais efetiva. “No Brasil a justiça é muito mais favorável ao latifundiário. O mais forte instrumento de combate seria um reforma agrária mais ampla, efetiva”, protesta. Para ele, a reforma agrária é a melhor forma de se acabar com a exploração do trabalho, que é fruto do modelo de desenvolvimento em que vivemos. “O trabalho escravo não é uma doença, é um sintoma desse modelo de desenvolvimento predatório”, completa.

Frei Xavier Plassat defende a necessidade de punições mais rigorosas para o combate ao trabalho escravo. Para ele, os instrumentos de pressão financeira e comercial têm crescido com bastante efetividade, mas falta o uso de condenação penal.

“Deveria-se ter a condenação penal, o trabalho escravo é, antes de uma ação trabalhista, um crime passível de 2 a 8 anos de reclusão, segundo o artigo 149 do Código Penal”, esclarece Plassat.

No entanto, para que isto ocorra, Frei Xavier explica que é preciso determinar qual órgão têm competência para julgar as causas ligadas ao trabalho escravo. Segundo ele, há um impasse em relação a esta questão. “O Supremo Tribunal Federal definiu a Justiça Federal como competente, mas não publicou a decisão. Assim, ela só pode fornece uma orientação, mas não definitiva. Existe a possibilidade de o advogado do réu contestar a competência do juiz federal que o está julgando. Por isso temos pouquíssimas condenações penais”, analisa.

* Nota distribuiída pelo cptnac@grupos.com.br

[EcoDebate, 04/11/2008]

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