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Notícia

Poluição hoje é maior foco de tensão social na China. Entrevista com Ma Jun, jornalista e ambientalista chinês

MA JUN , 40, é o ambientalista mais famoso da China
Ambientalista que criou site que revela empresas poluidoras diz que não é visto como dissidente

MA JUN , 40, é o ambientalista mais famoso da China, país responsável por algumas das maiores devastações ambientais do planeta nas últimas décadas e atual campeão mundial de emissões de gases de efeito estufa. Apontado como uma das cem personalidades mais influentes do mundo pela revista americana Time, ele foi premiado pelo governo chinês como o “homem do ano na China Verde” em 2006.

“O governo sabe que a poluição é o maior problema hoje da China, foco de protestos, doenças e instabilidade social, então não sou visto como dissidente, meu trabalho é útil”, diz.

Ele criou um site na internet (www.ipe.org.cn) que revela quais são as empresas que mais lançam detritos químicos nos rios chineses e monitora atividades de governos locais.

Na década passada, como jornalista, escreveu sobre a seca do rio Amarelo e o “estuário da morte” no delta do rio das Perólas, antes de criar sua ONG, o Instituto de Assuntos Ambientais Públicos. Em 1999, escreveu o considerado primeiro grande livro sobre a tragédia ecológica no país, “A Crise da Água na China”. Por Raul Juste Lores, de Pequim, Folha de S.Paulo, 26/10/2008.

Leia abaixo trechos da entrevista que concedeu no escritório de sua organização, em Pequim.

TENSÃO POLÍTICA

O estrago ambiental é a maior causa de protestos e tensão social na China. Trezentos milhões de chineses não têm acesso a água limpa, 200 milhões vivem em cidades com o ar poluído. Dois terços das 600 grandes cidades chinesas sofrem com falta d’água. Há milhares de incidentes, protestos e passeatas. O governo começou a se preocupar. Estabilidade é o maior objetivo do governo.

MUDANÇA SINCERA

Nos anos 1980 e 1990, o discurso aqui era o de desenvolvimento a qualquer custo. Hoje é o da sustentabilidade. É uma mudança sincera, importante. A crise ambiental começou a preocupar muito. Não passa uma semana sem que surjam dezenas de intoxicados por água contaminada, obras que destroem o pouco verde que nos resta. Isso afeta nossa relação com outros países.

VERDE X PROGRESSO

Ainda é difícil transferir essa prioridade do governo em Pequim para os governos locais. Há prefeitos que me ligam muito bravos, perguntando como vão fechar uma fábrica que paga impostos e emprega 6.000 funcionários. Para eles, o desenvolvimento econômico a qualquer preço ainda está em primeiro lugar. Na China, prefeitos ainda são promovidos pelo crescimento do PIB e esse mecanismo precisa mudar.

SACOS PLÁSTICOS

Quando proibiu a distribuição gratuita de sacolas plásticas em supermercados, no início do ano, o governo chinês finalmente teve uma atitude de liderança. Normalmente só seguimos as boas práticas começadas no Ocidente. Nesse assunto, somos vanguarda. Ainda que muita gente esteja comprando os plásticos, é bom que ao pagar, o consumidor consciente veja sua responsabilidade. Gastávamos 2 bilhões de sacolinhas por dia.

LISTA DOS POLUIDORES

Criei o mapa da contaminação da água na China. Pegamos os dados oficiais sobre o tamanho dos dejetos lançados em rios e lagos em 300 cidades e os tornamos públicos. Temos 23. 405 registros de empresas que desrespeitam a lei. Elas que se expliquem. Há um monitoramento de quatro vezes por ano sobre os padrões de concentração química dos dejetos que elas lançam. Há forças-tarefas e visitas de surpresa. Pela quantidade de demanda de oxigênio químico para purificar a água, vemos quando está poluída.

PROPAGANDA

Empresas ficam bravas, prefeitos também. Não é contra eles. O gerente de uma empresa americana viu o nome dela em uma lista e prometeu construir novos equipamentos de tratamento. Outras reciclam água. Cerca de 70 multinacionais se inscreveram na ONG para acompanhar seus avanços, elas ficam preocupadas com nossa guerra de propaganda, com a repercussão. Já as empresas pequenas não estão nem aí.

IMAGEM É TUDO

No futuro, quero que qualquer grande empresa, antes de fazer negócios, procure no site o nome do fornecedor para ver se ele respeita o ambiente. Imagem corporativa é tudo, as empresas gastam muito para falar que são verdes, vamos ver quem é mesmo. A GE e a Wal-Mart estão usando nosso banco de dados, é um começo.

PARTILHA

As grandes fábricas do mundo se mudaram para a China. É vantagem para os dois lados: a China ganhou investimentos, o mundo recebe produtos mais baratos, e as cidades européias e americanas ficaram menos poluídas. Mas o impacto ambiental é só aqui. Reconhecemos que é nosso problema, mas os países desenvolvidos precisam se juntar a nós para resolver um problema de todos.

NÃO É NOSSA VEZ

Não dá para só culpar os países ricos e ficar poluindo sem parar. Isso é um erro, que se volta contra nós. Discordo dessa visão: “Ah, os ricos poluíram, agora é nossa vez”. Quem perde somos nós. No futuro, espero que o mercado decida não pelo mais barato, mas pelo melhor. Os padrões ambientais não podem ficar de lado.

LONGE DA VIRADA

Mesmo que reduzamos 10%, 20% da poluição, o ambiente ainda não está preparado para absorver a poluição que produzimos. Estamos longe da virada. Em tempos de crise, com fábricas fechando e demitindo, a atenção precisará ser dobrada. Muitos vão defender relaxamento nas regras ambientais.

ATIVISMO

Há muito espaço para progredir na China. Durante milênios, nossa cultura não incentivou a participação, nem a transparência. A sociedade civil ainda é pouco ativa, mas melhorou muito. Cinco anos atrás seria impossível fazer o meu trabalho em paz, hoje há espaço para o ativismo. Há limites, tomo cuidado e tenho muita paciência.

MAIS TRANSPARÊNCIA

A China mudou. Há leis que exigem relatórios de impacto ambiental para a abertura de fábricas desde 2003, mas nem todos implementam. O governo chinês abriu os dados, há mais transparência. Em maio passado, o governo aprovou medidas de revelação de informação ambiental, com 17 dados que precisam estar abertos.

Frases

“No futuro, quero que qualquer grande empresa, antes de fazer negócios, procure no site o nome do fornecedor para ver se ele respeita o ambiente. Imagem corporativa é tudo”
MA JUN ambientalista chinês

“Não dá para só culpar os países ricos e ficar poluindo sem parar. Isso é um erro e que se volta contra nós. Discordo dessa visão: “Ah, os ricos poluíram, agora é nossa vez”. Quem perde somos nós”
IDEM

[EcoDebate, 28/10/2008]

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