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Fórum sobre tecnologias sociais visa impulsionar agricultura familiar


Tradicionalmente, quando se fala de agricultura no Brasil, o foco é o agronegócio voltado para exportação, que usa pacotes tecnológicos de transnacionais estrangeiras em grandes propriedades. No entanto, o último censo agropecuário, realizado em 1996, aponta que as pequenas propriedades têm uma significativa colaboração na produção total de alimentos e emprega a grande maioria dos trabalhadores rurais. Por isso, o estímulo às tecnologias sociais, que atendam aos agricultores familiares, é considerado por especialistas como fundamental para o desenvolvimento das pequenas propriedades e da agricultura como um todo. Com o intuito de estimular e ampliar a visibilidade das experiências em inovação sociotécnica para a agricultura familiar existentes no Brasil, o Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) lança o Fórum de Difusão Científica sobre Tecnologia Social, que recebe inscrições até o dia 30 de setembro de 2008. Por Alessandro Piolli, da ComCiência.

O resultado esperado desse Fórum é a organização de autores, entidades, projetos, núcleos de pesquisa e associações em torno de seis redes cooperativas de pesquisa e extensão para a criação da chamada Rede Temática de Tecnologias Sociais. Para Ricardo Neder, professor do Centro de Desenvolvimento Sustentável da Universidade de Brasília (UnB), cada rede de pesquisa e extensão de tecnologias sociais no MDA terá como meta a identificação, sistematização e construção de estratégias de divulgação e integração das pesquisas e experiências de inovações sociotécnicas, voltadas para a agricultura familiar e os assentamentos da reforma agrária. Isto abrirá, segundo Neder, que atua como consultor do MDA na criação dessa Rede, a linha de financiamentos permitida pela Lei de Inovações brasileira também ao modelo agroecológico e agricultura familiar sustentável.

De acordo com Mohammed Habib, professor do Instituto de Biologia e pró-reitor de extensão da Unicamp, no modelo do agronegócio voltado para exportação os países pobres desenvolvem sementes adaptadas às condições locais, fornecem os recursos naturais e as condições físicas para a produção. Já os países ricos participam com a industrialização e os produtos passíveis de pantenteamento, principalmente das indústrias químicas e de máquinas, ficando com a maior fatia dos lucros. Segundo ele, atualmente essa relação piora com as sementes transgênicas, também patenteadas, que exigem pagamento de royalties. Daí a importância das tecnologias sociais para a agricultura familiar: “nossa produção agrícola não tem valor agregado, pois não é beneficiada, vendemos matéria prima, além disso, não podemos nos alimentar de produtos nocivos e que visam somente o lucro, a agricultura deve ser uma atividade que tenha como base e objetivo a saúde humana”, analisa Habib.

Algumas tecnologias desenvolvidas para o pequeno agricultor já existentes nas universidades e centros de pesquisas brasileiros, possibilitam, na avaliação de Habib, formas mais rentáveis e benéficas ambientalmente, como técnicas e artefatos para controle biológico e agroecologia. “O que precisamos para a agricultura familiar são políticas públicas, maior interação entre a sociedade e pequenos agricultores, investimento no desenvolvimento científico e tecnológico para geração de tecnologias sociais e meios alternativos para uma produção que seja, ao mesmo tempo, saudável e preserve nossa diversidade”, conclui.

Difusão das tecnologias sociais e agricultura

“Ciência básica ou aplicada, tecnologia e inovação dependem, em grande parte, da origem social de classe, história cultural e familiar, ligações pessoais e institucionais dos quadros durante a pós-graduação e vida profissional”, afirma Neder. A alta concentração de produção científica e tecnológica no território centro-sul do Brasil seria, de acordo com ele, uma evidência disso. Por essa razão, atualmente, a percepção e apreensão dos saberes, as capacidades populares e as demandas sociais dependem de interlocutores entre a base da sociedade e da economia social. Na avaliação do professor da UnB, esses interlocutores têm, em grande parte, saído das escolas públicas de ensino fundamental e do ensino técnico.

Isso ocorre, de acordo com Neder, porque as redes de escolas fundamentais e técnicas fazem parte de um pequeno grupo de instituições capazes de fornecer os contingentes sociais para difusão de experiências sociotécnicas e tecnologia social no binômio apropriabilidade-reaplicabilidade na sociedade. “O ensino fundamental e técnico potencialmente rompe, em situações e casos concretos, uma circularidade viciosa: especialistas e pesquisadores científicos não se interessam por tecnologias sociais porque não há base social organizada para recebê-los enquanto pessoas e conhecimentos, mas igualmente como sujeitos abertos a intercambiar conhecimento por saberes”, completa.

No caso das universidades e demais instituições científicas, Habib acredita que é necessário que as tecnologias sociais sejam institucionalmente reconhecidas como importantes e estratégicas. Além disso, deveria haver um maior reconhecimento dos docentes que desenvolvem tecnologias sociais, por exemplo, incluindo esse tipo de atividade como um dos requisitos para ascensão na carreira.

Fórum

A agricultura familiar está inserida em uma complexa rede de relações sociais, o que possibilita aos agricultores fornecer informações fundamentais na elaboração de estratégias de desenvolvimento. Por isso, as tecnologias sociais têm grande potencial para que ocorra uma sinergia entre produtor rural e conhecimento. Na tentativa de possibilitar a constituição de uma ampla rede com os participantes, o Fórum de Difusão Científica sobre Tecnologia Social será virtual. Essa rede será composta por estudos, relatos e experiências de pesquisadores, gestores, técnicos e assessores populares. A idéia é a organização de um sistema de gestão e difusão de conhecimento, em assentamentos e nos Territórios da Cidadania (programa do governo Federal que visa integrar políticas públicas visando minimizar desigualdades regionais no país), acerca dos temas inovação e tecnologia social na agricultura familiar.

Para participar do Fórum de Difusão Científica sobre Tecnologia Social é necessário enviar, até o dia 30 de setembro de 2008, relatos ou descrições de casos e tendências, situações e experiências relacionadas a uma, ou mais, das seis temáticas: projetos de moradia rural e biossistemas; projetos em reciclagem de esgoto humano e animal, associados ou não ao reaproveitamento energético de matérias-primas e resíduos; projetos teóricos e práticos na agroecologia; projetos de aprendizagem e capacitação de redes sociais; projetos de difusão por multimídia e meios eletrônicos de metodologias de envolvimento pedagógico dos sujeitos sociais no campo; e projetos de processamento e/ou artesanato coletivos e de economia solidária.

Após o processo de inscrição, será disponibilizado no fórum virtual o catálogo de pesquisas. A expectativa é fortalecer as tecnologias sociais afins às políticas do MDA e fomentar o debate sobre inovações geradas pelos agricultores. Além disso, o Fórum objetiva criar mecanismos para o aperfeiçoamento de inovações sociotécnicas envolvidas na Lei de Inovação Brasileira. É possível obter mais detalhes sobre a constituição do Fórum – como quem pode inscrever trabalhos, estrutura e dinâmica dos projetos, e critérios de qualificação e cronograma – nos portais do MDA e do Núcleo de Estudos Agrários e Desenvolvimento Rural (Nead).

Da ComCiência, Revista Eletrônica de Jornalismo Científico, SBPC/LABJOR

[EcoDebate, 22/09/2008]