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Pesquisa revela que os brasileiros consideram mudanças climáticas uma prioridade nacional


Pesquisa feita pelo ISER analisa opinião de empresários, governo, congressistas, cientistas, sociedade civil e mídia sobre o tema

O tema das mudanças climáticas entrou definitivamente na agenda dos diferentes atores sociais no Brasil. Cientistas, empresários, ONGs e sociedade civil, mídia, governo e congressistas consideram “alta” a relevância do tema. Todos os setores ouvidos pelo ISER* (Instituto de Estudos da Religião) defendem que as mudanças climáticas representam uma das questões mais importantes e estratégicas do nosso tempo. Os representantes dos setores entrevistados demonstraram ainda interesse em “assumir seu papel” diante da questão das mudanças climáticas.

Os pesquisadores ouviram a opinião de 210 pessoas consideradas líderes em seus respectivos segmentos. A pesquisa é uma iniciativa do ISER. Foi feita entre janeiro e maio de 2008 com o apoio da Embaixada Britânica. “Trata-se de um estudo sobre o nível de informação, engajamento, visões e percepções dominantes de 30 líderes em cada setor selecionado em relação o tema das mudanças climáticas” explica a cientista social do ISER, Samyra Crespo, coordenadora da pesquisa. A pesquisa qualitativa usou a técnica da entrevista em profundidade. Foi realizada em várias cidades e capitais do Brasil. Cada entrevista presencial durou cerca de 50 minutos.

Para os entrevistados, as mudanças climáticas são um fato científico incontestável e elas afetarão todos os segmentos da sociedade, especialmente a população pobre. Embora considerem que tenham pouco conhecimento sobre o assunto, as principais lideranças apresentam os dados do ultimo relatório de avaliação do IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas) como o divisor de águas na formação de uma opinião consistente sobre o assunto.
Segundo os entrevistados, os impactos sociais das mudanças climáticas deverão levar a uma reformulação nas políticas públicas com enfoque na redução das desigualdades e conservação de recursos hídricos.

Desmatamento
Para todos os setores, o binômio desmatamento/queimadas é o maior responsável pelo agravamento das mudanças climáticas. Em segundo lugar, destacaram as fontes veiculares e criticaram o modelo “rodoviarista” adotado pelo país. Por isso, acreditam que o desafio amazônico e a solução dos transportes nas grandes cidades darão o tom às questões relacionadas ao desenvolvimento do país. Em terceiro lugar, mencionam as atividades industriais.

Para a maioria dos entrevistados, a responsabilidade do Brasil perante o mundo no combate às mudanças climáticas concentra-se, principalmente, em quatro ações: conter o desmatamento da Amazônia; rever a matriz de transportes; não sujar a matriz energética brasileira considerada limpa em comparação aos demais países; e priorizar o desenvolvimento de biocombustíveis.

Apenas uma minoria, verificada em todos os setores, considera que o Brasil não deve ceder a imposições vindas de fora, e que o momento é o de negociar vantagens para o país, pois preservar a Amazônia “custa caro”. Segundo esses líderes, o Brasil tem direito a se desenvolver e – como a China e a Índia – não pode pagar o preço que desejam os países desenvolvidos. Para eles, o Brasil deve se abrir para receber recursos estrangeiros destinados à conservação das florestas tropicais. Praticamente a totalidade dos entrevistados mostrou-se preocupada com o futuro da Amazônia, enxergando nela nosso “problema e solução”.

“A idéia presente na maioria das respostas é a de que conter o desmatamento é um problema, pois significa mudar o modelo de uso do solo na região, tida como enorme e diversa”, explica Samyra Crespo. Segundo ela, os entrevistados consideram que a Amazônia não é somente importante para o mundo, mas também para o Brasil. “A questão é provar para os agentes econômicos que a floresta vale mais em pé do que derrubada para produzir madeira, gado ou soja”, diz Crespo.

Biocombustíveis
Para uma parte expressiva dos entrevistados, os biocombustíveis são uma ‘janela de oportunidades’. Os entrevistados falam entusiasticamente da chance de o Brasil contribuir para combater o problema, não só com o etanol, mas com uma economia de biomassa de baixo carbono. Para esses entusiastas, o Brasil tem território, tecnologia e apoio das elites.

Mais e menos engajados
Entre os setores entrevistados, os cientistas são os mais preocupados, engajados e bem informados, e os Congressistas o mais fracamente posicionados em termos de consistência e engajamento. O Congresso admite que ainda não dá a devida importância à questão climática. Para os parlamentares, isso se deve ao fato de que o Executivo ainda não se definiu. Segundo eles, “sem sociedade e governo, o parlamento pode fazer pouco”.

Brasil como liderança
Para uma parte significativa dos entrevistados, o Brasil vem, equivocadamente, desprezando a chance de liderar uma iniciativa relevante, tornando-se líder dos países emergentes. O país tem perfeitas condições para isso, pois se trata de uma “potência ambiental”. A maioria desconhece a proposta que a diplomacia brasileira apresentou em Bali – a do desmatamento evitado – e quem disse conhecer criticou a proposta por considerá-la de difícil operacionalização; mesmo aqueles que simpatizaram com a proposta, consideram que há necessidade de aprimorá-la.

Para a maioria absoluta dos entrevistados, quem deve liderar o processo de engajamento do Brasil, dentro e fora do país, é o governo. Trata-se de “tarefa de estado”, disseram. Depois que o governo sinalizar para a sociedade que está levando o assunto a sério, os demais atores tendem a se engajar. Pela ordem, além do próprio governo, foram citados, o empresariado, a sociedade civil e a mídia. A maneira que o governo tem para fazer a sinalização sobre suas intenções é aprovar uma política nacional para as mudanças climáticas e discutir a sua implementação com todos os setores.

A totalidade dos entrevistados considera que a Europa está na vanguarda em termos de metas de redução de emissões e de programas de adaptação e mitigação, mas a maioria não sabe citar os programas ou não conhece detalhes. Individualmente, os países mais citados foram Alemanha, Holanda e Dinamarca; os mais criticados foram EUA, Rússia e China.

A maioria declarou ser possível compatibilizar crescimento econômico e reduzir emissões, ou seja, não agravar ainda mais o fenômeno das mudanças climáticas. Para os representantes do setor econômico, os efeitos das mudanças climáticas atingirão em cheio os negócios, o consumo e as políticas de preços. A opinião geral é de que deverá haver uma transição para uma economia de baixas emissões de gás carbônico, mas ninguém arrisca a dizer quem pagará a conta dessa mudança na economia.

Clique aqui para ler o relatório de divulgação da pesquisa (arquivo no formato PDF)

[EcoDebate, 19/09/2008]