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Nota do Ecodebate sobre a matéria ‘Brasil deverá construir 50 usinas nucleares nos próximos 50 anos, afirma Lobão’

Brasil deverá construir 50 usinas nucleares nos próximos 50 anos, afirma Lobão

[Ecodebate] Já discutimos e questionamos a equivocada opção nuclear deste governo por diversas vezes, mas, como a sandice não parece ter fim, retomamos nossos questionamentos.

Em primeiro lugar, construir de 50 a 60 usinas nucleares nos próximos 50 anos equivale a construir uma usina por ano, algo que nem os EUA jamais tentaram. A China, que atualmente investe pesadamente em energia nuclear (para geração de energia e para fins militares) possui um “ambicioso” projeto de construir 20 usinas em 50 anos. Logo, o número apresentado pelo ministro é uma sandice.

A expansão do programa nuclear brasileiro não foi discutida com a sociedade, não foi debatido e não pode ser iniciado pela simples vontade imperial do governo de plantão. Um governo é transitório e passageiro, mas pode cometer erros que perdurem por muito tempo. Centenas de anos no caso da energia nuclear.

Uma usina nuclear no Nordeste é uma bobagem por definição. O nordeste é caracterizado pelo déficit hídrico (evaporação três vezes maior do que a precipitação) e cada gota de água é essencial para a convivência com o semi-árido.

Uma usina nuclear é uma usina termelétrica, que produz energia elétrica em turbinas a vapor, do mesmo modo que uma termelétrica a gás, carvão ou biomassa. E, por incrível que possa parecer à Eletronuclear, demanda muita água para produção do vapor. Uma usina termelétrica nuclear de 1,3 mil MW consome, por dia, o equivalente a uma cidade com 100 mil habitantes. Será que ninguém percebeu que a bacia do São Francisco é uma bacia sob intenso stress hídrico e diante de um cenário de crise crescente em razão de sua impensável degradação?

Um dos mais discutíveis argumentos dos defensores da energia nuclear é o que afirma que seus custos de geração são competitivos e mais baixos do que a energia eólica.

É um argumento verdadeiro apenas se consideramos a geração no curto prazo, desconsiderando todo o ciclo de vida dos resíduos nucleares. Na prática ela gera custos que serão subsidiados pela sociedade ao longo de várias décadas ou séculos após o descomissionamento das usinas.

Os Estados Unidos, com um “estoque” atual de 64 mil toneladas de resíduos nucleares, investe no Projeto Yucca Montain, um depósito nuclear a cerca de 140 Km ao norte de Las Vegas, que, a partir de 2020, deverá receber, ao longo de um século, um volume previsto de 77 mil toneladas de resíduos nucleares, ao custo de US$ 90 bilhões. Só o custo de manutenção ao longo deste século de operação está previsto em US$ 9 bilhões.

Os custos de implantação, operação e manutenção deste depósito nuclear serão integralmente pagos pelos contribuintes norte-americanos. Nem um único centavo será pago pela indústria nuclear.

Na Inglaterra, os custos de reprocessamento, estoque e redução de resíduos nucleares, ao longo de 130 anos, estão estimados em 80 bilhões de libras, ou US$ 165 bilhões. Estes são números oficiais, apresentados ao parlamento britânico, pela autoridade nuclear (NDA) no dia 17/07. Novamente, o custo será pago pelo contribuinte.

No Brasil, o presidente da Eletronuclear disse que os rejeitos nucleares não preocupam nos próximos 500 anos.

O argumento que não precisamos nos preocupar com os rejeitos nucleares pelos próximos 500 anos também é muito discutível.

Mesmo se consideramos o tal prazo de “apenas” 500 anos, teríamos que supor que a Eletronuclear continuasse a existir ao longo deste “curto” prazo, que gerenciasse o risco, fizesse a manutenção, etc. Ou seja, cuidasse do resíduo por mais de 4 séculos após o descomissionamento das usinas. Aliás, como é que a Eletronuclear pode arcar com os custos e, eventualmente, garantir o pagamento de royalties, aos municípios a aceitarem os depósitos de resíduos nucleares, séculos após o descomissionamento de uma usina? Ou melhor, quem garante a existência da Eletronuclear por séculos?

Se considerarmos o ciclo de vida do produto (e seus rejeitos) a energia nuclear é “impagável”, porque deveria levar em conta o custo de gerenciamento dos resíduos por séculos após o descomissionamento de uma usina. Ou ninguém pensou nisso?

A afirmação da pseudo-competitividade da tarifa de energia nuclear é falsa e um engodo à sociedade, que será a real pagadora pelo gerenciamento dos resíduos. Que as autoridades brasileiras e a industria nuclear tenham, pelo menos, a honradez de expor a realidade do custeio, tal como já está acontecendo nos EUA e na Inglaterra.

Outro aspecto a ser discutido é a afirmação da segurança operacional das usinas, como se o acidente de Three Mile Island (1979) e a tragédia de Chernobyl (1986) fossem casos isolados.

Na verdade, os acidentes, ou incidentes como prefere a indústria nuclear, são freqüentes. Como demonstração, recomendamos que leiam, ao final desta nota, as diversas matérias que já publicamos.

Estes são casos apenas ocorridos em julho/2008 e, estranhamente, somente noticiados, no Brasil, pelo EcoDebate. A imprensa nacional, contribui com o mito da segurança nuclear, ao desconsiderar ou sonegar a informação dos incontáveis acidentes ou incidentes que acontecem ao redor do planeta.

Aliás, se não existem riscos de acidentes radioativos, por que a sede da Eletronuclear (com toda a sua administração e direção) é no Rio de Janeiro e não em Angra dos Reis, ao lado das usinas, ao alcance dos efeitos de um acidente e submetida ao mesmo procedimento de evacuação que a “simples” população da cidade? É uma questão sem resposta, assim como os resíduos radioativos.

Estas questões são de pleno conhecimento das autoridades, que tem a obrigação de discuti-las com a sociedade, mas que preferem o silêncio e a omissão de informações. Talvez porque seja mais fácil impor a energia nuclear a uma sociedade que nada sabe sobre o assunto.

Não sabe em termos. Ou vocês conhecem alguém que queira uma usina nuclear ou um depósito de resíduos nucleares nas suas vizinhanças? Certamente nem o ministro Lobão, ou qualquer outro ministro, gostaria de morar ao alcance dos danos de um acidente radioativo.

Sem um debate honesto e transparente, a energia nuclear será mais um dos inúmeros engodos, que transferem à sociedade e aos contribuintes os custos de políticas publicas insensatas.

Henrique Cortez, henriquecortez@ecodebate.com.br
coordenador do portal EcoDebate

Para conhecer e compreender as questões relativas à energia nuclear, sem sandices ou desinformação, acessem nossa tag “energia nuclear

Acidentes nucleares, desde 12/07/2008, em ordem descrescente de data:

França: Central nuclear de Tricastin sofre novo acidente

EUA: Radiação elevada obriga a evacuação de funcionários da central nuclear de Vermont Yankee

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Espanha: Conselho de Segurança Nuclear convoca os controladores das centrais nucleares para discutir os últimos acidentes

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[EcoDebate, 13/09/2008]