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Notícia

Modelo de desenvolvimento do Pará está baseado na ilegalidade

Para Leandro Aranha, chefe de fiscalização do Ibama no Pará, aumento do desmatamento deriva do modelo de produção adotado no Estado, que tem a ilegalidade como um de seus princípios. Por Verena Glass, do Centro de Monitoramento de Agrocombustíveis, na Agência de Notícias Repórter Brasil.

No início de setembro, o Instituto de Pesquisas Espaciais (Inpe) adiantou os números preliminares do desmatamento da Amazônia, e o que se constatou é um novo aumento nos índices, se comparados com os números do período anterior: entre agosto de 2007 e julho de 2008 foram desmatados 8.147 km2, quase o dobro dos 4.820 km2 destruídos entre agosto de 2006 e julho de 2007. O campeão do desmatamento foi o Estado do Pará, com 5.425 quilômetros quadrados de florestas derrubadas. Isso tudo, apesar dos esforços do Ibama e da Polícia Federal, que no início do ano ocuparam vastos espaços no noticiário nacional por conta da operação Arco do Fogo, que teve início no município de Tailândia (218 km da capital paraense, Belém) e que buscou inibir o processo de devastação nos 36 municípios campeões da desflorestação em 2007.

Para Leandro Aranha, chefe de fiscalização do Ibama no Estado, o desmatamento é uma decorrência do modelo de produção adotado no Pará, que tem a ilegalidade como um de seus princípios. O caso de Tailândia, onde a Operação Arco do Fogo foi recebida com fortes protestos pelo setor madeireiro no início deste ano, é um exemplo de como age o crime ambiental, explica Aranha: o resultado final da fiscalização no município contabilizou mais de 31 mil metros cúbicos de madeira apreendidos, cerca de 50 termos de interdição e 1.326 fornos de carvão destruídos, além da aplicação de multas no valor de R$ 31,8 milhões. Uma coisa é certa, diz o chefe de fiscalização do Ibama: o modelo de desenvolvimento adotado na Amazônia está equivocado, e precisa mudar urgentemente. A seguir, leia os principais trechos da conversa com Leandro Aranha.

Repórter Brasil – Diante dos altos índices de desmatamento no Pará, e a partir do caso de Tailândia, como definiria os setores madeireiro e agropecuário, atualmente a principal força econômica do Estado?
Leandro Aranha – São criminosos. Chamar de empresários não dá. É um círculo que inclui o meio político, donos de grandes extensões de terras que são grileiros – ou compraram de grileiros -, vêm do Sul, Sudeste e Centro-oeste do Brasil e se associam com empresários locais. Praticam desde roubo de madeira a crime ambiental de desmatamento, trabalho escravo, crimes no campo. São exatamente as mesmas pessoas.

Qual é, na sua opinião, a origem do crime ambiental no Pará?
O que se produz de forma legal no Estado? Gado, soja, dendê; tudo tem em seu princípio o crime ambiental do desmatamento. A economia paraense gira em torno da ilegalidade. Mas também, como ganhar dinheiro legalmente, quando ainda não existe legalização fundiária, quando não se confia nos cartórios, quando foram flagradas várias fraudes no Iterpa [Instituto de Terras do Pará], no próprio Incra? Se criou uma instabilidade fundiária no Estado muito grande, e grande parte das ilegalidades parte daí.

De que forma esse modelo econômico afeta a população? Quer dizer, depois da passagem da operação Arco do Fogo por Tailândia, com o fechamento das serrarias e carvoarias, quase 8 mil pessoas perderam seus empregos…
A avaliação é simples: têm alguns ganhando dinheiro, outros não. Se formos reparar, o IDH de Tailândia, por exemplo, não melhorou nada nesses últimos anos com a atividade madeireira. No município de Dom Eliseu, que tem “desenvolvimento” há mais tempo, com desmatamento, produção de carvão, guseiras próximas, grande criação de gado, etc, qual o IDH do povo? Mas o Ibama não tem que se preocupar com isso. O Poder Público tem, o Ibama não. Até temos uma preocupação, mas não é nossa função. Devemos fomentar uma forma alternativa de exploração, que conserve o meio ambiente e dê condições dignas à população hoje. Em Goianésia, município vizinho de Tailândia, por exemplo, a Delegacia Regional do Trabalho, que esteve lá em julho, flagrou condições de trabalho absurdas; é tudo ilegal. Quer dizer, isso é desenvolvimento? É esse desenvolvimento que a gente quer para a Amazônia? Um monte de gente perdendo mão e braço em serraria, é isso? Isso vale ter ações valorizadas na Bolsa de Nova York? Eu não acho que isso seja desenvolvimento.

Nesse cenário, qual seria então a função do Ibama?
O desmatamento da Amazônia é crime federal. Lei 9605, previsto na lei de crimes ambientais, e é disso que a gente cuida. Essa é a matriz, a lei que criminaliza tudo isso. A gente pune quem não cumpre. Esse é o trabalho da fiscalização do Ibama.

E as punições funcionam? Muito se ouve dizer de multas aplicadas e nunca recolhidas…
O que acontece não é só a multa. O Ibama embarga, paralisa e apreende. Apreendemos uma empilhadeira que custa 400 mil reais em Tailândia, e isso causa algum impacto. A multa não é a principal preocupação do infrator, e sim o embargo da área e a apreensão de bens e equipamentos. A ação do Ibama está paralisando uma atividade ilegal. Outro dia li no jornal que o gado do Pará está indo para o Mato Grosso. Graças a Deus, sinal de que estamos trabalhando bem. É a expulsão de um gado ilegal, criado em Unidades de Conservação, em áreas griladas onde teve muito sangue derramado; isso só me traz alegria. Não pode haver uma preocupação com a economia quando a mesma se baseia na ilegalidade. O Estado que se prepare para ganhar dinheiro de forma legal.

Mas como ficam as famílias de trabalhadores que dependem de atividades irregulares?
Tirar o ganho de uma família é muito complicado e doloroso, mas por trás do carvão que ela produz ilegalmente, por exemplo, tem uma guseira comprando. Tem um grandão se beneficiando atrás disso. O pequeno carvoeiro, agricultor familiar, tem quatro forninhos, roça, tira a madeira. Quando acaba, precisa de mais madeira, e assim ele vai. Esse trabalho de formiguinha de várias famílias tirando madeira foi o que acabou com boa parte da Caatinga e do Cerrado nordestinos. Não podemos ignorar o impacto que isso tem. É claro que tentamos tratar de forma bem diferente um grande e um pequeno infrator, mas o problema é um só.

E não dá para fiscalizar o topo da cadeia produtiva, penalizar os compradores do carvão, por exemplo?
É um jogo de gato e rato. O que a gente sabe é que há esquentamento desse carvão, como acontece na madeira. Quando ele chega na porta da guseira, quando a gente poderia fiscalizar, já está legalizado. Então a gente não consegue ter uma ação mais efetiva, e tem procurado atingir os fornos. O que tem que haver é alternativa econômica pra essas populações, mas não vejo nenhum dirigente político e nenhum empresário da região se mexer pra isso.

Quais seriam, na sua opinião, alternativas viáveis?
Poderíamos ter manejo de várias espécies nativas, como cupuaçu, açaí, andiroba, copaíba etc, que têm um valor agregado muito maior; manejo agroflorestal, e comunitário. Não vamos criar os latifúndios do cupuaçu, os latifúndios do açaí. Porque não vai adiantar nada. A idéia do brasileiro e dos bancos financiadores é financiar uma megaplantação empresarial de açaí, onde o coitado do trabalhador vai ganhar um salário mínimo; se for registrado em carteira, dê graças a deus. É isso que a gente tem que mudar. Mudar a matriz econômica do país, agregar valor aos produtos. Mas antes tem que ter regularização fundiária e zoneamento econômico ecológico. Sem isso, não adianta querer fazer outra coisa, ficamos nessa briga de gato e rato que, no fundo, interessa a muita gente.

Leia o relatório “O Brasil dos Agrocombustíveis – impactos das lavouras sobre a terra, o meio e a sociedade: soja e mamona“, primeiro de uma série de documentos sobre o tema

Clique aqui e confira o site do Centro de Monitoramento de Agrocombustíveis

[EcoDebate, 13/09/2008]