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Editorial

A última prova do ENEM foi considerada trabalhosa e difícil, mas não é verdade, por Henrique Cortez

[EcoDebate] De acordo com a Folha Online, Educação, de 01/09/2008 – 09h15, o mais difícil foi a redação, que discutiu a questão do desmatamento. Ao apresentar a questão do desmatamento na Amazônia, a prova restringia a três as opções para solucionar o problema: suspensão total do desmatamento; pagamento a proprietários para que parem de desmatar; e aumento da fiscalização.

A professora de redação do Objetivo, Elizabeth de Melo Massaranduba, comentou que: “Nas provas anteriores, o aluno podia escrever o que dava na telha. Neste ano, ele teve de escolher uma das soluções predeterminadas e mostrar os prós e os contras. É interessante, porém mais complicado. O aluno teria de contar com um bom conhecimento escolar para ir bem“.

Os temas abordados no ENEM, podem ter sido trabalhosos, mas não foram difíceis. Os estudantes que tiveram um mínimo interesse em acompanhar os grandes debates nacionais sobre o desmatamento, principalmente na Amazônia, tiveram uma ótima oportunidade para obter uma boa avaliação no exame.

O desmatamento é pauta diária de toda a mídia impressa há mais de um ano. As tv’s discutem o assunto em, pelo menos, duas edições semanais de seus telejornais e, frequentemente, em programação especial.

No nosso caso, por exemplo, foi discutido em todas as edições da revista Cidadania & Meio Ambiente. No portal EcoDebate também é pauta diária. Amazônia e desmatamento foram assuntos discutidos em mais de 500 artigos e notícias que já publicamos.

Amazônia e desmatamento, portanto, são grandes temas nacionais que foram e são discutidos nacionalmente. Só não viu quem não se interessou.

Talvez não tenha sido um palpitante assunto para o MSN ou para as galeras no Orkut, mas, certamente, são temas que foram muito debatidos pela grande mídia e pela mídia socioambiental.

A questão central não está no quanto o desinteresse e alienação podem ter prejudicado o desempenho de muitos estudantes no ENEM. O que realmente importa é que o exame expôs que muitos não se interessam pelos grandes temas que afetam ao nosso país e o mundo. O exame mostrou o desinteresse pelo nosso futuro.

Nenhuma outra geração teve acesso a tantas informações, com tanta qualidade e velocidade, mas transformar informação em conhecimento exige esforço pessoal. E é aqui que começa o problema.

Quem não compreende o significado e conseqüências do desmatamento na Amazônia também não compreende uma série de questões interconexas: modelo de desenvolvimento, desenvolvimento sustentável, aquecimento global, mudanças climáticas, savanização da Amazônia, exploração de recursos naturais, escassez de água, reforma agrária e regularização fundiária, uso e ocupação da terra, globalização da economia, emprego e renda, etc.

Não são questões irrelevantes ou meramente acessórias. São questões de fundamental importância para o nosso País e, em certa medida, para todo o planeta.

A atitude “tô nem aí” pode ser cômoda, fácil e confortável, mas é muito perigosa, porque põe em risco a qualidade de vida futura. O inventor norte-americano Charles Kettering (29 de agosto de 1876 – 25 de novembro de 1958), definiu a questão de forma muito clara: “Meu interesse está no futuro, pois é lá que vou passar o resto de minha vida“.

Sei do imenso esforço de professores e educadores no sentido de estimular o conhecimento, a informação, a reflexão e a consciência crítica de seus alunos. Logo, o problema não é, essencialmente, na e da escola. O problema está nas famílias e na sociedade como um todo.

A alienação, o desinteresse, o consumismo e a falta de preocupação para com o outro nascem em casa e são “fertilizados” pela própria família.

Não podemos “cobrar” de nossos filhos e netos uma preocupação para com o futuro que, nós mesmos, não temos ou demonstramos. Os estudantes que fracassaram no ENEN não fracassaram sozinhos, porque também fracassamos na compreensão dos desafios do futuro.

O “susto” do ENEM deve servir como alerta para o desastre que nos espera. Estes jovens “herdarão” um planeta muito pior do que os seus pais receberam e, se não compreenderem isto, certamente deixarão de herança para seus filhos um planetinha horrível de se viver.

O resultado da prova já foi um aviso. Só não viu quem não se interessou.

Henrique Cortez, henriquecortez@ecodebate.com.br
coordenador do Portal EcoDebate