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Comunidades do Semi-árido baiano não aceitam mineroduto em suas terras

[EcoDebate] Olho D’Água é uma comunidade tradicional na região Semi-Árida da Bahia, tem cerca de 50 famílias, que vivem do que plantam em pequenas roças e dos animais que criam nas caatingas ao redor. O maior problema dessa comunidade e de outras da região vem sendo a falta de água. Quase todas essas famílias têm sua cisterna de captação de água de chuva, abrem e limpam seus tanques e cuidam das lagoas. Quando o período de seca se prolonga por mais de nove meses, se valem de cacimbas (olhos d’água) que a natureza caprichosa deixou como dádiva de Deus. Por João Batista Pereira, CPT de Bom Jesus da Lapa.

Essas famílias viviam até recentemente numa “tranqüilidade que já durava mais de cem anos”, como elas mesmas dizem. Nos últimos meses pessoas estranhas chegaram, entraram em suas roças, com carros passando por cima de plantações, cortaram até árvores sagradas, como o umbuzeiro, colocaram marcos em suas terras. Tudo isso sem autorização, sequer explicaram os motivos, apenas queriam que todos assinassem uma “autorização” para que ali passasse um mineroduto, era somente essa a conversa.

A comunidade exigiu uma reunião com a empresa e essa aconteceu no dia 08 de setembro as 15 horas. Estavam presentes a empresa Bahia Mineração, nas pessoas de Paulo Marcelino, Rui, Lucio e Ana Paula, além de André Luiz e Lucas, da PET Engenharia, empresa contratada para realizar trabalhos topográficos. Das comunidades eram 80 pessoas (com participação significativa das mulheres), de Olho D’Água, Curral Velho, Tabuleiro, Lagoa da Pedra dos Trindades, Benvinos, José Francisco e Baixa da Onça, do município de Rio do Antonio, região da Serra Geral.

A reunião começou tensa. Eu, que sou da região, nunca vi tanto pavor, desconfiança, medo e nervosismo, na espera e, principalmente, no momento da chegada dos “intrusos e invasores”. As pessoas estavam atônitas, não admitiam em qualquer hipótese a invasão de suas propriedades e nem queriam ouvir falar em “indenização”… Cobravam, antes de tudo, que a empresa fornecesse informações.

Representantes da Bahia Mineração começaram falando das viabilidades do projeto, do seu compromisso com as pessoas, do cuidado com o meio ambiente, além dos famosos empregos que seriam gerados… Os moradores não se sentiram satisfeitos com essas informações, exigiram mais. Os representantes da empresa acrescentaram: a canalização parte de Caetité e chega até Ilhéus; os tubos terão 80 cm de diâmetro, enterrados e soldados a uma profundidade de 1,5 metros; por esses tubos passará minério de ferro moído e diluído em água bombeada do rio São Francisco (passa a 130 km de Caetité); a vazão será de 1,8 m cúbicos por hora; ao longo do trajeto terão válvulas de escape, para as quais serão construídas pequenas casas, em áreas adquiridas pela empresa; serão firmados com os proprietários “contratos de cessão de uso” de 30 metros em volta da tubulação, e os moradores poderão continuar plantando sem construir nada sobre essa área; dentre outras promessas…

Chamou-me a atenção como o povo falou da importância da terra para si e dos problemas que teriam com o mineroduto: do que produzem e criam, com grande diversidade e suficiência para uma vida digna; que aquela é uma “terra de herança” e que em sua maioria são de áreas pequenas e que ao cortar ou tirar 30 m, pouco ou nada vai sobrar para continuar o trabalho e a vida; que o Olho D’Água é uma mina que não seca, usada historicamente pelo povo da região e está justamente no caminho por onde pretendem passar com a tubulação; mostraram preocupação com o meio ambiente e com as futuras gerações, questionando o corte de parte de um pé de umbuzeiro feito pela empresa; levantaram suspeitas de que a extração do minério de ferro possa causar doenças como o câncer; reivindicaram cópia da fita em que a empresa filmava a reunião.

A meu ver a reunião teve como pontos altos: o NÃO coletivo e incisivo de todos à obra; as comunidades não aceitarem nem discutir indenizações e deixarem claro que, se por ventura fosse necessário, esse assunto seria tratado coletivamente; as empresas admitirem que cometeram ato ilícito ao entrarem dentro das terras das famílias sem autorização; a reunião ser finalizada pela comunidade e com recado de que se por acaso for acontecer outra reunião, seriam as comunidades que convidariam as empresas.

Fica a pergunta: estamos voltando aos anos 70, com a mesma violência do capital e a mesma conivência do Estado, só que desta vez com alguma sutileza, mas com a mesma enganação?

Notícia enviada por Ruben Siqueira, agente da CPT – Comissão Pastoral da Terra / Bahia, colaborador e articulista do EcoDebate.

[EcoDebate, 11/09/2008]