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Notícia

trabalho escravo: Libertados coavam insetos e girinos para poderem beber água


Água consumida pelos trabalhadores (Foto: MTE/Divulgação)

Trabalhadores submetidos à condição de escravos na fazenda “Fé em Deus” relatam problemas de saúde causados pela situação degradante em que estavam. Ao todo, 32 pessoas foram encontradas pelo grupo móvel de fiscalização do governo federal. Por Bianca Pyl, da Agência de Notícias Repórter Brasil.

Depois de receber denúncias de diferentes entidades e trabalhadores, o grupo móvel de fiscalização do governo federal foi até a fazenda “Fé em Deus”, que fica em Rondon do Pará, região Sudeste do Estado, e encontrou 32 pessoas em situação análoga à de escravos. O proprietário Eujácio Ferreira de Almeida acabou indiciado pelo crime de trabalho escravo, previsto no Artigo 149 do Código Penal, além de arcar com mais de R$ 60 mil em salários, indenizações e outros débitos junto aos trabalhadores.

As condições dos libertados encontradas pela fiscalização eram irregulares. Não tinham alojamentos adequados e estavam sem receber salários. Tanto a comida quanto a água a que tinham acesso eram de péssima qualidade – chegando ao ponto de parte da carne consumida pelos trabalhadores estar cheia de insetos. Além disso, houve denúncia contra o empregador de um caso de omissão de socorro a um dos trabalhadores.

“Algumas denúncias partiram do Centro de Defesa da Vida e dos Direitos Humanos, em Açailândia (MA), estado de origem dos trabalhadores. Recebemos a última denúncia um dia antes de chegarmos à fazenda”, conta Guilherme Moreira, coordenador da ação e auditor fiscal do Trabalho.


Barraco usado pelos empregados que retiravam à mão mato para pasto (foto: MTE/Divulgação)

A fazenda Fé em Deus tem quatro frentes de trabalho, sendo três para o roço de juquira (limpeza do mato para garantir a qualidade do pasto) e uma para produção de carvão. Cada frente de trabalho possuía um tipo de alojamento, todos irregulares. Havia barracos de lona construídos sobre terra batida, barracos de palha, um alojamento de madeira e uma tapera de alvenaria.

Segundo a fiscalização, o empregador também não prestou socorro a um trabalhador acidentado. Um funcionário da carvoaria cortou a mão esquerda com uma motoserra e não teve nenhuma assistência do patrão.

Segundo Guilherme Moreira, o proprietário ofereceu R$ 20,00 para o trabalhador “se tratar”. “Ele foi a um pronto-socorro por conta própria e, com a chegada da fiscalização, voltou à fazenda para contar o que ocorreu. Para agravar a situação trabalhava sem luvas de proteção e não teve treinamento para manusear o equipamento”, relata o auditor. Diante do ocorrido, o proprietário teve de pagar R$ 4 mil de indenização ao acidentado.

Salários

Para Moreira, o patrão vendia ilusão aos empregados quanto a questão dos salários. “Eles recebiam por empreitadas, mas nunca eram pagos pelo valor acordado antes do início do trabalho. Encontramos trabalhadores que só receberam R$ 65 reais, e em março de 2008”, relata o auditor, explicando em seguida que a lei exige que o empregador pague pelo menos uma vez por mês o salário.

Nesses casos, o problema se agrava pelo fato de que, muitas vezes, o empregado não anota o quanto tem que receber e acaba sendo facilmente enganado. Na Fé em Deus, o patrão acordava um valor de diária, mas não comunicava que deste valor seria descontada a alimentação e também os Equipamentos de Proteção Individual (EPIs). Vale lembrar que o fornecimento de EPIs é obrigação do empregador.

Diante da situação encontrada, os funcionários, receberem cerca de R$ 60 mil líquidos do proprietário da fazenda, Eujácio Ferreira de Almeida, e também terão direito ao seguro-desemprego para trabalhadores resgatados.

Carne com insetos
A carne consumida pelos empregados estava infestada de insetos. A água usada para beber, cozinhar e tomar banho era escura e com terra, sendo utilizada também pelo gado. Segundo Moreira, os trabalhadores coavam a água para tirar insetos e girinos. “Muitos deles relataram que tiveram problemas de saúde por conta da água.”

Os funcionários receberam seus direitos trabalhistas em 48 horas. Realizada no início de agosto, a ação durou sete dias e contou com funcionários do Ministério do Trabalho e Emprego, Ministério Público do Trabalho e Polícia Federal. O proprietário não estava presente na fazenda durante a fiscalização e só retornou porque foi aberto um inquérito pela Polícia Federal.

Até o fechamento desta matéria, o proprietário Eujácio Ferreira de Almeida não havia sido localizado pela Repórter Brasil.

[EcoDebate, 02/09/2008]