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Notícia

A carne bovina contribui para o aquecimento global


Foto: Valter Campanato/ABr

Independentemente de o gado ser criado organicamente ou por métodos convencionais, o efeito final é ruim para o meio ambiente, segundo um novo relatório alemão. Mas o lobby do agronegócio impede os políticos de tratarem desta imensa fonte de emissão de gases do efeito estufa.

Para a maioria das pessoas, é o próprio quadro da bem-aventurança rural, de uma vida em sintonia com a natureza e o mundo saudável do campo: a vaca feliz pastando no prado viçoso, ruminando calmamente, com um bezerro ao seu lado. Por Michaela Schiessl e Christian Schwägerl, do Der Spiegel.

Mas para Thilo Bode, a visão desta criatura de olhos mansos é tudo menos tranqüilizadora. Bode, o chefe da organização alemã de proteção do consumidor Foodwatch, alertou: “A vaca é uma bomba climática”.

Independentemente de serem criadas de forma convencional ou orgânica, uma coisa que as vacas têm em comum é que arrotam e peidam sem contenção. Como todos os ruminantes, as vacas estão constantemente emitindo metano – um gás do efeito estufa que é 23 vezes mais poderoso do que o dióxido de carbono – por ambos os lados. Tão malcheirosas quanto as dos porcos, são as emissões gasosas de bilhões de bovinos, cabras e ovelhas que estão contribuindo para o aquecimento global.

Bode queria descobrir quão forte são os efeitos dos gases metano, óxido nitroso e CO2 no efeito estufa. Na segunda-feira (25), a Foodwatch publicou um estudo abrangente sobre os efeitos da agropecuária no clima, o primeiro estudo do tipo a diferenciar entre agropecuária convencional e orgânica. Os cientistas que conduziram o estudo, juntamente com o Instituto de Pesquisa Econômica Ecológica (IÖW) da Alemanha, levaram em consideração tanto as emissões de CO2 resultantes da produção de ração e fertilizantes, assim como as necessidades de terras e produtividade de vários métodos de produção.

Os resultados são suficientes para deixar os fãs de filés e hambúrgueres em pânico. Mesmo se todas as fazendas e métodos, orgânicos ou não, fossem otimizados para reduzir seus efeitos sobre o clima, a Foodwatch concluiu que a abordagem principal para tornar a agropecuária melhor para o clima exigiria uma redução drástica da produção de carne. Isto representaria um aumento radical nos preços do produto. “É hora de voltarmos aos dias do assado dominical”, disse Bode.

Um ponto cego na política de proteção do clima

Mas quando chega a hora de dar a má notícia para o cidadão comum, os políticos se tornam repentinamente escassos. A agricultura é o ponto cego na política de proteção do clima do governo alemão. Os produtores rurais são em grande parte isentos do ambicioso programa nacional de redução das emissões dos gases do efeito estufa, em 40% em relação aos níveis de 1990 até o ano 2020, por meio de métodos como melhor isolamento térmico, economia de energia e uso de substitutos da gasolina. Ironicamente, a agropecuária alemã é responsável por 133 milhões de toneladas de emissões equivalentes ao CO2, o que a coloca próxima do nível de emissões atribuído ao trânsito (152 milhões de toneladas).

Funcionários do Ministério da Agricultura alemão, comandado por Horst Seehofer, um membro da conservadora União Social Cristã (CSU), oferecem uma explicação desarmadoramente simples: é “difícil demais, do ponto de vista metodológico”, medir os gases do efeito estufa que são emitidos pelo uso de fertilizantes, fumigação de pesticidas e herbicidas, digestão do gado e drenagem das terras alagadiças. Enquanto isso, o Ministério do Meio Ambiente tem uma posição completamente diferente sobre o assunto: “Nós isentamos a agricultura da estratégia de proteção do clima visando limitar o número de fontes potenciais de conflito”, disse um alto membro da equipe do ministro do meio ambiente, Sigmar Gabriel, um membro do Partido Social-Democrata (SPD).

Hans-Joachim Koch, que, até recentemente, orientava o governo no seu papel de presidente do Conselho Consultivo do Meio Ambiente alemão, foi ainda mais direto quando disse: “O lobby é bem organizado”. Seu sucessor, Martin Faulstich, concordou. “Ninguém ousa dizer que devemos comer menos carne e mais proteína vegetal”, disse Faulstich, que anunciou planos para encomendar um relatório especial sobre a agricultura.

O conselho está particularmente preocupado com o afrouxamento dos padrões de proteção ambiental no contexto do planejado Código Ambiental. O Ministério da Agricultura conseguiu evitar regras relacionadas à agricultura, como uma proibição da drenagem de terras alagadiças. Agora o esboço da legislação será apresentado ao Parlamento alemão, o Bundestag, após as férias de verão – mas sem essas propostas.

Os resultados do estudo da Foodwatch claramente ilustram quão importante é a inclusão do setor agropecuário.

A pior fonte de emissões agropecuárias, correspondendo a 30% do total, é a drenagem de terras alagadiças. As grandes quantidades de CO2 presas no solo das terras alagadiças são liberadas quando a terra é usada para a agricultura ou pecuária. Segundo o estudo do IÖW, a única forma de deter estes efeitos adversos ao clima seria recuperar as terras alagadiças. A perda de terras resultante teria de ser compensada com o descarte completo da agricultura voltada aos biocombustíveis, uma prática que já é considerada questionável em termos de emissões de CO2, por causa da grande quantidade de fertilizantes que consome.

Mas, segundo a análise da Foodwatch dos resultados do estudo do IÖW, a agricultura orgânica também não é tão boa para o clima quanto muitos consumidores acreditam. Uma conversão completa para a agropecuária orgânica otimizada para o clima, que exige mais terras, reduziria as emissões em cerca de 20%. Mas isso se deveria principalmente ao não uso de fertilizante nitrogenado, com sua produção intensiva em energia e emissão de óxido nitroso nos campos. O óxido nitroso é 300 vezes mais prejudicial que o dióxido de carbono.

Notas baixas para a agropecuária orgânica

Se a quantidade de terra utilizada pela agropecuária permanecer no nível atual, o resultado seria alta perda de produtividade. Teria que ocorrer um declínio de 70% na produção de carne e leite. O efeito benéfico para o clima seria obtido principalmente pela redução do número de cabeças de gado, não pelo uso de métodos orgânicos.

A agropecuária orgânica também apresenta notas mais baixas quando se trata de engordar gado. O boi criado organicamente tem um impacto menos benéfico sobre o clima do que o boi altamente cultivado, mesmo quando a produção da ração é levada em conta. O boi criado organicamente precisa de mais espaço e também exige palha tradicional. Isso produz emissões, diferente dos pisos perfurados nos quais o gado “turbinado” passa sua breve vida.

Segundo a análise da Foodwatch, é aí que um conflito com grupos de direitos dos animais provavelmente surgirá. Mas uma coisa é clara: qualquer um que acredita que ao comprar um filé em uma loja orgânica está automaticamente contribuindo para a proteção do clima está enganado.

A diferença pode ser ilustrada por uma comparação com as emissões dos automóveis. A produção de um quilo de carne alimentada com capim gera a mesma quantidade de emissões que dirigir 113,4 quilômetros com um carro compacto. Devido aos métodos de produção mais intensivos, produzir um quilo de carne convencional equivale e dirigir apenas 70,6 quilômetros.

Um quilo de queijo, produzido de forma convencional, equivale a 71,4 quilômetros de rodagem, enquanto o queijo orgânico é um pouco mais favorável, com 65,5 quilômetros. Produzir um quilo de carne de porco causa o equivalente a apenas 25,8 quilômetros de rodagem, e apenas 17,4 quilômetros para carne de porco orgânica.

Os vegetarianos decididamente comem de uma forma boa para o clima. Mas a simples opção de viver sem carne bovina pode melhorar significativamente a pegada de carbono de uma pessoa.

Mas como convencer produtores rurais e consumidores a produzirem e consumirem de formas que sejam melhores para o clima?

Segundo a Foodwatch, fazer com que o setor agropecuário participe do comércio de emissões não é viável. Em vez disso, a Foodwatch quer que a União Européia elimine todos seus subsídios agrícolas e introduza taxas sobre emissões e impostos ambientais. Isso recompensaria os produtores rurais por produção boa em CO2. Os consumidores seriam aqueles que pagariam pelo novo sistema, com o resultado (pretendido) sendo um aumento substancial no custo da carne, leite e queijo.

Gabriel, o ministro do Meio Ambiente, tem uma posição semelhante. Em documentos de estratégia, ainda confidenciais, Gabriel busca ativamente um confronto com o lobby agropecuário. Segundo Gabriel, 40 bilhões de euros em subsídios agrícolas só podem ser justificados se o dinheiro não prejudicar o clima. Ele também quer introduzir um sistema de inspeção ambiental que proibiria a importação de ração produzida em antigas áreas de floresta tropical. Segundo o documento de Gabriel, “nós precisamos de reestruturação radical dos subsídios”. Ele argumenta que os produtores rurais só devem receber subsídios por coisas que “tenham um efeito positivo sobre a natureza e o meio ambiente”.

Ao expressar estas posições, o ministro do Meio Ambiente está se colocando diretamente em oposição a Seehofer e tomando partido da Comissão de Bruxelas, que espera redefinir até 17% dos subsídios agrícolas o mais rapidamente possível, de pagamentos diretos aos produtores rurais à proteção agrícola do clima.

Na terça-feira (26), Seehofer, que se opõe à idéia, se encontrou com especialistas agropecuários federais e estaduais em Bonn para finalizar um pacote de medidas de proteção ao clima. O plano inclui propostas para “fertilização mais eficiente”, novos animais que emitem menos metano e auxílio de investimento para compra de “equipamento agrícola bom para o meio ambiente”. Ele também pede pela redução da quantidade de terras em uso.

Na verdade, o plano apenas pede por ações que há muito são exigidas ou aprovadas de forma voluntária. Metas de conservação concretas não são especificadas e não há menção sobre a redução do número de vacas.

Os altos funcionários de Seehofer estão cientes de que estas medidas são insuficientes para reduzir significativamente as emissões de gases do efeito estufa. Segundo altos funcionários do ministério, uma redução drástica dos gases emitidos pela agricultura só seria possível se as pessoas consumissem menos carne, leite, queijo e iogurte. Mas os mesmos funcionários reconhecem que isto é algo que eles não desejam e nem possuem a autoridade para exigir que alguém faça.

A equipe de Seehofer teme que a imposição de um imposto do clima sobre a carne e o leite levaria a protestos sociais e políticos – e a uma terceirização da produção no exterior. Por este motivo, eles argumentam, não faz nenhum sentido seguir esta rota.

Mas a Foodwatch acredita que esta é a única abordagem razoável, e não está sozinha nesta avaliação. O World Wildlife Fund, o Greenpeace e muitos especialistas têm posições semelhantes. A Federação das Organizações Alemãs do Consumidor deseja ver tanto o setor agrícola quanto o Conselho Consultivo do Meio Ambiente sejam incluídos na política do clima.

Os verdes defendem um bônus de clima, e seu membro no Parlamento Europeu, Friedrich-Wilhelm Graefe zu Baringdorf, acredita que um imposto sobre CO2 faz sentido, desde que seja introduzido para todos os setores. Mas, disse Baringdorf, o imposto não deve ser usado para substituir os subsídios agrícolas, e o sistema de subsídios precisa ser completamente reformulado.

Baringdorf, um produtor rural orgânico, disse que uma certa quantidade de moderação na produção de carne seria apropriada. “Mas vamos ser honestos. Eu não acredito que o mundo acabará por causa de peidos e arrotos de vacas.”

Tradução: George El Khouri Andolfato

Matéria do Der Spiegel, publicada pelo UOL Notícias, 28/08/2008 – 00h35

[EcoDebate, 29/08/2008]