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Jurista diz que decisão do STF sobre Raposa Serra do Sol ameaça outras reservas


Joênia Wapichana, do Conselho Indígena de Roraima, Paulo Santilli, da Funai, e Jocenildo Saterê, participam de audiência pública em comissão do Senado, 14/05/2008, sobre demarcação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol. Foto: Valter Campanato/ABr

O Supremo Tribunal Federal (STF) deixará margem jurisprudencial para futuras ações que contestem a demarcação de outras reservas no país se determinar, em julgamento na próxima quarta-feira (27), mudanças na demarcação em área contínua da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima. A avaliação foi feita pelo professor José Geraldo Souza, diretor da Faculdade de Direito da Universidade de Brasília (UnB). Por Marco Antônio Soalheiro, da Agência Brasil.

“Tem que verificar as condições, se em certas circunstâncias é impossível reabrir processo. Mas a decisão do STF [pela eventual alteração da demarcação] iria redeterminar o paradigma da questão e abrir ensejo a outras ações. Por isso preocupa”, afirmou Souza, em entrevista concedida à Rádio Nacional da Amazônia e à Agência Brasil.

O STF vai julgar ações que contestam a demarcação na próxima quarta-feira (27). O objetivo dos requisitantes é garantir a permanência de grandes produtores de arroz e agricultores brancos na reserva.

Entretanto, segundo o jurista da UnB, não há na Constituição Federal base para uma decisão com viés conciliatório, no sentido de permitir a convivência de índios e não-índios na área de 1,7 milhão de hectares homologada pelo governo.

“Solução conciliatória a partir da Constituição, eu não enxergo. Há na concepção do direito um entendimento de que certos valores são irrenunciáveis, inegociáveis, na linha de recuar daquilo que é o seu princípio fundante. A questão indígena não pode ser vista dentro das regras correntes da vida cotidiana dos não-índios, como se fosse um contrato, um negócio, um acordo”, ressaltou Souza.

“Não há como negar a visão de que os índios formam uma outra cultura com o horizonte jurídico das suas tradições. Se eles deixam de ter essa dimensão, deixam de ser índios e isso beira um genocídio cultural”, acrescentou.

Na opinião do jurista, a demarcação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol em área contínua é compatível com os marcos constitucionais internos e as normas internacionais de direitos humanos. Qualquer decisão em sentido contrário poderia ser contestada.

“Não há como imaginar que o direito originário sobre as terras tradicionais seja afetado. Esgotada a deliberação no plano nacional, existem mecanismos para o ingresso na Corte Interamericana de Direitos Humanos, que leva em conta que o princípio da tradição e os direitos imemoriais das comunidades indígenas sejam respeitados”, argumentou.

[EcoDebate, 25/08/2008]