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Artigo

Celebrando o Ano Internacional do Saneamento (Zero), artigo de Ana Echevenguá


Às vezes, leio notícias – plantadas na mídia pelo nosso governo – que parecem endereçadas para alienados e/ou alienígenas.

Alguém recorda que a Assembléia-Geral das Nações Unidas, em dezembro de 2006, decidiu que 2008 seria o Ano Internacional do Saneamento? Desta forma, quis acelerar a implantação dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio de reduzir pela metade, até 2015, o número de pessoas que usufruem do ‘saneamento zero’.

Bom, estamos no final de agosto de 2008. E o governo federal anunciou que vai lançar, até o final deste ano, um ‘Pacto Socioterritorial do Saneamento para a promoção da cidadania’ para celebrar o Ano Internacional do Saneamento.

Vejam que título longo, pomposo, expressivo e exemplar!

Este Pacto será uma ferramenta para colocar em prática o Plano Nacional de Saneamento que – prestem atenção – já está sendo redigido. Como este Plano terá uma construção coletiva, vai passar por várias audiências públicas e ‘manifestações democráticas’ dentro do CONAMA, do Conselho Nacional de Recursos Hídricos, do Conselho Nacional de Saúde… Com todo este blablablá, dá pra ter uma idéia de quando Pacto e Plano estarão prontos para decolar!!

Gente, quando leio coisas assim, eu me sinto uma otária completa! Iniciativas como essas, em ano de eleição, merecem crédito? Claro que não!

Enquanto isso, no Brasil, a falta de coleta de esgoto ainda atinge 34,5 milhões de pessoas nas áreas urbanas (quase 27% dos moradores das cidades). Estes dados, que são do IPEA – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada -, falam em coleta. Não sei se eles se referem também ao tratamento de esgoto. É sabido que muitas cidades limitam-se a coletar e, após, lançam os dejetos diretamente nos rios, sem qualquer tratamento. Não encontrei dados sobre o meio rural, mas imagino que eles convivam com ‘saneamento zero’.

É líquido e certo que a falta de saneamento é responsável por boa parte da mortalidade infantil. Ou seja, esta politicagem homicida vai continuar matando nossas crianças por muitos e muitos anos.

Claro que esta situação caótica não ocorre somente no Brasil. No mundo, mais de 40% da população vive sem condições de saneamento básico apropriadas. Afinal, investimentos para o acesso universalizado aos serviços de saneamento básico não geram voto.

E o votante não tá nem aí pra saneamento, água e esgoto tratados… Vocês viram algum candidato às atuais eleições levantar seriamente esta bandeira? Pra quê, se é mais garantido ganhar votos prometendo estádios de futebol, shows de rock, emprego no governo…?

Então, alienados e/ou alienígenas, nem leis nem pactos vão garantir ao brasileiro o direito ao saneamento ambiental básico para as presentes e futuras gerações. A nossa realidade parece imutável: o descaso do governo e dos governados é a regra máxima do jogo, principalmente no que tange à fiscalização e à punição dos envolvidos no cumprimento das leis e pactos que nos garantem a sadia qualidade de vida. O discurso para justificar o caos é sempre o mesmo: falta de investimentos necessários e carência de políticas públicas…

Será que nós queremos ser tratados como seres pensantes inteligentes? Será que ainda sonhamos com uma nova postura daqueles que nos governam? Se ainda temos a ilusão de que ‘um outro mundo é possível’, chegou a hora de enfrentarmos os problemas dos quais somos cúmplices.

Para tanto, cada brasileiro deve:

1. entender, de uma vez por todas, que entre ele e a Administração Pública há uma divergência de objetivos que precisa ser sanada porque está matando pessoas. Até quando vamos permanecer nesta alienação consentida (tipo avestruz)?;

2. reconhecer a importância do saneamento para a saúde e para a sadia qualidade de vida da população. Trata-se de um direito humano de importância vital, socioeconômica e geopolítica e não de uma mercadoria ou negócio;

3. exigir investimentos em políticas de Saneamento Ambiental. Este deve, obrigatoriamente, integrar a agenda política, em todas as esferas (Executivo e Legislativo) e instâncias (Município, Estado e União).

Chega de celebrações e mentirosas, pactos, reuniões, audiências públicas, atos pseudo-democráticos… quando temos leis que garantem nossos direitos.

Ana Echevenguá, advogada ambientalista, coordenadora do programa Eco&Ação, email: ana@ecoeacao.com.br

[EcoDebate, 22/08/2008]