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Projeto de lei que regulamentava a profissão de ecólogo é vetado, mesmo tendo sido aprovado por unanimidade no Congresso

Golpe na mediação ambiental – No dia 4 de agosto, um projeto de lei que regulamentava a profissão de ecólogo, aprovado por unanimidade no Congresso Nacional, foi integralmente vetado pela presidência da República, por sugestão do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE). Para Décio Semensatto Junior, presidente da Associação Brasileira dos Ecólogos, a decisão foi um equívoco que pode custar caro ao país. Por Fábio de Castro, da Agência FAPESP.

O veto alegou que o projeto não prevê regras para a fiscalização da profissão e não definiu com exatidão o campo de atuação profissional específico, além de não estabelecer quais outros profissionais poderiam compartilhar as mesmas atribuições definidas para o ecólogo.

“A referência à ausência de definição do ‘campo de atuação profissional específico do ecólogo’ é, no meu entender, equivocada. O projeto deveria ser elogiado por não estabelecer reserva de mercado, ou seja, atribuições que só podem ser exercidas pelo ecólogo e por nenhum outro profissional”, destacou a senadora Marina Silva (PT-AC), ex-ministra do Meio Ambiente, em artigo na Terra Magazine.

Segundo Semensatto Junior, que é pesquisador do Departamento de Geologia Aplicada da Universidade Estadual Paulista (Unesp) em Rio Claro (SP), a decisão “mostra ao mundo que o país não está completamente afinado com as causas ambientais”.

Segundo ele, os ecólogos, formados para dialogar com profissionais de diversas áreas, são mediadores cada vez mais importantes para a área ambiental, que se caracteriza essencialmente pela interdisciplinaridade.

Em entrevista à Agência FAPESP, o ecólogo salientou que, sem a regulamentação, os ecólogos não podem formar um conselho de classe, o que os impede de assumir a responsabilidade técnica por laudos e pareceres ambientais, limitando o exercício de suas atribuições.

Agência FAPESP– Desde quando há ecólogos atuando profissionalmente no Brasil? E quantos são?
Décio Semensatto Junior– O primeiro curso de ecologia foi criado em 1976, na Universidade Estadual Paulista (Unesp) de Rio Claro. Hoje há cerca de mil ecólogos atuando e temos outras cinco universidades que oferecem cursos. Ao todo, são oferecidas 400 vagas por ano nos vestibulares para os cursos de ecologia.

Agência FAPESP– Quais serão as principais conseqüências do veto ao projeto de lei?
Semensatto Junior– O veto traz prejuízos imensos para os ecólogos, porque representa a manutenção de uma situação de marginalidade em determinadas atribuições do profissional no mercado de trabalho. A decisão impede, por exemplo, que o ecólogo seja responsável técnico por um relatório de impacto ambiental. O responsável precisa, necessariamente, ser um profissional que pertence a um conselho de classe. E, sem regulamentação da profissão, não poderemos nos vincular a um conselho de classe.

Agência FAPESP– Com a decisão os ecólogos não podem participar de estudos ou de relatórios de impacto ambiental?
Semensatto Junior– Eles podem integrar as equipes que fazem os estudos ou relatórios, mas não podem ser os responsáveis técnicos. Isso cria situações constrangedoras, como a desenvolver todo um trabalho e ter que pagar outro profissional para assinar.

Agência FAPESP– Como definir a importância da atuação de ecólogo?
Semensatto Junior– A ecologia é uma ciência estratégica no mundo atual, ameaçado pela degradação ambiental. O ecólogo deve ter boa formação na área de biológicas, de geociências e também uma inserção nas áreas de ciências humanas. É um profissional que consegue dialogar muito bem com todas as carreiras que lidam com meio ambiente. É um mediador na área ambiental, com condições de transitar entre geólogos, sociólogos, biólogos, antropólogos e outros profissionais.

Agência FAPESP– É possível que o veto leve alguns ecólogos a abandonar a atuação na área?
Semensatto Junior– Não deixaremos de exercer nossas atividades, mas não poderemos exercer nossas atribuições em sua plenitude. Isso tem causado, há três décadas, situações tristes como a de um colega que é ecólogo experiente, com mestrado e doutorado na área. Foi convidado por uma grande empresa para desenvolver determinado trabalho em uma área na qual ele é um dos principais especialistas. Mas a atividade exigia ligação com um conselho de classe. Apesar do currículo ideal e da excelência profissional, ele não poderá executar o trabalho.

Agência FAPESP– Haverá outros prejudicados além dos próprios ecólogos?
Semensatto Junior– Sim, o próprio governo federal, porque o veto traz um desgaste desnecessário. Nosso país é uma potência ambiental mundial e vai ser difícil para a presidência da República explicar por que, em pleno Ano Internacional do Planeta Terra, vetou a profissão que é símbolo do engajamento do Brasil na resolução das questões ambientais.

Agência FAPESP– O país perderá credibilidade no cenário internacional?
Semensatto Junior– Acredito que sim. Ao deixar de regulamentar a profissão, o país mostra que não está completamente afinado com as causas ambientais. Além disso, há uma grande incoerência, porque o próprio governo federal forma ecólogos nas universidades federais do Rio Grande do Norte e da Paraíba. O governo está mostrando ao mundo que não está fazendo a lição de casa.

Agência FAPESP– A profissão é reconhecida em outros países?
Semensatto Junior– É reconhecida nos Estados Unidos, na Europa e em países da América do Sul, como Venezuela, Colômbia e Chile.

Agência FAPESP– Desde quando o projeto tramitava?
Semensatto Junior– A primeira versão do projeto havia sido apresentada em 1993, mas algumas deficiências acabaram por resultar em arquivamento. Com os problemas corrigidos, o projeto foi reapresentado em 2003 e desde então vinha tramitando. O projeto que regulamentava a profissão de oceanógrafo tramitava desde 1991.

Agência FAPESP– Quais foram os principais argumentos para o veto?
Semensatto Junior– O veto alega que o projeto não define com precisão o campo de atuação profissional, não prevê regras para a fiscalização da profissão e não estabelece que outros profissionais poderiam compartilhar as mesmas atribuições do ecólogo. Todos os argumentos mostram desconhecimento das atividades na área ambiental.

Agência FAPESP– Por quê? O projeto definia precisamente o campo de atuação?
Semensatto Junior– Um dos artigos determina 13 atribuições profissionais. As áreas nas quais o profissional pode atuar estão extremamente claras. Mas trata-se de uma profissão interdisciplinar. O que pode ter ocorrido é que os avaliadores estão acostumados com profissões muito tradicionais e não entenderam o campo de atuação específica. Mas os oceanógrafos também trabalham com áreas que têm intersecção com a geologia, com a biologia e até com a engenharia. É impossível, além de indesejável, lotear todas as áreas.

Agência FAPESP– E quanto ao argumento de que não estão especificados os profissionais que podem atuar nas mesmas atribuições do ecólogo?
Semensatto Junior– O projeto diz que as atribuições previstas para os ecólogos podem ser exercidas por profissionais de áreas correlatas, desde que legalmente habilitados para tal. A chave é a legalidade. Se fôssemos especificar cada uma delas, sempre haveriam lacunas que nos levaria a atritos com outros profissionais. É algo irreal.

Agência FAPESP– O argumento restante era que não havia regras estabelecidas para fiscalizar a profissão. Como o senhor avalia essa alegação?
Semensatto Junior– Quem prevê as regras para fiscalização da profissão é o Poder Executivo. O Executivo, portanto, cobrou do Legislativo algo que ele deve determinar. De todos os erros técnicos do veto, esse foi o mais incompreensível. É importante registrar que o Conselho Federal de Biologia nos apoia e protocolou junto à Casa Civil um ofício expressando a sua intenção de fiscalizar a profissão de ecólogo. Portanto, as regras de fiscalização são as adotadas pelo CFBio.

Agência FAPESP– Que atitude os ecólogos tomarão a partir de agora?
Semensatto Junior – Nossa primeira alternativa é derrubar o veto. Mas isso será uma missão muito difícil e trabalhosa, porque depende de uma ampla articulação política. Se não conseguirmos, vamos ter que propor um novo projeto de lei, o que será um tanto absurdo, uma vez que o projeto voltará a tramitar em um Congresso que já o aprovou por unanimidade, sem qualquer manifestação contrária de nenhuma entidade.

[EcoDebate, 16/08/2008]