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Corais brasileiros ameaçados: Avanço de doenças pode provocar extinção de espécie endêmica em menos de 100 anos


Coral-cérebro (Mussismilia braziliensis) doente pela praga branca, que pode levar à extinção da espécie entre 2057 e 2077 (fotos: Ronaldo Francini-Filho).

Uma espécie de coral tipicamente brasileira corre o risco de desaparecer das águas. É o que mostra uma pesquisa realizada no banco de Abrolhos, na Bahia, o complexo de recifes que concentra a maior biodiversidade marinha do Atlântico Sul. O estudo detectou pelo menos seis doenças em diversas espécies de corais, principalmente o coral-cérebro (Mussismilia braziliensis), que pode ser praticamente extinto nos próximos 70 anos se essas enfermidades continuarem a se intensificar.Por Tatiane Leal, do Ciência Hoje On-line.

A doença mais representativa encontrada foi a chamada praga branca, caracterizada pela exposição de pedaços do esqueleto calcário do animal. Ela não deve ser confundida com o fenômeno do branqueamento, em que os corais perdem as microalgas que vivem em seus tecidos, responsáveis por seu colorido vivo.

“Com a perda dessas microalgas, vemos o esqueleto calcário branco do coral encoberto por seu tecido vivo transparente”, afirma o biólogo Ronaldo Francini-Filho, da Universidade Federal da Bahia, que coordena a pesquisa. “No caso da praga branca, não se trata de um tecido vivo, mas uma área morta com o esqueleto exposto.”


Além da praga branca, os cientistas identificaram outras cinco doenças em diversas espécies de corais do banco de Abrolhos, como a gorgônia orelha-de-elefante (Phyllogorgia dilatata).

O monitoramento do recife de Abrolhos é realizado desde 2001, mas somente em 2005 começaram a ser observadas doenças nos corais. Para avaliar a progressão da praga branca no coral-cérebro, os pesquisadores fotografaram colônias doentes em intervalos de 90 dias. “Afixávamos pregos nas áreas brancas para que pudéssemos tirar a foto do mesmo ângulo no período seguinte”, conta Francini-Filho. “Com isso, calculamos quanto tecido a doença matava por dia, o que nos permitiu fazer as projeções da progressão dessa enfermidade.”

As previsões apontam a perda de 60% da cobertura de corais-cérebro até 2100, se o cenário atual for mantido. Porém, se a proliferação da praga branca se intensificar, as conseqüências serão desastrosas, com a espécie praticamente extinta entre 2057 e 2077.

Os autores do estudo são pessimistas quanto à progressão das doenças. “Com o contexto de aquecimento global, sua intensificação é esperada”, prevê Francini-Filho. A elevação da temperatura da água e da quantidade de nutrientes trazidos pela poluição causada pelo ser humano criou um ambiente mais propício para a proliferação dos agentes causadores das doenças dos corais.

A ameaça põe em risco todo o ecossistema em que esses corais estão inseridos. “O coral-cérebro é um dos principais construtores dos recifes de Abrolhos”, explica Francini-Filho. “Os peixes dependem da estrutura rígida dos recifes. Se a principal espécie responsável por isso morrer, as conseqüências para eles serão muito sérias.” Sem os peixes, a própria reprodução dos corais estaria comprometida, já que eles se alimentam das algas e liberam espaço para a fixação de corais recém-nascidos.


Os peixes herbívoros são essenciais para a recuperação dos recifes, pois eles se alimentam das algas e deixam o espaço livre para a fixação de novos corais.

Como evitar a extinção?
Os autores do estudo acreditam que é possível reverter esse quadro de extinção anunciada: a recuperação depende basicamente da reprodução dos corais. Mas isso não adiantará se fatores como a poluição e o aquecimento global não forem combatidos. Para isso, é fundamental a implantação de políticas públicas que assegurem a recuperação dos corais.

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A ameaça aos corais põe em risco todo o ecossistema do banco de Abrolhos, que apresenta a maior biodiversidade marinha do Atlântico Sul.

“São necessárias ações em diferentes escalas”, enumera o biólogo Rodrigo Leão de Moura, coordenador do programa de Ciência da ONG Conservação Internacional e co-autor do estudo. “Em nível local, é preciso que haja a implementação adequada das áreas protegidas, o melhor uso da zona costeira, a recuperação de bacias hidrográficas e a ocupação ordenada da faixa litorânea. E, em nível mundial, precisamos combater o aquecimento global.”

Leão destaca que a ameaça aos corais de Abrolhos é um alerta para a situação dos oceanos. “Os corais são um termômetro da saúde do oceano, pois sofrem antes de outros grupos os efeitos do aquecimento global e da poluição”, explica. “Estamos levantando o problema e convidando para o debate. É o primeiro passo para que sejam tomadas medidas concretas e ações políticas.”

A próxima etapa da pesquisa consiste em identificar os agentes responsáveis pelas doenças que ameaçam os corais, que se dividem entre bactérias, fungos e vírus. O levantamento já está sendo realizado por pesquisadores da Universidade Federal do Rio de Janeiro, outra instituição participante do estudo, que conta também com pesquisadores da Universidade de Boston (Estados Unidos) e da Conservação Internacional.

[EcoDebate, 18/08/2008]