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Mudança climática ajuda álcool e prejudica alimento


Mesmo sem uma política contundente de adaptação e mitigação às mudanças climáticas globais, o governo brasileiro deve ter sucesso na sua política de biocombustíveis, mostra um estudo a ser divulgado oficialmente hoje em São Paulo. O aquecimento global, porém, pode colocar em risco a segurança alimentar da população brasileira, diz a pesquisa.

“Em termos de produção de alimentos, os nossos dados mostram que ficaremos na corda bamba. Mas não é uma visão catastrofista, as soluções existem”, disse à Folha o pesquisador Eduardo Assad, da Embrapa Informática Agropecuária. Ele é um dos coordenadores do estudo que estima os impactos da alteração global do clima sobre a agricultura brasileira. O trabalho também teve participação de Hilton Pinto, pesquisador da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas). Por Eduardo Geraque, da Folha de S.Paulo, 11/08/2008.

Segundo o estudo da dupla, as áreas potenciais para a cultura da cana-de-açúcar vão crescer 139% até 2050, caso a temperatura aumente em média 3C. Esse crescimento significará R$ 23,5 bilhões a mais no PIB (Produto Interno Bruto) do agronegócio nacional.

“A política de biocombustíveis, por causa disso, continuará muito bem”, diz Assad. A cana-de-açúcar é um vegetal que gosta de calor. Com o aquecimento global, algumas áreas que hoje não são adequadas ao cultivo dessa planta passarão a ser. Contudo, diz Pinto, no Centro-Oeste, a cultura vai ter problemas com a falta d’água. “A irrigação terá de ser maior”, afirma o cientista.

A boa notícia para a indústria sucro-alcooleira, porém, é uma exceção à regra. Assad e Pinto analisaram o impacto da mudança climática para o cultivo de nove vegetais no Brasil. A cana-de-açúcar e a mandioca foram os únicos para os quais houve uma projeção de melhora com o aumento da temperatura média. A área para a mandioca, diz o estudo, deverá crescer 13% até 2050.

Segundo Assad, apesar do aumento do potencial para o setor sucro-alcooleiro, o estudo não indica que a fronteira da cana deva avançar sobre a floresta amazônica. “Cultivar cana na floresta [pelo menos em áreas centrais da Amazônia] não tem lógica do ponto de vista do clima e nem da logística”. Essa é a conclusão de um outro estudo dos pesquisadores, ainda inédito, encomendado pela Casa Civil, de Brasília.

Menos soja

O maior prejuízo ocorrerá nas plantações de soja, aponta o novo estudo. A área adequada ao grão diminuirá 34% até 2050. Em termos financeiros, isso significa uma queda na produção da ordem de R$ 6,3 bilhões. “Em termos geográficos, a soja deverá sumir, por exemplo, de grande parte do Rio Grande do Sul”, diz Pinto.

O aquecimento global também vai reduzir a área ótima para lavouras de café (queda de 17% na área de potencial cultivo), de girassol (-16%), de milho (-15%), de algodão (-16%), de arroz (-12%) e de feijão (-10%).

Pelos cálculos feitos a preços de hoje, em 42 anos o clima vai causar, em todo o Brasil, um prejuízo de R$ 10,7 bilhões, referente às culturas que perderão territórios adequados.

“Na conta geral, por causa da cana-de-açúcar, haverá até um saldo positivo, mas o importante é olhar para cada uma das culturas”, afirma Pinto. O estudo fez projeções também para 2070. As tendências para cada cultura são as mesmas, mas os números são maiores.

Semi-árido será a região mais impactada, diz pesquisador

O impacto mais forte do aquecimento global sobre a agricultura deve ocorrer justamente em uma área que já não é favorecida. A análise feita pela Embrapa e pela Unicamp separou as projeções município por município e mostrou que aqueles do semi-árido são os que mais sofrerão.

“Infelizmente, parte do semi-árido deverá virar um deserto mesmo, o que coloca o interior do Nordeste em situação crítica”, diz Hilton Pinto, da Unicamp. Mas isso, segundo Eduardo Assad, da Embrapa, pode ajudar o governo e a sociedade a começarem a entender quais são as soluções.

“No caso do Nordeste, é muito simples”, diz. “A saída está nas culturas locais.Na serigüela, no sorgo e assim por diante”.

Caminhos mais genéricos, como a integração pastagem-lavoura (para melhorar o aproveitamento das áreas mais aptas para a produção) e o melhoramento genético (plantas transgênicas mais aptas à falta d’água, por exemplo) poderão ser usados para todo o Brasil.

O estudo de Assad e Pinto também aborda o problema da emissão de gases causadores do efeito estufa resultantes do avanço da fronteira agrícola no país. A situação tende apenas a piorar, dizem os pesquisadores, cada vez que se derruba uma árvore para abrir uma lavoura. Para barrar isso, diz a dupla, a questão do controle do desmatamento amazônico deve passar a ser central.

[EcoDebate, 12/08/2008]