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Editorial

O cínico discurso eco-fascista, por Henrique Cortez


Desde os anos 70, grupos da direita tentam se apropriar do discurso ambiental, apenas para reforçar as suas teses supremacistas, xenófobas e anti-imigração.

Parece bobagem, mas não é. O assunto foi analisado por Ben Whitford, em artigo no The Guardian, de 1°/8, com o título “Does immigration hurt the environment?” , que discute recente campanha nos EUA, com anúncios de página inteira, em veículos como New York Times, New Republic, American Prospect, Nation e Harper’s, tradicionalmente considerados liberais, defendendo políticas anti-imigração em nome do meio ambiente.

Os anúncios sugerem que a imigração causará uma explosão populacional nos EUA, dizendo, “300 milhões de pessoas, hoje, 600 milhões de amanhã”. “Pense nisso”.

A tentativa de apropriação da causa ambiental não é nova. Ela já aconteceu na Alemanha, quando Herbert Gruhl, fundador do partido verde alemão, rompeu com o partido para fundar um partido de extrema-direita ecológico. Desde então, suas idéias têm sido defendidas por grupos neo-nazistas e até pelo partido Nacional Britânico, assumidamente neo-fascista.

É evidente que são pequenos grupos, numericamente irrelevantes, mas articulados e com grande apoio financeiro. Também apóiam a tese da ampliação da energia nuclear, pretensamente limpa e são apoiados pela indústria nuclear.

Não existem provas ou avaliações cientificas que associem a imigração e a degradação ambiental nos EUA ou em qualquer outro lugar, tal como é citado no artigo de Whitford. Ele cita que cientistas, ligados ao governo norte-americano, prepararam estudo afirmando não ser possível concluir pela associação entre migração e degradação ambiental.

Mas, ainda assim, o falso argumento parece sedutor à direita religiosa e xenófoba, tradicionalmente impermeável ao tema ambiental.

Na América Latina e no Brasil, em especial, não são conhecidos grupos eco-fascistas organizados ou articulados, mas, ocasionalmente, há quem assuma este discurso.

No caso brasileiro, ele é mais visível em quem associa a pobreza com a degradação ambiental. Não são argumentos xenófobos como o norte-americano ou europeu, mas são igualmente elitistas e excludentes.

No Rio de Janeiro e em São Paulo, por exemplo, existem uns poucos que “atacam” as favelas e a favelização como grandes ameaças ambientais, propondo medidas reurbanizadoras para proteger áreas de preservação permanente e mananciais. Este argumento é sempre baseado na remoção de favelas, como medida de “higienização” urbana e proteção ambiental.


É um argumento cínico, que ignora o acesso à moradia, à água e ao saneamento como direitos humanos fundamentais. A favelas não possuem saneamento básico e esta é a razão da contaminação de mananciais, como acontece na Billings e na Guarapiranga em São Paulo.

Na mesma linha dos anti-imigração norte-americanos e europeus, também já houve quem, em nome do meio ambiente e da segurança, defendesse o controle da natalidade nas comunidades pobres. O governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral, em outubro de 2007, chegou a defender a legalização do aborto para reduzir a violência.

Em entrevista ao Portal G1 , ele afirmou “Tem tudo a ver com violência. Você pega o número de filhos por mãe na Lagoa Rodrigo de Freitas, Tijuca, Méier e Copacabana, é padrão sueco. Agora, pega na Rocinha. É padrão Zâmbia, Gabão. Isso é uma fábrica de produzir marginal”

Infelizmente, uns poucos eco-fascistas, travestidos de ambientalistas, também apoiaram a “proposta”, como meio de reduzir a favelização.

Estes oportunistas, que se apropriam do discurso ambientalista, preferem ignorar a necessidade de saneamento, de planejamento urbano, de acesso à moradia, de educação e planejamento familiar. No fundo, apenas querem os pobres o mais longe possível. É o mesmo que desejam os xenófobos norte-americanos e europeus.

Os verdadeiros ambientalistas devem rejeitar veementemente este discurso cínico, que apenas serve como desserviço à causa.

Um ambientalista não dissocia meio ambiente de cidadania, de saúde, de direitos humanos, de educação, etc.

Os eco-fascistas podem até existir, mas não falam em nosso nome e não são nossos companheiros de caminhada.

Henrique Cortez, henriquecortez@ecodebate.com.br
coordenador do portal Ecodebate

[EcoDebate, 04/08/2008]

2 thoughts on “O cínico discurso eco-fascista, por Henrique Cortez

  • Jorge Gerônimo Hipólito

    Eu acredito que pelo andar da carruagem, digo, da devastação dos recursos naturais muito pode acontecer, por exemplo, no futuro o país que mais preservar o meio ambiente sem sombra de dúvidas oferecerá melhor condições de vida, automaticamente, haverá imigração. Por conseguinte, outros problemas haverão de surgir. Na minha opinião todos os povos deveriam recuperar e preservar o meio ambiente, pois isso permitiria a manutenção dos seus indivíduos.
    Eu não sou favorável a implantação de usinas nucleares, pois não há segurança quanto aos riscos, mas, por outro lado vejo que quem as instala não faz pensando na produção de energia pura e simples, mas, faz sim, pensando em alcançar o equilíbrio quanto à defesa territorial mesmo sendo apenas um dissuador psicológico.
    Quanto às favelas, não restam duvidas de que elas são os frutos da migração provocada pelo êxodo rural. Eu gostaria muito que governo e ambientalistas, juntos, envidassem esforços no sentido de extinguí-las do mapa, obviamente, transferindo-as para local, onde pudesse haver muito mais dignidade. As cidades estão inchando cada vez mais e os governos tanto de esquerda quanto de direita não conseguem efetuar planejamento capas de atender a demanda.
    A agricultura familiar é instrumento relevante, notadamente, hoje, se faz necessário forte campanha no sentido de influenciar as pessoas a voltarem ao campo. No entanto, não podemos esquecer os milhares de brasileiros que se encontram acampados as margens das fazendas consideradas improdutivas pelo próprio governo. Esse mesmo governo (esquerda) que incentiva o homem a buscar e lutar pelo direito de ter o seu pedaço de chão, contudo, tem ajudado muito pouco. Esses brasileiros poderão em breve mudar o domicílio, preferencialmente, as favelas, ou eles teriam como optar por um local, digamos, mais “nobre”.
    Eu acredito que independentemente do perfil ideológico falta a todos nós aprender a fazer política, isto é, um governo do povo, pelo povo e para o povo, exatamente, como já dizia aquele cidadão norte americano conhecido por Abraão Lincoln, aquele que foi 16º presidente dos Estados Unidos da América do Norte e infelizmente, assassinado por “vingança”. Vocês percebem que os bons são sempre impedidos. Isso pode nos conduzir para a idéia de que o bem vem há muito tempo fracassando diante do mal.
    Respeitosamente,
    Jorge Gerônimo Hipólito
    3º Sgt Ref PMESP
    Ambientalista

  • Conheço uma sub prefeitura de São Paulo que chegou a colocar nas principais vias de acesso à região, fiscalização para impedir caminhões de mudança.

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