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Pesquisa mostra que a pauta de exportações agrícolas brasileira mudou para pior, concentrando-se em produtos básicos


Pesquisa publicada na Revista de Economia e Sociologia Rural mostra que a pauta de exportações agrícolas brasileira mudou para pior, concentrando-se em produtos básicos, enquanto competitividade foi garantida apenas pela quantidade. (foto: Prefeitura de Santos)

Retrocesso qualitativo – Uma pesquisa publicada na Revista de Economia e Sociologia Rural apresenta um diagnóstico preocupante em relação à mudança na pauta das exportações agrícolas brasileiras.

As análises apontam que os ganhos de competitividade da agricultura brasileira foram acompanhados por piora da qualidade das exportações. Ou seja, os produtos básicos, de baixo valor adicional e que exploram os recursos naturais foram os que mais ganharam espaço. Por Alex Sander Alcântara, da Agência FAPESP.

Os resultados mostraram ainda que os ganhos de competitividade da agricultura brasileira se devem, principalmente, ao aumento da quantidade exportada. O estudo visa contribuir para o debate sobre a desindustrialização no Brasil, atribuída à apreciação cambial que, para vários autores, decorre do aumento das exportações agrícolas.

O estudo foi realizado por Maria Auxiliadora de Carvalho, pesquisadora do Instituto de Economia Agrícola (IEA) da Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo e por César Roberto Leite da Silva, também pesquisador do IEA e professor titular da Pontifícia Universidade Católica (PUC) de São Paulo.

“É uma situação preocupante pelo fato de que as exportações de produtos básicos e que exploram intensivamente os recursos naturais foram as que mais cresceram. Isso contribui para a apreciação da moeda nacional, inibindo as exportações de produtos industrializados, de maior valor agregado. É o processo de desindustrialização, também chamado de doença holandesa ou ainda, maldição dos recursos naturais”, disse Maria Auxiliadora à Agência FAPESP.

A pesquisa analisou o período de 1991 a 2003, utilizando-se o modelo constant market share (CMS) sobre informações de comércio exterior da FAO, organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação. A partir da análise, chegou-se à conclusão de que a exportação agrícola brasileira cresceu mais que o potencial, resultado de aumento expressivo da competitividade. Mas, após mudança cambial, em 1999, parte da competitividade foi neutralizada pelo aumento da participação com produtos de demanda mundial em declínio.

A metodologia permite separar os efeitos da variação de uma série qualquer entre dois momentos do tempo. No caso da pesquisa, o modelo CMS foi aplicado sobre as médias do valor das exportações agrícolas entre dois triênios, 1996-1998 e 2001 e 2003.

De acordo com a pesquisadora, o valor da exportação é resultado do produto do preço pela quantidade. Se houver um aumento de 10% no valor da exportação da soja em grão, por exemplo, isso pode ser resultado de muitas combinações de variações de preço e de quantidade, até de uma queda no preço e um aumento muito grande na quantidade, ou vice-versa.

“Quando o cálculo é feito com uma mercadoria só, fica fácil calcular. Multiplicando a variação do preço pela variação da quantidade temos a variação do valor. Mas quando há muitas mercadorias é um pouco mais complexo, porque os preços e as quantidades de alguns aumentam e de outros diminuem. A somatória dos produtos da variação do preço pela quantidade difere da variação do valor total. Essa diferença é que chamamos de efeito flexibilidade,” explica.

Barato e abundante

Em outras palavras, diz, o que aconteceu no caso brasileiro é que houve um predomínio de produtos cujos preços internacionais se reduziram, mas as quantidades exportadas se elevaram, o que causou um efeito de flexibilidade negativo de 1,5% ao ano.

“O resultado disso é que o valor das exportações cresceu à taxa média anual de 3,4% no período, mas 88,1% da receita das exportações provieram do aumento do volume exportado de produtos com preços em baixa. O aumento de competitividade se deve principalmente à maior quantidade exportada. Entre os triênios 1996-98 e 2001-03, por exemplo, a quantidade exportada cresceu 12,2% ao ano, mas o preço teve queda de 7,3% ao ano em dólares”, diz Maria Auxiliadora.

De acordo com ela, se a trajetória das exportações brasileiras seguir o fluxo de aumento cada vez maior de commodities básicas, “estaremos depauperando nossos recursos naturais com resultados econômicos limitados e de curto prazo. De certa forma, estaremos reproduzindo as condições dos ciclos econômicos que marcaram o começo da nossa história, como o da cana e do café, com todas as implicações em termos de vulnerabilidade externa”, alerta.

Ela destaca ainda que quando a pesquisa foi feita os dados disponíveis iam até 2003. Entretanto, embora nos últimos anos os preços internacionais dos produtos agrícolas estejam em alta, “essa vantagem vem sendo neutralizada pela sobrevalorização cambial.”

Para ler o artigo, Mudanças na pauta das exportações agrícolas brasileiras, de Maria Auxiliadora de Carvalho e César Roberto Leite da Silva, disponível na biblioteca on-line SciELO (Bireme/FAPESP), clique aqui.