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Senador recua e suspende projeto que reduz faixa de fronteira


Sob aplausos de uma platéia acostumada a vaiar seus discursos em defesa da redução da faixa de fronteira, o senador Sérgio Zambiasi (PTB/RS) anunciou ontem que a Proposta de Emenda Constitucional (PEC), de sua autoria, para reduzir de 150 para 50 quilômetros a faixa de fronteira em quatro estados, está suspensa temporariamente. Por Cleber Dioni, do jornal , RS, 23/07/2008.

“Não irei dar acordo para que a PEC volte a tramitar. Primeiro, vamos fazer a discussão sobre este tema”, afirmou.

A causa aparente da mudança é a acusação do movimento ambientalista de que o projeto é patrocinado pelas empresas de celulose que estão comprando terra no Rio Grande do Sul.

A platéia formada por integrantes de movimentos sociais e ambientalistas apoiou sua iniciativa e pediu mais: que a projeto fosse engavetado. Zambiasi disse que esse poder não está mais em suas mãos, mas ressaltou que a proposta já foi apresentada ao presidente Lula, à ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, e ao ministro da Justiça Tarso Genro, que manifestaram estar de acordo com a mudança na extensão das áreas fronteiriças.

Embora o senador estivesse sozinho defendendo sua posição, o seminário proposto pelo deputado federal Adão Pretto (PT) transcorreu tranquilamente, com uma ou outra manifestação mais exaltada. No local, o plenarinho da Assembléia Legislativa não faltaram faixas de protesto contra os projetos de silvicultura no Estado.

Zambiasi disse que o projeto para reduzir a faixa de fronteira não visava aos interesses das empresas de eucalipto, como a Stora Enso, inúmeras vezes citadas pelos palestrantes, mas a todas as atividades que possam trazer benefícios aos municípios onde se estabeleçam.

“Infelizmente criou-se uma grande confusão entre faixa de fronteira, desenvolvimento e eucalipto. Nós estamos falando de uma legislação que viabilize o desenvolvimento de regiões abaladas economicamente e que não conseguem oferecer emprego, saúde e educação adequados aos seus habitantes”. Deu o exemplo de Santana do Livramento, na divisa com o Uruguai, onde existem projetos de geração de energia eólica, “que não poderão ser implementados se a legislação não for modificada”.

Além da PEC apresentada por Zambiasi, dois outros projetos sobre o assunto tramitam no Congresso Nacional. Um de autoria do deputado federal Mendes Ribeiro Filho (PMDB/RS) e outro subscrito pelo deputado Matteo Chiarelli (DEM/RS) alteram a artigo 20 da Constituição Federal para diminuir de 150 para 50 quilômetros a largura da faixa de fronteira no Mato Grosso, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul.

No Brasil, as faixas de fronteira atingem onze estados, 588 municípios, que correspondem a 27% do território nacional, e cerca de 10 milhões de habitantes.

Movimentos Sociais

Representando o Movimento Gaúcho em Defesa do Meio Ambiente, José Hoffmann disse que o movimento começou logo após o governo estadual ter aprovado o zoneamento ambiental visando aos interesses das empresas de celulose. “Este é um movimento de indignação frente ao atropelo às leis ambientais”, frisou o ex-secretário de Agricultura do Governo Olívio. Sua colega apresentou uma extensa carta aberta, assinada por diversos movimentos sociais, em que sustenta que a área almejada pelas propostas em tramitação no Congresso Nacional pertence a uma região de extrema importância estratégica nacional, pois compreende uma vasta extensão do Aqüífero Guarani. Quanto à biodiversidade e sustentabilidade do bioma Pampa, o documento considera o risco de destruição do bioma, que possui apenas 0,36% de áreas protegidas por parques e reservas.

Do ponto de vista sócio-econômico, diz o documento, o tema é muito preocupante. “Ao contrário do que se pensa, mais da metade das propriedades rurais nos principais municípios da faixa de fronteira tem até 300 hectares baseadas na pecuária familiar com baixo impacto ambiental”.

O deputado Dionilso Marcon (PT) afirmou que a suspensão da tramitação da PEC, de autoria do senador gaúcho, representa uma vitória para os movimentos sociais. “Foi uma atitude de grandeza do senador, que deve ser reconhecida. No entanto, a luta não terminou, pois há interesses poderosos que envolvem esta questão”, frisou.

Defesa nacional

O coronel Gustavo de Souza Abreu, representante do Ministério da Defesa, salientou que a questão da faixa de fronteira é muito mais complexa do que se pensa. “Ela compete ao Conselho Nacional de Segurança (CDN), que é um mecanismo regulador. O poder de polícia do Exército está limitado à faixa de fronteira. Então, quando há projetos de investimentos de empresas estrangeiras nessas áreas, o CDN analisa qual é o interesse do Brasil que determinadas atividades se instalem nessas regiões. Mas, se não houver faixa de fronteira, então os projetos não precisarão passar pelo Conselho”, explica.

Segundo o coronel, os municípios de fronteira devem ser incluídos em programas especiais de investimentos do governo federal. “Os militares não têm interesse que as regiões de fronteira não se desenvolvam, ao contrário, agora, não podemos entender que a redução da faixa irá garantir desenvolvimento das cidades”, disse.

O assessor da Conferência Nacional dos Municípios, Carlos Matsumoto, reforçou a necessidade de se formular políticas de investimento nas cidades de fronteira. “Verificamos através de estudos que o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) médio dos municípios que estão na faixa de fronteira é menor que o do restante do Estado. Por isso, a necessidade de políticas específicas para a fronteira, que incluem temas sociais e de integração regional”, completa.

O professor de Direito Constitucional da UFRGS, Eduardo Carrion, classificou os projetos de redução da faixa de fronteira como entreguistas. “Reduzir é reafirmar nossa posição de colonizadores, de dependência. É passar de uma proposta nacionalista para uma proposta entreguista. Essa PEC, que não tem funcionalidade alguma, vai atingir de morte a lei e seu regramento. Não podemos transigir nesse assunto, nos deixarmos seduzir por interesses pontuais, pequenos, que não atendem a interesses coletivos, por isso temos que arquivar essa PEC”, afirmou.

Zoneamento

O professor Flavio Lewgoy, representante da Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural (Agapan) salientou que não é contra o eucalipto, mas a plantação desordenada dessas espécies exóticas. E criticou o governo do Estado por não ter considerado o zoneamento feito pela Fundação Estadual de Proteção ao Meio Ambiente (Fepam). “O zoneamento acabou ficando nas mãos dos empresários com poder de intervir no governo”, disse Lewgoy.

Já o professor Ludwig Buckup, da Assembléia Permanente de Defesa do Meio Ambiente (Apedema) criticou o fato de que até o momento as empresas de celulose não apresentaram nenhum detalhamento de investimentos sociais e econômicos nos municípios onde as empresas querem investir.

[EcoDebate, 25/07/2008]