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Japão desiste de disfarçar a caça à baleia de ciência

País admite que faz pesquisa com objetivo de provar que é possível voltar a caçar cetáceo comercialmente na Antártida

Perto do templo mais famoso de Tóquio, o Asakusa Kannon, uma loja chama a atenção: tem uma das paredes coberta pela pintura de uma baleia e as prateleiras estão repletas de latas de diferentes tipos -todas contém carne do maior animal marinho. Uma baleia azul de pelúcia enfeita o local, além de inúmeros suvenires desses mamíferos em miniatura. Da Folha de S.Paulo, 13/07/2008.

O dono do mercadinho primeiro expulsa a curiosa ao ver um flash ser disparado. Depois, ao perceber que a suposta turista -uma repórter- insiste em conhecer a loja e comprar latas de carne, pede desculpas, em inglês, e lhe dá de brinde pequenas baleias de porcelana.

A reação do comerciante e seu receio às fotos reflete a polêmica existente em torno da caça científica realizada pelo Japão e que tem, como produto, a carne vendida em mercados e restaurantes japoneses.

Apesar de a moratória à caça comercial vigorar desde 1986, o Japão possui uma cota de captura científica na Antártida que atinge cerca de mil baleias por ano. O governo japonês reconhece que a atividade resulta na venda de 5.000 toneladas de carne de baleia ao ano no país.

Tsuyoshi Iwata, diretor-assistente da Divisão Oceânica da Agência de Pesca do Japão, usa vários argumentos para justificar a intenção do país de voltar a caçar comercialmente. Diz que é preciso matar animais “para pesquisa” e que a importância da carne de baleia na dieta local tende a aumentar.

“Nós temos tradição de comer carne de baleia. E, no futuro, esse uso deve ficar ainda mais importante em razão da crise mundial de alimentos”, diz Iwata, lembrando que o Japão importa muitos alimentos. Ele diz, ainda, que só matando é possível saber o que as baleias comem (ao analisar o conteúdo do estômago) e descobrir com precisão idade e tamanho.

Matar para argumentar

Sara Holden, coordenadora internacional da campanha de Baleias do Greenpeace, ironiza esse tipo de afirmação. “O conteúdo do estômago é o mesmo de muitos anos atrás. E é possível saber aproximadamente idade e tamanho sem matar.”

Iwata, porém, afirma que, quanto mais baleias forem mortas, mais estatística haverá para provar que é viável voltar a caçar de maneira comercial.
“Em nossa opinião, não existe diferença entre carne de baleia e atum, por exemplo. É um recurso marinho que deve ser utilizado, desde que seja abundante.”

Os japoneses abatem na região da Antártida até 935 baleias minke, espécie que aparece na categoria “risco menor/dependente de conservação” na lista vermelha de animais ameaçados da IUCN (União Internacional para a Conservação da Natureza).

Também estão na cota 2007/ 2008 outras 50 baleias-fin, espécie da categoria “em perigo”, e 50 jubarte, da categoria “vulnerável”. Sob pressão, o país disse que não caçaria jubartes pelo menos até o meio do ano.

Tanto ONGs quanto outros países, como o Brasil, questionam a matança. Na opinião de Bernardo Velloso, chefe da Divisão do Mar, da Antártida e do Espaço, do Ministério das Relações Exteriores, o número de baleias abatidas na caça “dita científica” não é justificável do ponto de vista técnico.

De acordo com ele, outro problema é o fato de a cota incluir “50 baleias jubarte, consideradas universalmente o símbolo da espécie em extinção”. O Brasil, que só na década de 80 proibiu a caça, hoje defende o “uso não-letal” desses animais, como o turismo para observação de baleias, que gera lucro e está em expansão.

Mesmo assumindo considerar o abate de baleias natural, os japoneses ainda parecem sentir certo constrangimento com a ação. Leandra Gonçalves, do Greenpeace, seguiu navios na Antártida entre o final de 2007 e início deste ano.

“Decidiram não caçar na nossa frente. Perseguimos a frota por duas semanas e impedimos a caça de mais de cem baleias.”

Governo acusa ambientalista

Não é de hoje que a caça científica provoca controvérsia, mas o assunto voltou com tudo ao debate após a prisão de dois ativistas do Greenpeace no Japão, formalmente acusados na sexta-feira (11/7) passada de roubar carne desses cetáceos.

Eles tentavam mostrar um esquema de contrabando dos tripulantes do navio-fábrica Nisshin Maru. Dizem ter interceptado uma caixa com carne de baleia que funcionários da embarcação mandavam para suas próprias casas.

Depois de irem a público denunciar o suposto esquema, acabaram detidos pela polícia. O governo diz que a carne era parte do salário dos tripulantes. A Folha foi recebida pela coordenadora internacional da campanha de Baleias da ONG, Sara Holden, na sede do Greenpeace em Tóquio.

Tendo em vista os acontecimentos recentes, ela se deslocou da Holanda para o Japão. No escritório, que funciona em Nishi-Shinjuku, distrito conhecido pelos arranha-céus, ela contou que teme pelo futuro da ONG no país.

“A polícia revistou o escritório e casas de integrantes. Ficou dez horas na sede, levou sete computadores, telefones e documentos. Temos medo de que tentem fechar o escritório.” Até agora, quase 300 mil pessoas assinaram uma carta ao governo japonês pedindo a libertação dos ativistas.

Impasse diplomático

A moratória à caça, a captura científica e a criação de santuários de baleias são assuntos discutidos na CIB (Comissão Internacional da Baleia). Hoje, o órgão é polarizado entre um grupo de países baleeiros e outro de conservacionistas.

Uma proposta de um dos lados quase sempre é vetada pelo outro. Na reunião deste ano, em junho, foi criado um grupo menor, que tentará atingir consensos.

[EcoDebate, 15/07/2008]