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agricultura familiar: Assistência técnica, títulos de propriedade, preço dos insumos e garantias exigidas travam a produtividade

Para agricultura familiar, pacote de crédito é pouco

O governo reforçou a agricultura familiar como arma no combate à inflação, mas a elevação do custo de produção ameaça o “choque de produtividade” prometido pelo presidente Lula. O aumento do crédito não acompanhou a alta vertiginosa dos fertilizantes, transportes e da energia e a pressão sobre os preços dos alimentos não deve ser aliviada no curto prazo por esse caminho. Por Adriana Fernandes e Fabíola Salvador, do O Estado de S.Paulo, 13/07/2008.

Com realidades muito distintas em todo o País, a agricultura familiar também esbarra em velhos problemas: falta de assistência técnica para a transmissão de novas tecnologias, atravessadores e dificuldades na hora de oferecer garantias para os empréstimos.

Incluído na lista de problemas “estruturais” da agricultura, o preço dos insumos agrícolas é hoje o maior motivo de preocupação e de desestímulo para produzir mais. “A melhor coisa que existe é lançar pacote. Mas o grande problema da agricultura, que é o preço dos fertilizantes, não foi atacado pelo governo no conjunto de medidas anunciadas pelo presidente”, reclama o agricultor familiar Genésio Muller, de Planaltina, no Distrito Federal. Ele avisa que vai reduzir a área plantada.

Um dos maiores especialistas em agronegócios do País e sócio da consultoria MB Associados, o economista José Roberto Mendonça de Barros avalia que o aumento do custo de produção é sério e deve perdurar. “Esse problema o pacote de crédito não vai resolver”, diz.

Para ele, o maior desafio do governo com o programa será levar tecnologia e crédito aos produtores familiares que produzem em condições de quase subsistência – situação distante dos agricultores familiares que têm produção integrada com empresas agropecuárias, como de frangos, suínos e leite.

“São dois grupos muito diferentes. É esse segundo grupo que produz a maior parte dos alimentos”, ressalta Mendonça de Barros. Ele não bota fé na capacidade de a agricultura familiar elevar rapidamente a produção em grandes volumes e com custos baixos para ajudar no combate da inflação. Mas o economista avalia que o governo está no caminho certo em dar apoio ao setor: “A idéia é generosa, mas sou cético”.

SEM TÍTULOS

Outros entraves emperram o desenvolvimento da agricultura familiar. O fundiário é um deles. Muitos agricultores não têm a titularidade da propriedade. Sem a terra para oferecer como garantia real, o agricultor tem dificuldades de obter o financiamento de tratores e máquinas agrícolas com descontos de até 17,5%, o grande chamariz do programa “Mais Alimentos”, lançado pelo presidente no início do mês.

Só em Mato Grosso, cerca de 130 mil pequenos produtores rurais, entre posseiros, arrendatários e assentados da reforma agrária, devem ficar sem crédito, argumenta o deputado Eduardo Moura (PPS-MT).

O vice-presidente de agronegócios do Banco do Brasil (BB) e ex-ministro da Agricultura, Luis Carlos Guedes Pinto, prevê que o programa não vai trazer novos clientes da agricultura familiar para o banco. “A nossa expectativa é que a maioria das pessoas que demandará esse crédito já é cliente”, diz. O BB atende a 1,5 milhão de produtores com contratos do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf), que prevê aumento em 3 anos de 18,6 milhões de toneladas pela agricultura familiar, hoje responsável por 10% do Produto Interno Bruto (PIB) e por 70% dos alimentos consumidos diariamente pelos brasileiros.

Confiante no sucesso do programa, o ministro do Desenvolvimento Agrário, Guilherme Cassel, reconhece que a alta da inflação ajudou a dar mais visibilidade, dentro e fora do governo, à agricultura familiar. “Era um setor invisível, associado ao atraso e à falta de produtividade”, afirma.

Embora reconheça que esses agricultores estejam muito distantes da “fronteira de produtividade”, o ministro diz que os economistas estão errados em não terem dado até agora a importância que o setor merece para o controle dos preços dos alimentos. “É hora de olhar o País real.”

Para combater outro problema dos agricultores – a redução da renda devido ao peso dos atravessadores -, o ministro pretende criar centros populares de venda dos produtos nos centros urbanos, num modelo semelhante às farmácias populares.

A expectativa do governo de um choque rápido de produtividade é questionada até por aliados históricos do Planalto. “Leva tempo para se chegar ao nível tecnológico que o governo quer. Não dá para fazer uma revolução da noite para o dia”, diz o presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag), Manoel dos Santos.

Para o gerente-geral da unidade de transferência de tecnologia da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), José Roberto Rodrigues Peres, a “chave” do sucesso do programa estará concentrada no combate a pontos de “estrangulamento” da atividade agrícola, entre eles a assistência técnica e a extensão rural.

[EcoDebate, 14/07/2008]