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Ativistas da Amazônia questionam finalidade do recadastramento das ONGs

Setores da sociedade civil consideram positiva a iniciativa do governo em estabelecer marcos legais para a atuação do chamado terceiro setor, formado pelas organizações não-governamentais, especialmente na Amazônia, mas questionam o alcance e a clareza da finalidade da norma. De acordo com a Portaria n° 1.272, de 3 de julho de 2008, as ONGs que atuam em todo o país têm 120 dias para se recadastrar no Ministério da Justiça. Por Gilberto Costa, Repórter da Rádio Nacional da Amazônia.

“Toda forma de presença do Estado é muito importante. O recadastramento, o controle e o entendimento de quem está trabalhando dentro da região é uma iniciativa louvável”, afirma Adrian Garda, diretor do Programa Amazônia da Conservação Internacional. Segundo ele, organizações como a que ele dirige não precisam de autorização para funcionamento. O Programa Amazônia da Conservação Internacional é subsidiária de entidade estrangeira, mas registrada como brasileira e com todos os quadros técnicos brasileiros.

Porém, para a membro da Associação Brasileira de ONGs (Abong) e do Instituto Universidade Popular do Pará Aldalice Otterleoo, a Portaria n.º 1.272/08 não é clara. “Quando fala por exemplo de ‘ONGs estrangeiras’ ou ‘estratégico’, o que significa isso?”, questiona a ativista, que atua há 30 anos em ONGs na Amazônia. Ela disse que desconhece qualquer atividade ilícita dessas instituiçãoes na região.

Na avaliação de José Antônio Moroni, do Instituto de Estudos Socioeconômicos e da diretoria executiva da Abong, a medida do governo pode servir para desviar o foco dos problemas ambientais na região.

“Acho que está havendo uma certa jogada de marketing por parte do governo, desviando o foco do desmatamento para as chamadas ONGs internacionais”. Segundo Moroni, “todas as organizações, para atuar no Brasil, já precisam de autorização do Ministério da Justiça, que tem o poder de fiscalizar essas organizações”.

Há cerca de um mês, Moroni se reuniu com o secretário nacional de Justiça, Romeu Tuma Júnior, e entregou um documento com propostas para regulamentar as atividades das entidades. No documento, a Abong manifesta-se contrária “a tentativas autoritárias de restringir a liberdade de associação em nome de falsos compromissos com a moralidade pública ou com a soberania nacional”.

Para o advogado Raul Telles do Valle, do Instituto Sócioambiental, o governo discrimina as ONGs e trata de forma diferenciada as instituições estrangeiras em relação às nacionais.

“Esse é um grande paradoxo. Quando existem estrangeiros que vêm falar e defender a conservação ambiental, direitos dos povos indígenas ou dos pequenos produtores; eles estão ameaçando o interesse nacional. Agora, quando eles são, na forma de capital estrangeiro, que vende soja, vende minério, vende água, vende solo, vende biodiversidade para fora; eles são investidores importantíssimos para o equilíbrio da balança comercial brasileira”, compara Raul do Valle.

Segundo a Superintendência da Zona Franca de Manaus, o volume de investimentos estrangeiros no Pólo Industrial deverá oscilar em torno de US$ 5 bilhões este ano. Em mais de 30 anos, o Banco Mundial já investiu US$ 1,4 bilhão na Região Norte. Há recursos estrangeiros captados pelo governo federal também para a preservação da floresta. Este ano, o Ministério do Meio Ambiente anunciou que o programa de Áreas Protegidas da Amazônia vai receber mais US$ 105 milhões do exterior.

Legislação sobre ONGs estrangeiras busca garantir soberania nacional, diz secretário

A iniciativa do governo de recadastrar organizações não-governamentais que atuam no país e de elaborar um decreto presidencial para regular atividades em áreas protegidas, terras indígenas e zonas de fronteira visa a assegurar a soberania nacional na Amazônia.

Conforme o ministro da Justiça Tarso Genro, preocupa especialmente a atuação de organizações estrangeiras na Amazônia Legal. Segundo o Ministério da Justiça, há 167 ONGs estrangeiras atuando no Brasil e 27 na região.

Há mais de um ano, setores da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), da Polícia Federal e das Forças Armadas vêm manifestando publicamente a preocupação com atividades de ONGs na região e com a soberania nacional.

Responsável pela portaria que prevê o recadastramento de ONGs, o secretário nacional de Justiça, Romeu Tuma Júnior explica que cuidar da soberania nacional não envolve apenas a defesa do território. “Quando se fala em soberania nacional, se fala de uma forma complexa. Não é só da questão territorial, mas também das riquezas naturais, da cultura dos nossos povos e da questão da natureza”, detalha.

Para o coronel reformado do Exército Brasileiro, Manoel Soriano Neto, o recadastramento é o “primeiro passo”, mas há riscos de organizações clandestinas “continuarem atuando”. Para o militar, ex-agente de informação e ex-chefe do Centro de Documentação do Exército, pode haver associação entre interesses econômicos e ONGs estrangeiras.

“Essas organizações não-governamentais são, às vezes, um disfarce dos interesses econômicos de nações hegemônicas. Então, elas são predadoras e espiãs. Elas procuram a biodiversidade da nossa Amazônia, os minérios raros, os minérios de última geração e pensam que a Amazônia deva ser internacionalizada em face disso.”

Ativistas de ONGs não acreditam em riscos à soberania e criticam os órgãos de inteligência. “Eles colocam isso como tese e colocam todas as entidades como suspeitas. Nós fizemos essa pergunta para o secretário [Romeu Tuma Júnior], se há algum caso concreto disso, e a resposta dele foi não. O Ministério da Justiça não tem nenhum caso concreto, só tem em tese”, aponta José Antônio Moroni, do Instituto de Estudos Socioeconômicos e da Diretoria Executiva da Associação Brasileira de Organizações Não-Governamentais (Abong).

O diretor do programa Amazônia da organização Conservação Internacional, Adrian Guarda, diz não entender a razão das acusações de envolvimento de ONGs com biopirataria na Amazônia, por exemplo. Segundo ele, o contrabando “não vai ser via uma instituição”, mas pode decorrer de “barreiras facilmente permeáveis que há no controle de entrada de imigrantes no Brasil”.

Romeu Tuma Júnior assegura que “não há interesse em criminalizar a atuação das ONGs”, mas de “separar o joio do trigo”. “O que nos queremos é que aqueles que queiram investir no Brasil venham investir, mas que o Brasil saiba para onde vão, quem vai representá-los, qual o interesse, qual o objetivo e qual o plano de trabalho”, pondera.

Segundo ele, uma “série de condutas desviantes” das ONGs foram identificadas e “há vários casos concretos”, mas o direito de defesa e as investigações impedem divulgação.

[EcoDebate, 11/07/2008]