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Artigo

(IIRSA) Integração Regional: Infra-estrutura a serviço do grande capital, artigo de Igor Fuser

Com as bênçãos de Washington e o apoio financeiro do Banco Interamericano
de Desenvolvimento, dez países sul-americanos vêm levando adiante um conjunto
de obras gigantescas, voltadas para ajustar as economias da região aos interesses
do mercado globalizado e das empresas transnacionais.

Quem reduz o cenário político da América do Sul ao contraste entre um pólo
esquerdista (Venezuela, Bolívia e Equador) e um conservador (Colômbia, Peru,
Paraguai), separados por uma zona cinzenta de posições intermediárias (Brasil,
Argentina, Chile, Uruguai), deveria rever esse mapa ideológico simplista,
comum à maioria das análises, a partir do avanço silencioso de uma iniciativa
que transcende as clivagens entre os governos. Com as bênçãos de Washington
e apoio financeiro do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), os dez
países sul-americanos citados (1) vêm levando adiante a implementação de
um conjunto de obras gigantescas, voltadas para ajustar as economias da região
aos interesses do mercado globalizado e das grandes empresas – locais ou
multinacionais. Desde de 2000, quando foi criada, a Iniciativa de Integração
da Infra-Estrutura Regional Sul-Americana (IIRSA), um megaprojeto que engloba
transportes, energia e comunicações, tem implementado uma estratégia que
viabiliza a inserção da América do Sul na economia globalizada de modo absolutamente
coerente com a lógica neoliberal. A região é encarada como fornecedora de
produtos agrícolas, matérias-primas e recursos energéticos para os centros
dinâmicos do capitalismo.

De acordo com a página da IIRSA na internet (2), seu objetivo é “promover
o desenvolvimento da infra-estrutura com base em uma visão regional, procurando
a integração física dos países da América do Sul e a conquista de um padrão
de desenvolvimento territorial equitativo e sustentável”. A iniciativa prevê
a execução de 348 obras em vinte anos, num investimento de aproximadamente
38 bilhões de dólares. Esses projetos, dos quais 31 são considerados de curto
prazo, se articulam ao redor de 12 “eixos de integração” que abarcam todo
o território sul-americano e, em vários casos, apresentam superposições e
interconexões (veja quadro abaixo)

OS 10 EIXOS DA IIRSA

1. Eixo Andino – (Venezuela, Colômbia, Equador, Perú, Boívia):
– Integração energética, com destaque para a construção de gasodutos.

2. Eixo de Capricórnio – (Norte do Chile e da Argentina, Paraguai, Sul do
Brasil):
– Integração energética, incorporação de novas terras a agricultura de exportação,
biocombustíveis.

3. Eixo do Amazonas – (Colômbia, Peru, Equador, Brasil):
– Criação de uma rede eficiente de transportes entre a bacia amazônica e
o litoral do Pacífico, com vista à exportação.

4. Eixo do Sul – (Sul do Chile/Talcahuano e Concepción, e da Argentina/Neuquém
e Baia Blanca):
– Exploração do turismo e dos recursos energéticos (gás e petróleo).

5. Eixo Interoceânico Central – (Sudeste brasileiro, Paraguai, Bolívia, norte
do Chile, sul do Peru):
– Rede de transporte para exportar produtos agrícolas brasileiros e minerais
bolivianos pelo pacífico.

6. Eixo Mercosul-Chile (Brasil, Argentina, Uruguai, Chile):
– Integração energética, com ênfase nos gasodutos e na construção de hidrelétricas.

7. Eixo Peru-Bolivia-Brasil:
– Redirecionamento do fluxo das exportações brasileiras para o Pacífico.

8. Eixo da Hidrovia Paraguai-Paraná (Sul e sudoeste do Brasil, Uruguai, Argentina,
Paraguai):
– Integração dos transportes fluviais, incremento na oferta de energia hidroelétrica.

9. Eixo do Escudo Guiano (Venezuela, Guiana, Suriname, extremo-norte do Brasil):
– Aperfeiçoamento da rede rodoviária.

10. Eixo Andino do Sul (Região Andina de fronteira Chile-Argentina):
– Turismo, rede de transporte.

Os “eixos” são, na essência, corredores destinados a facilitar a exportação
de bens primários para os mercados dos países desenvolvidos. O Eixo Amazônico,
um dos mais importantes, se destina a ligar portos no Pacífico – Paita, no
Peru; Esmeraldas, no Equador; e Tumaco, na Colômbia – com o Atlântico, na
foz do Rio Amazonas, em Belém. Por esse corredor passariam produtos andinos
(principalmente, minérios) rumo à Europa, e, no sentido oposto, produtos
amazônicos, como carne e madeira, em direção ao mercado da Ásia e da América
do Norte.

O Eixo Interoceânico Central, que envolve territórios do Brasil, Bolívia
e Peru, deverá reduzir enormemente os custos de transporte do agronegócio
brasileiro em suas exportações pelo Pacífico. Este é um objetivo central
de duas das mais polêmicas entre as obras previstas: o Complexo Hidrelétrico
do Rio Madeira, (que inclui, além de três represas, uma hidrovia) e a Rodovia
Interoceânica, de 2.586 quilômetros em território peruano, atravessando os
Andes. O pacote da IIRSA também inclui, em outros de seus “eixos”, uma rede
de gasoduto destinada a integrar as reservas de gás da Bolívia e do Peru
ao mercado internacional e a Hidrovia Paraná-Paraguai, que pretende ligar,
através de 3.442 km de rios navegáveis, o porto fluvial de Cárceres, no Mato
Grosso, com Buenos Aires, no Atlântico, oferecendo mais uma saída para a
soja e demais commodities da região.

O IIRSA surgiu como uma iniciativa do BID, em agosto de 2000, em parceria
com a Corporação Andina de Fomento (CAF) e o Fundo para o Desenvolvimento
da Bacia do Prata (Fonplata). O então presidente brasileiro Fernando Henrique
Cardoso foi o anfitrião do encontro fundador, em Brasília, que contou com
a adesão de todos os países sul-americanos, exceto a Guiana Francesa. Desde
então, muita coisa mudou no cenário político regional, mas a iniciativa segue
adiante, com o apoio de todos os governos participantes – e, o que é muito
significativo, sem sofrer questionamentos sérios dos presidentes identificados
com plataformas de esquerda. Quem tem criticado esse ambicioso esquema de
integração física são os movimentos sociais, cientistas e entidades não-governamentais
ligados à defesa do meio ambiente. As críticas se referem tanto ao impacto
social, econômico e ambiental dos projetos, traçados sem levar em conta as
necessidades das populações afetadas pelas obras, quanto à própria estratégia
que permeia toda iniciativa.

A mesma lógica das privatizações

Na visão dos opositores da IIRSA, o empreendimento se insere na mesma lógica
neoliberal que se expressou nas privatizações e na abertura comercial das
duas últimas décadas. Eles acreditam que essas obras aumentarão a dependência
da América do Sul em relação às nações ricas, agravando os desequilíbrios
entre os países da região e no interior de cada um deles e, nesse processo,
acelerarão o esgotamento de recursos naturais valiosos, em prejuízo das gerações
futuras. Há também descontentamento com a hegemonia de grupos empresariais
brasileiros, em especial, o agronegócio e as grandes construtoras, os setores
que mais têm a ganhar com o empreendimento.

Os críticos chamam a atenção, logo de saída, para o flagrante descaso com
relação aos efeitos nefastos sobre as comunidades ribeirinhas, os indígenas
e os camponeses das regiões onde se situam as obras. “Os modelos de integração
até agora propostos desconsideram as identidades das populações locais, suas
culturas e seus territórios”, assinala Magnólia Said, presidente do Centro
de Pesquisa e Assessoria (Esplar), de Fortaleza. Em vez de serem consultados,
prossegue ela, os moradores são compelidos a “integrar-se a uma ordem de
desenvolvimento na qual os únicos interesses que irão continuar valendo são
os interesses do mercado”.

A maior parte dos projetos da IIRSA se situa em regiões de rica biodiversidade,
ecossistemas frágeis e populações altamente vulneráveis a alterações ambientais.
Por mais que as obras se anunciem como “sustentáveis”, o impacto ambiental
é inegável e, em alguns casos, devastador. As hidrovias e as represas alteram
o regime de águas dos rios, afetando a pesca e ameaçando de extinção um grande
número de espécies aquáticas. As estradas provocam, inevitavelmente, o desmatamento
de áreas que vão muito além de suas margens, sem falar em efeitos colaterais
como a imigração descontrolada e a poluição. É sintomático, nesse quadro,
que a Rodovia Interoceânica tenha sido aprovada, financiada e esteja sendo
construída, desde 2006, sem a realização de estudo prévio de impacto ambiental.
De acordo com uma pesquisa do Grupo de Trabalho da Sociedade Civil Peruana,
a região – uma das áreas mais ricas em biodiversidade e, até recentemente,
em bom estado de preservação – enfrentará, em 10 anos, todas as mazelas que
quase sempre acompanham a instalação de rodovias (3). Com um agravante a
estrada atravessará uma área onde vivem diversos grupos indígenas em situação
de isolamento voluntário, que serão especialmente afetados pela degradação
do entorno.

Na linguagem tecnocrática dos planejadores envolvidos na IIRSA, os acidentes
geográficos, como a cordilheira dos Andes e a floresta amazônica, são encarados
como “barreiras”, empecilhos a serem “superados” em nome do progresso. Os
recursos naturais, por sua vez, se transformam em “estoques”, reservatórios
de commodities a serem negociadas no mercado futuro. “Para se viabilizar
– afirma Magnólia – esses projetos vão demandar o desaparecimento de tudo
o que é considerado obstáculo: árvores seculares, pequenas cidades, reservas
indígenas, comunidades quilombolas, práticas agrícolas consorciadas e traços
culturais. Ao mesmo tempo, a exclusão social permanece intocada”.

Na Amazônia brasileira, que tem seu território incluído em quatro dos “eixos
de integração”, a influência das obras se estenderá por 2,5 milhôes de hectares,
atingindo 107 terras indígenas, cujos residentes representam 22% da população
indígena brasileira. Outras 484 áreas prioritárias para a conservação da
biodiversidade também seriam afetadas. O título de um recente estudo da organização
não-governamental Conservação Internacional dá idéia do que está em jogo.
“Uma tempestade perfeita na selva Amazônica: desenvolvimento e conservação
no contexto da IIRSA” (4). Seu autor, o cientista norte-americano TIM Killeen,
diretor do Centro Nacional de Pesquisa Atmosférica, avaliou o impacto dos
novos projetos de transporte, energia e telecomunicações e conclui, que eles
poderão destruir grande parte da floresta tropical amazônica nas próximas
décadas.

A Floresta Amazônica ameaçada

Killeen relaciona as obras previstas na IIRSA ao crescimento das pressões
sobre o ecosistema amazônico e suas comunidades tradicionais. Entre essas
pressões encontram-se a exploração madeireira e o desflorestamento – problemas
associados à expansão descontrolada da agricultura, à criação de gado e à
exploração mineral, bem como ao rápido crescimento dos cultivos para biocombustíveis,
tais como a cana-de-açucar. “A falta de percepção do pleno impacto dos investimentos
da IIRSA, especialmente no contexto da mudança climática e de mercados globais,
poderá produzir uma tempestade perfeita de destruição ambiental”, escreveu
Killeen. “A maior área de floresta tropical do planeta e os múltiplos benefícios
que ela proporciona estão ameaçados”.

O desafio, segundo o pesquisador, é o de conciliar as expectativas legítimas
de desenvolvimento com a necessidade de conservar o ecossistema amazônico.
Mas essa preocupação, que deveria estar no centro do processo de decisões
da IIRSA, manifesta-se de forma superficial. A sustentabilidade ambiental
e social é encarada, no fundo, como uma questão de relações públicas (como
“vender” o projeto à opinião pública) e de gestão de conflitos (como contornar
as eventuais resistências da sociedade civil) Cifras grandiosas emolduram
a retórica desenvolvimentista dos arautos da IIRSA: megawatts de eletricidade,
milhares de quilômetros de estradas, juntamente com um mapa todo recortado
por rotas que o discurso oficial alardeia como vetores do progresso. Já o
impacto ambiental é encarado sempre de uma forma pontual, no âmbito restrito
de cada obra, como aponta a Conservação Internacional. “A estratégia de implementação
[da IIRSA] é completamente fragmentada, dificultando a percepção de seus
impactos econômicos, sociais, culturais e ambientais”, afirma o estudo da
entidade.

Em certos casos, a fragmentação ocorre dentro do próprio projeto, o que dificulta
a avaliação do impacto social e ambiental, como ocorreu com os estudos sobre
o Complexo Hidrelétrico do Rio Madeira (5). A hidrovia projetada tornará
mais barato o custo de transporte da soja e estimulará um aumento dramático
na produção, aumentando a pressão sobre a floresta amazônica, mas isso não
é levado em conta nas projeções de impacto ambiental. A Conservação Internacional
alerta que a ampliação da infra-estrutura em regiões como a Amazônia, em
que a capacidade de atuação do Estado é precária, costuma trazer consigo
efeitos incontroláveis como a imigração de populações em situações de miséria,
o agravamento das deficiências em educação, saúde, moradia e saneamento,
a perda da qualidade da água, o aumento indiscriminado da coleta e da caça
para a sobrevivência, a ampliação das áreas desmatadas, a grilagem de terras,
as doenças contagiosas, a criminalidade e a prostituição. Nada disso figura
nos relatórios oficiais, sempre otimistas, encaminhados às agências de financiamento.

O déficit de democracia na IIRSA é gritante. Regra geral, os projetos já
são anunciados como fatos consumados. O debate se restringe, então, as maneiras
de se adaptar a algo apresentado como irreversível, movido por forças acima
da vontade humana. Em muitos casos, a população nem mesmo é informada sobre
as conseqüências das obras que estão sendo planejadas. Um exemplo da falta
de transparência é o da usina hidrelétrica do Garabí, na bacia do Rio Uruguai,
maior obra da IIRSA em área de Mata Atlântica. O projeto original que afetará
fortemente a biodiversidade em terras situadas no Brasil, Uruguai e Argentina,
foi interrompido no início da década de 1990 diante da forte oposição das
populações ribeirinhas, de entidades ambientalistas e do Movimento dos Atingidos
por Barragens (MAB). Naquela ocasião, a previsão era de um impacto ambiental
catastrófico, com a destruição de várias cachoeiras e a inundação de uma
enorme área nos três países, inclusive no Parque Estadual do Turvo, no Rio
Grande do Sul. Em 2005, o projeto foi reiniciado, mas as discussões têm acontecido
a portas fechadas, apenas com representantes dos governos e das empresas
construtoras. O presidente Lula, em seu recente encontro com a chefe de Estado
argentina Cristina Kirchnner, em 22 de fevereiro, anunciou a retomada das
obras, e a população local permanece sem saber dos riscos a que será submetida.

No eterno impasse entre crescimento econômico e proteção ambiental, a pergunta
que raramente vem à tona se refere aos verdadeiros interesses existentes
por trás desses planos faraônicos de infra-estrutura. A quem servirá a energia
a ser produzida? Quem vai lucrar com o transporte de mercadorias pelos rios
que se tronarão navegáveis? Qual é a estratégia que move esses empreendimentos?
Para o sociólogo Luiz Fernando Novoa, da Rede Brasil sobre Instituições Financeiras
Multilaterais, a IIRSA se rege pelos interesses das grandes empresas, principalmente
norte-americanas e, em segundo lugar, brasileiras, que passarão a controlar
os recursos naturais da América do Sul numa escala sem precedentes. “Os projetos
são voltados para a competitividade externa da região e não para gerar interdependência
entre seus países”, afirma Novoa. “Há uma hierarquia de prioridades que não
corresponde aos interesses de nossas populações”.

A lógica da IIRSA, segundo Novoa, é a da criação de verdadeiros “territórios
empresariais”, desvinculados das trajetórias, da cultura e da dinâmica interna
dos povos. “A governança que os grandes conglomerados empresariais pretendem
estabelecer é a que proporciona capacidade de administração meticulosa da
expansão das fronteiras dos negócios”, afirma. “O Estado nacional, a população
e o meio ambiente ficam à mercê dos investimentos privados, à disposição
de seus requerimentos e de suas condicionalidades. E assim nos transformamos
em estrangeiros em nossos próprios países”.

O que ocorre no setor de produção de eletricidade é ilustrativo. “A demanda
crescente por energia está diretamente relacionada à expansão da produção
de bens eletrointensivos, como alumínio e a celulose”, aponta Elisângela
Soldatelli Paim, coordenadora de projetos do Núcleo Amigos da Terra Brasil,
de Porto Alegre. A represa de Tucuruí, construída na década de 1970 às custas
de uma imensa devastação ambiental e da expulsão de mais de 20 mil pessoas,
serve essencialmente a três grandes fábricas de alumínio, ali instaladas
devido às reservas de bauxita do Pará. Uma delas é norte-americana e outras
duas pertencem à Companhia Vale do Rio Doce, em sociedade com capitais japoneses.
A União subsidia a energia que abastece essas três empresas, mas os moradores
deslocados, além de não terem recebidos indenização, não têm eletricidade
nas suas casas. A produção de alumínio é feita de um modo predatório, que
conduz à rápida exaustão das reservas minerais, num esquema típico das chamadas
“economias de enclave”. A geração de empregos é reduzida. Grande parte do
alumínio produzido segue para os Estados Unidos, o Japão e a China, enquanto
os danos sócio-ambientais do empreendimento – as “externalidades”, em tecnocratês
– são absorvidos localmente.

A IIRSA, com sua ênfase na remoção dos entraves à circulação de mercadorias
e à exploração dos recursos naturais, segue uma estratégia compatível com
os objetivos da ALCA (Área de Livre-Comércio das Américas), defendida pelo
governo norte-americano. Os Estados Unidos, não por acaso, estão impulsionando
uma iniciativa de moldes semelhantes, o Plano Puebla-Panamá (PPP), projeto
similar ao da IIRSA e que tem como objetivo “integrar” sete países da América
Central e o sul do México (6). Encarados em conjunto, os dois megaprojetos
se encaixam perfeitamente, configurando um espaço latino-americano totalmente
adequado aos objetivos do máximo aproveitamento dos recursos naturais e humanos
em benefício do capital privado.

Nesse contexto, os opositores da IIRSA têm manifestado estranheza diante
do apoio que a iniciativa tem recebido dos governos esquerdistas da região.
A Venezuela de Hugo Chávez, ao mesmo tempo em que destoa do modelo integracionista
neoliberal com iniciativas como a Alba, a Telesur e o Banco do Sul, não apenas
participa da IIRSA, com vários empreendimentos em seu território, como propõe
a construção do Gasoduto do Sul. Trata-se de uma obra faraônica que, estendendo-se
do Caribe à Argentina, cortará a floresta amazônica do mesmo modo que as
empreitadas mais agressivas da IIRSA, afetando o meio ambiente e pondo em
risco o modo de vida de populações locais. Os presidentes Evo Morales, da
Bolívia, e Rafael Correa, do Equador, fizeram declarações, em dezembro de
2006, durante a Cúpula Social de Cochabamba, de que a IIRSA deve ser “reorientada”
a fim de corresponder aos interesses dos povos. No entanto, a Bolívia e o
Equador estão comprometidos com vários projetos do IIRSA – e nem todos eles
atendem a critérios sociais e ambientais aceitáveis. O governo de Morales
chegou a opor resistência ao Complexo Hidrelétrico do Rio Madeira em razão
dos impactos eu essa obra provocará no lado boliviano, mas mudou de posição
diante da perspectiva de obter apoio brasileiro para outros projetos. “Esses
governos ainda estão presos a um ?desenvolvimentismo econômico? predatório
em relação aos bens naturais e às populações”, avalia Mariângela Soldatelli
Paim, do Núcleo Amigos da Terra Brasil. “A questão é que o modelo capitalista
neoliberal que depende e resulta na exploração da natureza e dos povos não
está sendo combatido nas suas estruturas”.

A adesão dos governos “bolivarianos” à IIRSA deixa no ar uma pergunta: existe
alternativa? O sociólogo Luiz Fernando Novoa acredita que sim. “Ao criticar
a IIRSA não estamos dizendo que não é necessário construir rodovias, ferrovias,
hidrovias, portos e aeroportos, ou investir no setor elétrico e nas telecomunicações”,
esclarece. O que ele propõe – refletindo, em grande medida, um consenso entre
os opositores do modelo neoliberal de integração – é uma mudança no foco
dos projetos de infra-estrutura, de modo a priorizar os mercados internos
e o desenvolvimento local. “A geração e a distribuição de energia no continente
deve ser pensada em função do incremento do dinamismo econômico regional,
e não em função das necessidades de suprimento de cadeias transnacionais
de produção”, exemplifica.

Igualmente, do seu ponto de vista, a “interligação viária deve levar em conta
a otimização das interdependências potenciais entre nossos países e regiões”.
Novoa se antecipa às críticas ressaltando que se opor ao IIRSA não significa
ignorar o mercado externo. “É possível e necessário diversificar a pauta
de exportações para gerar renda e emprego com o mínimo de danos ambientais”,
afirma. “Isso só se viabiliza com um planejamento público do setor de infra-estrutura,
vertebrado por órgãos públicos com representação da sociedade civil e com
suporte de estatais e bancos de fomento desprivatizados”. Ou seja, na contramão
de tudo que estamos vivenciando hoje no Brasil.

Notas

1. Integram ainda a IIRSA a Guiana e o Suriname

2. www.irsa.org

3. Marc Dourojeanni, “A Estrada Interoceânica no Peru”, em OEco, 30/06/08,
diponível em htpp://arruda.rits.org.br/oeco/

4. “IIRSA pode colocar em risco floresta amazônica”, em Conservação Internacional
Notícias, 1/10/2007, disponível em htpp://www.conservation.org.br/noticias/

5. Telma Delgado Monteiro, “Hidrelétricas do rio Madeira”, em Amazônia.org.br,
6/2/2006.

6. Igor Ojeda e Luís Brasilino, “As veias cada vez mais abertas da América
Latina”, Brasil de Fato, 7/2/2008.

Igor Fuser é jornalista, professor na Faculdade Cásper Libero, e doutorando
de Ciência Política na USP

Artigo enviado por Maria Dirlene Trindade Marques, FSM/MG