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Notícia

O consumo como um ato político

“A disposição dos consumidores em comprar produtos e serviços sustentáveis já foi amplamente confirmada por pesquisas no Brasil, repetindo um fenômeno que já se consolidou na maioria dos países desenvolvidos”, escreve André Trigueiro, jornalista, em artigo publicado no jornal O Globo, 03-07-2008. Segundo ele, “entender o consumo como um ato político é um sinal de maturidade civilizatória, de respeito à vida e ao próximo”.

Eis o artigo.

O Instituto de Defesa do Consumidor (Idec) considerou insuficientes as informações dadas pelas três maiores redes varejistas do país — Carrefour, Pão de Açúcar e Wal-Mart — a respeito da origem da carne bovina vendida nesses estabelecimentos.

Através das respostas enviadas ao Instituto, chegou-se à conclusão de que os supermercados não dispõem hoje de meios seguros e isentos para aferir se a produção de carne causa desmatamento ou explora mão-deobra escrava ou infantil.

A rastreabilidade da carne é condição fundamental para a redução do desmatamento em uma região onde, de acordo com o IBGE, a população de bois dobrou nos últimos 10 anos, alcançando a marca de 73 milhões de cabeças de gado (três vezes superior à população de brasileiros que vivem na área da Amazônia Legal). Um terço da carne hoje exportada pelo Brasil tem origem na Amazônia.

Considerando que 18% da maior floresta tropical úmida do mundo já foram destruídos, e que a derrubada de árvores na Amazônia para a abertura de novos pastos responde por 80% dessa devastação, o consumidor de carne torna-se, na prática, um avalista dessa tragédia ambiental. A inexistência de carne certificada inviabiliza qualquer tentativa de privilegiar os segmentos do mercado que atuam na legalidade em toda a cadeia produtiva.

Os bons pecuaristas têm a reputação abalada pela impunidade dos que atuam na clandestinidade, e tornam-se competitivos apenas porque não recolhem impostos.

Para piorar a situação, a construção de frigoríficos em áreas de floresta vem sendo financiada por bancos oficiais e privados sem qualquer estudo prévio que possa revelar com clareza os impactos ambientais causados pela aplicação desses recursos.

Segundo o relatório produzido pela organização não-governamental Amigos da Terra (“O reino do gado — uma nova fase na pecuarização da Amazônia Brasileira”), “a proliferação de abatedouros, assim como a compra de muitos deles por grandes grupos que os ampliam e equipam, é financiada principalmente com apoio financeiro do BNDES, e em certa medida de bancos multilaterais como o IFC (grupo ligado ao Banco Mundial) e o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), e de bancos comerciais, entre os quais Itaú, Banco do Brasil e Bradesco”.

O que deveria valer para a carne é igualmente importante para os mercados de soja e madeira. A moratória da soja — renovada recentemente — assegura aos importadores europeus o fornecimento de grãos plantados em áreas onde não houve desmatamentos recentes (de 2006 para cá). Por que não ampliar essa exigência para o mercado interno? No mercado madeireiro, o exemplo também poderia vir de cima. Toda a madeira bruta ou processada comprada pelos governos (federal, estaduais e municipais) deveria ser certificada, priorizando-se nas licitações públicas os fornecedores que seguem à risca os planos de manejo.

A certificação não está imune à fraude, e qualquer movimento nesta direção demandará novos esforços de fiscalização e controle. Mas é muito bem-vindo o compromisso do Ministério do Meio Ambiente de mobilizar os esforços necessários para identificar a origem desses produtos e dividir com o consumidor a tarefa de proteger a floresta.

A rigor, quando a certificação obtida por meios confiáveis é entendida como algo elementar e referencial nas relações comerciais, todo e qualquer produto ou serviço — não apenas os da Amazônia — são passíveis de algum selo que ateste o cumprimento desse check-list socioambiental.

Imóveis, veículos, roupas, eletrodomésticos, tudo o que demanda uso de mão-de-obra, matéria-prima e energia, merece algum tipo de certificação. Entramos no século XXI experimentando uma crise ambiental sem precedentes, com direito à exploração de crianças e escravos em linhas de montagem abomináveis. Quem compra o resultado dessa lógica perversa é responsável por isso.

A sociedade de consumo possui ferramentas sofisticadas e inteligentes de promover ajustes no mercado em favor da sustentabilidade.

A disposição dos consumidores em comprar produtos e serviços sustentáveis já foi amplamente confirmada por pesquisas no Brasil, repetindo um fenômeno que já se consolidou na maioria dos países desenvolvidos.

Entender o consumo como um ato político é um sinal de maturidade civilizatória, de respeito à vida e ao próximo.

(www.ecodebate.com.br) publicada pelo IHU On-line, 03/07/2008 [IHU On-line é publicado pelo Instituto Humanitas Unisinos – IHU, da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos, em São Leopoldo, RS.]