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Juiz anuncia pacote de decisões sobre casos de escravidão

Depois de anos parados, dezenas de processos de crime de trabalho escravo devem ser julgados nos próximos meses. Juiz federal de Marabá (PA) destaca trabalho do grupo móvel e decisão do STF sobre competência de tribunais. Por Maurício Hashizume, da Agência de Notícias Repórter Brasil.

A condenação do fazendeiro Gilberto Andrade, dono de três propriedades onde houve flagrante de trabalho escravo e também acusado de ter torturado um trabalhador com ferro quente em fevereiro deste ano, a 14 anos de prisão pela Justiça Federal no Maranhão não foi um ato isolado do Judiciário. Enquanto recorria em liberdade, Gilberto Andrade foi preso no início deste mês e encaminhado à Penitenciária de Pedrinhas em cumprimento aos três pedidos acolhidos de prisão preventiva de autoria do Ministério Público Federal (MPF) com base na alegação de que se trata de um reincidente no crime.

Em sentença publicada no Diário Oficial do Estado do Pará no dia 28 de abril, o juiz Carlos Henrique Borlido Haddad, da Vara Federal de Marabá, condenou outro fazendeiro, Francisco Alves do Nascimento, pelo Art. 149 do Código Penal – ou seja, redução à condição análoga à de escravo. O magistrado fixou a pena de Francisco em cinco anos de reclusão no regime semi-aberto. Ele foi flagrado explorando o suor de sete trabalhadores na Fazenda Cajueiro, no município de Itupiranga (PA), e se recusou a pagar os direitos trabalhistas e as verbas rescisórias mesmo depois de ter sido autuado pelo grupo móvel de fiscalização, em novembro do ano passado.

Uma semana depois da fiscalização, Jonas Gomes do Nascimento e Josiel Gomes do Nascimento, filhos de Francisco Alves, ameaçaram, portando arma de fogo, um dos trabalhadores que testemunhou contra o dono da propriedade no inquérito policial de exploração de mão-de-obra escrava. “Jonas Gomes do Nascimento e Josiel Gomes do Nascimento demonstraram culpabilidade acentuada, uma vez que o crime foi praticado para tentar inibir a apuração de outro delito, de gravidade considerável. Os réus são primários, mas há registros de antecedentes desabonadores, pois ambos respondem por duas tentativas de homicídio. Além disso, o acusado Jonas figura como réu em dois outros processos (…)”, coloca o juiz Carlos Henrique, que decretou a reclusão (em regime fechado) por três anos dos dois filhos de Francisco.

O magistrado ainda completa: “Há informação depreciativa sobre a conduta social deles [Jonas e Josiel], porquanto se envolvem em brigas e têm fama de violentos. Nenhum dos dois exerce atividade remunerada e dependem economicamente do genitor. Os motivos do delito baseiam-se, em última instância, na tentativa de manter a renda familiar ao menor custo e para isentar o genitor de responsabilidade criminal”. A dupla permanece presa.

Em entrevista à Repórter Brasil, o juiz da Vara Federal de Marabá relata que o caso de Francisco, Jonas e Josiel foi julgado com rapidez porque dois dos réus no processo estavam detidos. Ele conta ainda que outras dezenas de processos acerca de crimes de trabalho escravo estão sob sua alçada. Atualmente, o magistrado ouve testemunhas, recolhe provas e confere dados para a produção de derradeiros relatórios. Nos próximos meses, conta Carlos Henrique, dezenas de decisões referentes a esses casos devem ser concluídas. “Muitos processos estão chegando à sua fase final”, adianta.

De acordo com a assessoria de imprensa do Ministério Público Federal do Pará, 31 pessoas foram denunciadas em 18 processos criminais pelo crime de trabalho escravo no estado. Em 2007, 103 indivíduos foram denunciados pelo mesmo crime. Pelo menos 34 desses processos tramitam na Vara Federal de Marabá, onde trabalha Carlos Henrique, que concentra os casos ocorridos em 36 municípios do Sul e Sudeste do Pará.

O juiz não titubeia em apontar os dois fatores determinantes para a aceleração dos processos sobre exploração de mão-de-obra escrava. “Tudo decorre da ênfase dada às fiscalizações pelo Ministério do Trabalho e Emprego nos últimos anos. O trabalho do grupo móvel, traduzido nas ações dos procuradores do Ministério Público do Trabalho [que também participam das operações], gerou mais processos na Justiça”, coloca o magistrado da Justiça Federal em Marabá. “A fiscalização mais intensa possibilita que haja mais decisões e punições em casos de trabalho escravo”.

Outro fator fundamental para destravar os processos, segundo o magistrado, foi a definição de um imbróglio jurídico. “Como o STF [Supremo Tribunal Federal] definiu a competência da Justiça Federal para julgar casos de trabalho escravo, não há mais impedimentos e muitas decisões devem ser tomadas nos próximos meses. Antes disso, os processos estavam paralisados”.

O próprio Carlos Henrique havia condenado outro fazendeiro por crime de trabalho escravo em outubro de 2006. Trata-se de Aldimir Lima Nunes, mais conhecido como “Branquinho”, acusado de manter seis pessoas em condições análogas à escravidão em 2003, na Fazenda Lagoa das Vacas, situada no município de Altamira (PA). Em 16 de outubro de 2006, foi publicada a sentença que estabelece uma pena de nove anos (5 anos de reclusão, 4 anos de detenção) em regime semi-aberto “Os motivos dos crimes baseiam-se na tentativa de auferir renda ao menor custo”, sacramenta o juiz na decisão.

Acusado de diversos crimes – além de trabalho escravo, grilagem de terra, descumprimento da legislação ambiental, ameaças a agentes da Comissão Pastoral da Terra (CPT) de Ananás, porte ilegal de arma e até acusação de homicídio (este último corre na Justiça do Tocantins) -, Branquinho chegou a ficar encarcerado por dois períodos. Da primeira vez em que foi preso (em setembro de 2003), fugiu dois meses depois pela porta da frente do Centro de Recuperação Metropolitano da Superintendência do Sistema Penal do Estado do Pará. Permaneceu na condição de foragido até janeiro de 2004, quando foi recapturado no Ceará. Logo em seguida, porém, a prisão preventiva de Branquinho foi revogada pelo juiz federal substituto de Marabá (PA), Francisco de Assis Garces Castro Júnior, autor de outros despachos pró-fazendeiros.

O Ministério Público conseguiu que novos pedidos de prisão preventiva fossem concedidos – que estavam valendo quando houve o julgamento em outubro de 2006 -, mas um habeas corpus concedido pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) vem garantindo até hoje a liberdade de Branquinho.

No julgamento realizado em junho de 2007, o relator do pedido, ministro Félix Fischer, ressaltou que a sentença condenatória [do juiz Carlos Henrique] determinou o “regime semi-aberto como o inicial de cumprimento da pena” e que, portanto, o réu deverá “aguardar o julgamento do recurso de apelação em liberdade, se por outro motivo não estiver preso”. Desde então, não há registro de novos pedidos de prisão preventiva por parte do Ministério Público, conforme consulta feita pela Repórter Brasil junto à assessoria da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC) do MPF.

O processo no qual Branquinho já foi condenado em primeira instância por trabalho escravo está desde maio de 2007 sob responsabilidade do desembargador Hilton Queiroz, no Tribunal Federal Regional (TRF) da 1ª Região. Segundo a assessoria do Tribunal, o processo permanece normalmente à espera de uma decisão, em meio aos outras demandas.