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Espaço dos veículos afinal em questão, artigo de Washington Novaes

[O Estado de S.Paulo] Começam a efetivar-se, já não sem tempo, algumas providências na cidade de São Paulo para tentar reduzir o dramático problema de congestionamentos no trânsito e perda de horas úteis pela população. E começam pelo que já existia há 60 anos e aos poucos foi sendo abandonado: restrições à circulação de caminhões de carga em certos horários e perímetros.

Queixam-se os proprietários de que haverá um encarecimento médio de 13% no custo das cargas. É possível que assim seja. Mas não há alternativas: ou pagam os usuários dos produtos transportados, ou paga toda a sociedade (inclusive as pessoas que não os consomem), ou nada se faz e a questão se agrava. Tem razão o prefeito quando diz (Estado, 7/5) que é ‘um ônus necessário’ e que ‘a cidade não suporta mais o trânsito’, já que, segundo as pesquisas, os cidadãos perdem em média 109 minutos por dia para se deslocar. E isso significa, em termos de horas de trabalho perdidas, entre R$ 27 bilhões e R$ 30 bilhões por ano, segundo cálculos dos professores Marcos Cintra e Adriano Murgel Branco. Não por acaso, as mesmas pesquisas dizem que 56% dos paulistanos são a favor de ampliar o rodízio de veículos.

As informações na área são sempre alarmantes. Segundo a Associação Nacional de Transporte Público, o sistema viário, somado ao espaço para estacionamentos e garagens, já ocupa mais de 50% da área da cidade – o veículo torna-se mais importante que o ser humano, prioritário (embora automóveis cheguem a consumir 90% da energia que usam para transportar seu próprio peso, não pessoas). Os congestionamentos agora começam dentro da garagem dos edifícios, dos shopping centers, dos conglomerados de escritórios. Ainda assim, quem tem automóvel não o abandona: sua velocidade média, de 27 quilômetros por hora de manhã e 22 à tarde (Estado, 6/3), é o dobro da velocidade dos ônibus (12 km/hora, de manhã ou à tarde). No metrô, chega-se ao sufoco de 8,6 passageiros por metro quadrado nos horários de pico, quando recebe 1 milhão de pessoas (3,4 milhões ao longo de todo o dia) – o dobro do que se considera aceitável, pior do que em Tóquio. Por essas e outras, as viagens costumam demorar 60% mais do que se previa, leva-se até 40 minutos para percorrer 13 quilômetros. Os ônibus transportam 4,9 milhões de pessoas por dia.

Em 15 anos, a frota de veículos na capital paulista dobrou (Estado, 13/3) e praticamente anulou as conquistas da instituição do rodízio de veículos. Mas o número de agentes de trânsito encarregados de disciplinar a movimentação caiu, no mesmo período, de 2.500 para 1.800. De acordo com as mesmas pesquisas, entretanto, os paulistanos rejeitam a solução do pedágio urbano, como a que foi adotada em Londres, Estocolmo, Genebra e outros lugares.

Os números impressionantes não são um privilégio paulistano. O Rio de Janeiro também está restringindo os horários de circulação de caminhões de carga – embora a Justiça tenha suspendido a vigência do respectivo decreto municipal. Curitiba já chegou a 1 milhão de veículos e criou estacionamentos obrigatoriamente pagos e por tempo limitado na área central – tal como Belo Horizonte -, além de dar prioridade absoluta a ônibus nos semáforos dos corredores. Brasília também está chegando a 1 milhão de veículos e preocupada com o que fazer, embora disponha de uma rede viária mais adequada, trânsito em grande parte descentralizado e de metrô para parte da cidade.

A exceção a esse caminho parecia ser, até há alguns anos, Goiânia, cuja população na área metropolitana já ronda agora 1,7 milhão de pessoas, com alta taxa de crescimento (por causa de migrações), e tem o mais alto índice de veículos por habitantes no País. Mas a tendência nas políticas públicas ali continua a ser a de privilegiar o transporte individual. Constroem-se viadutos e trincheiras a altos custos, cortam-se ao meio canteiros rotatórios em praças para abrir espaço aos automóveis – embora associações de ambientalistas e urbanistas recorram à Justiça alegando que não se fazem estudos de impacto ambiental e de vizinhança, como exige a legislação ambiental. Repete-se o caminho que já inviabilizou o antigo centro da cidade, planejado no final da década de 1930. Só que, como ali se concentraram o Executivo, o Legislativo, os serviços públicos e privados, o trânsito teve uma decadência precoce – que agora se repete em outras áreas.

Na verdade, o pouco que se avança nessa área em toda parte continua tentando deixar de lado uma discussão, que é a da viabilidade ou não do transporte individual nos termos atuais. Se a capital paulista continuar a receber cerca de mil novos veículos por dia, como se fará? Vão-se estabelecer limites para licenciamento, cada um só podendo viabilizar-se com a eliminação de outro? Seria uma restrição considerada impensável, embora o mundo já caminhe para ter 1 bilhão de veículos (Estado, 6/3) e eles sejam também um das principais fontes de emissão de gases que intensificam o efeito estufa e acentuam mudanças do clima. Há quem pense em estímulos indiretos, como fez a cidade de New Jersey (EUA), que criou faixas exclusivas de trânsito para veículos que transportem pelo menos três passageiros e ainda lhes concede bônus de US$ 100 para financiar a gasolina. Dubai constrói uma cidade sem veículos. Em contrapartida, os candidatos Hillary Clinton e John McCain, nos EUA, como já se comentou aqui, prometem anular a taxação sobre combustíveis poluentes – e facilitar ainda mais a utilização de veículos.

Ainda uma vez mais é preciso repetir: só com políticas que coloquem no centro de tudo o enfrentamento das questões do clima e da sustentabilidade dos padrões de produção e consumo globais (hoje inviáveis, acima da capacidade de suporte do planeta) será possível, em todos os lugares, chegar a alternativas que terão ser aprovadas e praticadas pela sociedade. Sejam quais forem.

Washington Novaes é jornalista E-mail: wlrnovaes@uol.com.br

Artigo originalmente publicado no O Estado de S. Paulo, 16/05/2008