EcoDebate

Plataforma de informação, artigos e notícias sobre temas socioambientais

Notícia

Ministra acumulou derrotas sempre que contrariou os interesses do Planalto

Nos cinco anos que passou à frente do Meio Ambiente, Marina Silva acumulou derrotas sempre que o setor ambiental bateu de frente com interesses estratégicos do governo. Por Claudio Angelo, Editor de Ciência, da Folha de S.Paulo, 14/05/2008.

Perdeu a briga dos transgênicos para o agronegócio. Perdeu a briga do licenciamento de obras de infra-estrutura para Dilma Rousseff e as empreiteiras (na ocasião, Lula chegou a decidir demiti-la, como viria a confessar). Agora, novas pressões desses setores ameaçam anular seu maior legado: uma política de desenvolvimento sustentável para a Amazônia.

A primeira grande derrota de Marina aconteceu em seu primeiro ano como ministra. No final de 2003, o Planalto liberou, por medida provisória, a comercialização de soja transgênica. A liberação era de interesse do setor agrícola e uma bandeira do então ministro Roberto Rodrigues (Agricultura).

Outra pancada viria em 2005, quando o Congresso aprovou a Lei de Biossegurança, dando competência à Comissão Técnica Nacional de Biossegurança para liberar transgênicos. A ministra queria que a liberação fosse decidida por um conjunto de ministérios e apontou “cassação de competência” do Sistema Nacional de Meio Ambiente. Não adiantou: o Brasil é hoje território livre para os transgênicos.

Se perdia de um lado, Marina começava a ganhar de outro: na contenção do desmatamento na Amazônia. Em 2003, ao amargar uma taxa de desmatamento de 25 mil km2, Marina articulou a criação do Plano de Prevenção e Controle do Desmatamento. O pacote incluía a criação do Deter, um sistema de monitoramento em tempo real, e uma série de políticas de desenvolvimento sustentável, como a determinação de aproveitar 650 mil km2 de área degradada na Amazônia para intensificar a produção agropecuária sem desmatar mais nada. O plano, lançado em 2004, deveria envolver 13 ministérios, sob a coordenação da Casa Civil. Mas Marina agiu sozinha.

Em 2005, ano da morte da freira Dorothy Stang, a devastação explodiu e alcançou o recorde de 27,3 mil km2. Marina pôs a tropa na rua e, com o auxílio da PF e aproveitando a mobilização do Exército no Pará, iniciou uma série de operações de fiscalização e criou um conjunto de unidades de conservação em áreas de conflito rural, como a Terra do Meio.

Essa política, aliada a uma feliz coincidência na conjuntura econômica -a queda dos preços das commodities- fez o desmatamento cair pelos três anos seguintes. Foi uma vitória circunstancial. O plano contra o desmatamento permaneceu fragilizado no seu cerne -a chamada “transversalidade” da política ambiental. E, se com José Dirceu à frente da Casa Civil ele padecia de falta de coordenação, com a entrada de Dilma ele ganhou uma inimiga.

Dilma mandou excluir do plano todas as ações que interferiam no desígnio do Planalto de criar grandes obras de infra-estrutura na Amazônia. E fez Marina atropelar a lei ambiental para forçar o Ibama a conceder licenças para as bilionárias usinas de Santo Antônio e Jirau, no rio Madeira. Fiel a Lula até o último momento, Marina entendeu o recado: o PAC é maior que o Meio Ambiente. Com o PAC não se mexe.

Neste ano, a ministra bateu de frente com o chefe outra vez, ao classificar de “preocupante” a retomada acelerada do desmatamento -que Lula chamou de “tumorzinho” ao questionar os dados do Inpe, atiçado por Blairo Maggi e pelo novo inimigo de Marina, Reinhold Stephanes (Agricultura).

Surpreendentemente, Lula pareceu ceder aos argumentos da ministra ao embargar o desmate em 36 municípios e ao exigir critérios ambientais no financiamento agrícola, mas lhe impôs outra derrota ao entregar o PAS (Plano Amazônia Sustentável) à coordenação de Mangabeira Unger.

Sem Marina para esmurrar a ponta da faca, e em ano de eleição, o desmatamento deve explodir em 2008 e abre-se de vez a temporada de caça na Amazônia. De caça, de pesca, de represamento de rios, de pavimentação de estradas e de abate de árvores. Muitas árvores.