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Notícia

Biógrafa refaz passos de Dorothy Stang e ataca cultura da impunidade

Escritora britânica lança no Brasil e nos Estados Unidos livro sobre atuação da freira assassinada em 2005

A escritora britânica Binka Le Breton se declara apaixonada pelo Brasil, onde mora desde 1984. Mas a paixão não a impede de ver os defeitos do País – ao contrário, seus livros evidenciam mazelas como trabalho escravo, violência e cultura da impunidade. Por Daniel Bramatti, do O Estado de S.Paulo, 11/05/2008.

Todos esses temas se entrecruzam no último trabalho de Binka, A Dádiva Maior, a Vida e a Morte Corajosas da Irmã Dorothy Stang (Editora Globo), sobre a freira norte-americana assassinada em 2005, no Pará, numa região marcada por conflitos de terra. A obra foi lançada nos Estados Unidos e começa a chegar às livrarias brasileiras.

Dorothy é a segunda vítima de confrontos no campo biografada pela autora. Em Todos Sabiam: a Morte Anunciada do Padre Josimo (Editora Loyola), Binka descreveu o assassinato de Josimo Tavares, no Maranhão, por um pistoleiro, crime que ontem completou 21 anos. Como no caso de Dorothy, os apontados como mandantes foram inocentados pela Justiça.

Em entrevista ao Estado, Binka falou sobre o livro e comentou a absolvição do fazendeiro Vitalmiro Bastos de Moura, o Bida, acusado de mandar matar a religiosa.

CONTATOS COM DOROTHY

“Quando estava trabalhando em um livro no sul do Pará, Dorothy estava na Transamazônica. Eu havia conversado com ela por telefone, tinha mandado um estudante meu para ficar com ela, pouco antes do crime. Nunca a conheci pessoalmente, mas agora a conheço muito bem. Estive no convento dela, nos Estados Unidos, conversei com parentes que vivem em Ohio. Mas voltei correndo para a Amazônia para conhecer melhor a realidade mais marcante para a vida dela.”

ORIGEM

“Dorothy Stang nasceu em 1931 e foi criada sob a sombra da Depressão da economia norte-americana e da Segunda Guerra. Numa família tradicional e católica, com oito ou nove filhos, era de se esperar que um ou dois fossem para um seminário ou convento. Dorothy foi para um colégio onde estavam essas irmãs de Notre Dame e se apaixonou, porque eram mulheres excepcionais.”

RELIGIÃO E POBREZA

“Dorothy tinha esse desejo de se tornar missionária. Com 17 anos, foi para o convento, começou a lecionar e se mudou para o Arizona. E aí encontrou a pobreza verdadeira, trabalhando com famílias de imigrantes mexicanos e com índios navajos.”

BRASIL

“Em 1965, conseguiu realizar o desejo de viver no exterior. Chegou ao Brasil no início da ditadura, e ficou um tempo no Rio de Janeiro. A América Latina era o berço da Teologia da Libertação. Ela estudou isso e foi para o Maranhão, onde começou a colocar a mão na massa.”

ASSASSINATO E ABSOLVIÇÃO

“Quando Dorothy foi assassinada ficamos muito preocupados, porque não foi a primeira a ser morta nem será a última. A pressão nacional e internacional foi uma coisa muito boa para ajudar a chamar a atenção para a situação de impunidade. E foi muito importante não tratar o caso da Dorothy como diferente dos demais, mas como se fosse simbólico de todos os mortos anônimos. Foram quatro julgamentos bem-sucedidos antes desse último. Vamos esperar que o que aconteceu agora seja uma exceção. Foi uma vergonha. Ele (Bida) tinha sido condenado a 30 anos e logo em seguida foi inocentado… Para a Justiça na Região Norte, que já era muito precária, foi um grande retrocesso. Isso vai encorajar a cultura da impunidade.”

MILITARES CONTRA ONGS

“Dá para compreender esse discurso dos militares, que já vem de longa data. Existe uma certa xenofobia, mas a Amazônia, por outro lado, é cobiçada. Experimentamos agora um período de perseguição a ONGs, a movimentos populares e a ambientalistas que remam contra a maré do agronegócio. Há 30 anos a sociedade civil não tinha voz. Agora tem, e sempre vai haver pessoas que desconfiam dessas vozes. Uma democracia precisa ouvir todo mundo.”

MILITANTE NO BRASIL

“Chegamos ao Brasil em 1984. Meu marido sempre quis pôr em prática o que ensinava sobre sustentabilidade, sobre como cuidar melhor da terra. Compramos uma fazenda em Minas Gerais e implantamos um projeto de agricultura sustentável. Fundamos uma ONG e é muito gratificante ver como o nosso cantinho do Brasil está se desenvolvendo bem. Não só por ter escola, posto de saúde, acesso a internet, mas pela sensação de que o povo pode, sim, conseguir alguma coisa. É só correr atrás.”

RISCO EM ÁREAS DE CONFLITO

“Na Amazônia oriental posso circular despercebida, pois no Acre e em Rondônia tem muitos gaúchos, mas na Amazônia ocidental eu chamo muito a atenção. Tem muita gente que está na linha de batalha, digamos assim, e eu sou mais uma repórter. Mesmo assim, é preciso se cuidar.